Ao analisar os registros históricos preservados por nativos pré-colombianos
percebemos que eles acreditavam em um Criador Supremo e que suas lendas
registram um dilúvio global. Percebemos também que muitos detalhes dessas
lendas são estranhamente parecidos com as narrativas bíblicas do Gênesis,
sendo inevitável uma associação com as terras e os povos da Bíblia. Depois
de considerar vários povos antigos, a conclusão mais plausível é a de que boa parte dos nativos americanos herdaram da cultura mesopotâmica tradições que mostram claramente sua ligação com esta cultura e ainda a relacionam com tradições hebraicas. Esta similaridade se dá não só pela semelhança das
lendas nativas com as histórias bíblicas, como também por alguns rituais. A
seguir, apresentaremos alguns trechos bem curiosos de registros históricos que encontramos ao longo de nossa pesquisa.
A criação do Mundo - Os nativos peruanos e andinos preservaram relatos bíblicos sobre a
Criação do Mundo, Adão e Eva e sobre Noé e sua mulher: “Isto é
o que contam os índios peruanos acerca de sua origem, de acordo com a lista dos
autores mencionados acima. Do qual o que podemos vender por verdade é que, sem
dúvida, os índios tiveram notícias da Criação do mundo e da formação de Adão,
Eva, da Inundação e de Noé e sua mulher” (García, 1729, p. 334, 335).
Figura 1: Escudo inca, um símbolo que
retrata e registra a origem desse povo, mostrando que eles saíram de uma
montanha após o dilúvio (Fonte: Poma de Ayala, 1941).
Alguns conceitos de saúde do
Éden bíblico - Aqui
percebemos como os Incas viviam mais de cem anos, comiam pouca gordura e outros
alimentos, e casavam tarde: “De
como esses incas e demais senhores. Principais ou yns. As pessoas particularmente antigas fizeram e aumentaram sua
saúde e anos de vida entre 250 e 150 anos, eles duravam tanto porque tinham uma
ordem e regras de seguir e criar seus filhos. Quando garoto, não lhe deixavam
comer coisa de sebo [gordura] ou nada de mel ou pimenta, sal e vinagre, nem lhe
deixavam ter meninas nem dormir com uma mulher até ter cinquenta anos, nem se
sangrava e se purgava [expurgava, limpava] todos os meses com três pares de
bilca tauri [sementes purgativas
usadas pelos Incas, feitas em líquido, usadas como medicamento oral para induzir o
vômito em rituais] e misturado com macay [erva medicinal purgativa] que
se tomava pela boca a metade e a outra metade se fazia enema [líquido que se
introduz no ânus]; com isso, aumentaram a saúde e a vida. Até os trinta anos
não tinham mulher, nem marido, nem cargo e, assim, tinham grande força para
guerrear” (Poma de Ayala, 1941, p. 118, 119).
Figura
2:
Capa do livro El Primer Nueva Corónica y Buen Gobierno, de uma edição de 2011, porém o desenho é o mesmo da
versão original (Fonte: Poma de Ayala, 1941).
Alimentação
apenas duas vezes ao dia - Isolados na América, alguns grupos mantiveram
os costumes após o dilúvio. A refeição principal era a da parte da manhã e
sucos e líquidos durante todo o restante do dia e um lanche no meio da tarde,
exatamente como aconselha a escritora norte-americano Ellen White: “Como isso era conhecido, o Atabalipa
pediu que lhe dessem de comer, e ele ordenou que todo seu povo fizesse o mesmo.
Era costume comer pelas manhãs, e
assim todos os nativos desse reino. Os Senhores, depois de ter comido, como
digo, passavam o dia todo bebendo até a
noite que comiam poucas coisas” (Pizarro,
1917, p. 31).
Leis do
Antigo Testamento - No trecho a seguir, extraído do livro Historia General del Perú, pode-se
perceber semelhanças entre as leis dos Incas e a lei de Levítico: os incas não
comiam sangue: “Que os da cidade de Cuzco de
forma alguma comessem sangue ou qualquer coisa feita dele. Os leprosos e
aqueles que eram porcos, sujos e nojentos, que os expulsassem do meio do povo,
para que não contaminassem a outros, e o mesmo para aqueles que tinham
enterrado algum falecido em sua casa. Ele ordenou que aqueles que derramassem a
semente genital [esperma] fossem expulsos da cidade por um mês e, no início do
outro mês, retornassem à cidade e que o pontífice ou o feiticeiro fizessem
sacrifícios por ele e ou o que estivesse dormindo houvesse feito o mesmo, e
primeiro entrassem desnudo em água fria e se lavasse. Que as mulheres tivessem ou andassem com companhia
e vivessem honestamente. Os senhores ou ricos poderiam ter quantas quisessem
e pudessem sustentar desde que fosse com o consentimento do Inca” (De Murúa,
1962, [Fol. 247], p. 90).
Neste trecho é possível perceber que, mesmo
antes dos hebreus, o sangue tinha significado: “Os pontífices e os sacerdotes das huacas [santuário,
templo] sacrificavam e ofereciam uns carneiros, que tinham dedicado para esse
fim [sic], branco, sem mancha ou defeito [sic] qualquer” (De Murúa,
1962, [Fol. 256], p. 104).
Notamos também que eles vieram à América
logo depois do dilúvio, centenas de anos antes de Abraão. Naquela altura, a lei
já estava estabelecida (seja oral ou escrita) e podemos notar isso por meio da
sua guarda do sábado: “Quanto ao terceiro preceito de santificar o sábado, eles
tinham suas festas em dias designados, nos quais faziam grandes sacrifícios, e
eles descansavam, particularmente no Peru. Os índios Totones, que são da Nova
Espanha, estavam obrigados a ir ao Templo no
sábado, à cerimônia que acontecia lá e ao sacrifício que ofereciam aos seus
deuses” (García, 1729, p. 114).
Figura 3: Capa do
livro Origen de los Índios de el Nuevo Mundo, e Indias
Occidentales (Fonte:
García, 1729).
Torre
de babel - Várias tradições similares à da Torre de Babel
são encontradas na América Central. Uma em especial relacionada aos Astecas diz
que Xelhua, um dos sete gigantes salvos do dilúvio, construiu a Grande Pirâmide
de Cholula – na América central – para desafiar o Céu. Os deuses destruíram-no
com fogo e confundiram a linguagem dos construtores. No livro Ophiolatreia vemos o seguinte:
“Quando as águas diminuíram, um
dos gigantes, chamado Xelhua, apelidado de ‘Arquiteto’, foi a Cholula, onde,
como memorial do Tlaloc, que serviu para um asilo para si e para seus seis
irmãos, ele construiu uma colina artificial em forma de uma pirâmide. Ele
ordenou que os tijolos fossem feitos na província de Tlalmanalco, ao pé da
Serra de Cecotl, e, para carregá-los até Cholula, ele colocou uma fila de
homens que os passou de mão em mão. Os deuses viram, com ira, um edifício cujo
topo chegava às nuvens. Irritado pela tentativa atrevida de Xelhua, lançaram
fogo na pirâmide [na tradição asteca seriam meteoritos ‘que haviam caído do céu envolvidos em uma bola
de fogo’]. Numerosos trabalhadores morreram. O trabalho
foi interrompido e o monumento foi depois dedicado para Quetzalcóatl”
(Jennings, 1889, p. 63).
Figura
4:
Segunda Edad. (vida no segundo milênio após o dilúvio). É curioso que as
construções de pedra já estavam em pé. Isso significa que as construções megalíticas
não foram obra dos Incas (Fonte: Poma de
Ayala, 1941).
Uma
inscrição original em Nahuatl, a língua asteca, que havia sido escrita pelo
escriba nativo, abaixo de uma ilustração nativa encontrada no templo de
Cholula, dizia: “Nobres e senhores, aqui vocês têm seus
documentos, o espelho do seu passado, a história de seus antepassados, que,
fora de medo de um dilúvio, construiu este lugar de refúgio ou asilo para a
possibilidade de recorrer a tal calamidade” (Nuttall, 1901, p. 269).
Outro relato, atribuído pelo historiador
nativo Fernando de Alva Cortés Ixtilxochitl aos antigos Toltecas, diz que
depois de os homens terem se multiplicado após um grande dilúvio, eles erigiram
um alto zacuali ou torre, para se preservarem no caso de um segundo dilúvio.
Contudo, as suas línguas foram confundidas e eles foram para diferentes partes
da terra (Ixtilxochitl, 1640).
O Sol “parou”
por mais de 20 horas - Josué 10:12-14 relata um episódio que teria acontecido cerca de 1400
a.C.: “No dia em que o Senhor entregou os amorreus aos israelitas, Josué
exclamou ao Senhor, na presença de Israel: ‘Sol, pare sobre Gibeom! E você, ó
Lua, sobre o vale de Aijalom!’ O Sol parou, e a Lua se deteve, até a nação
vingar-se dos seus inimigos, como está escrito no Livro de Jasar. O Sol parou
no meio do céu e por quase um dia inteiro não se pôs.”
O incidente, cuja singularidade é reconhecida na Bíblia (“Não existiu nenhum dia
como esse, antes ou depois”), ocorreu do outro lado da
Terra, em
relação aos Andes situado na América do Sul, descrevendo um fenômeno oposto, mas complementar astronomicamente
ao que ocorrera no Peru. Ao contrastarmos os dois relatos, percebemos que, em
Canaã (Oriente Médio), o Sol não se pôs por cerca de vinte horas; nos Andes, o
sol não se levantou pelo mesmo período de tempo (Sitchin, 1990).
Segundo Montesinos, quando “os bons costumes foram esquecidos e as
pessoas se entregaram a todos os tipos de vícios”, houve um dia em que “não
houve aurora por vinte horas” (Montesinos, 1882). Em outras palavras, a noite não terminou no horário de sempre e o
nascer do sol foi adiado durante vinte horas. Depois de grande comoção, confissões
de pecados, sacrifícios e orações, o sol finalmente apareceu. No livro Memorias Antiguas Historiales y Políticas
del Perú, encontra-se a seguinte citação: “Nos tempos do rei Titu Yupanqui
Pachacuti “dizem os antigos amautas, e estes aprenderam com seus patriarcas e
preservaram na memória pelos seus quipos [sistema binário ou código de leitura]
para eterna memória, que o sol se cansou de caminhar e se escondeu dos vivos, e
como castigo sua luz sumiu por mais de vinte horas. Os índios gritaram chamando
a seu pai o Sol; fizeram grandes sacrifícios para acalmá-lo, oferecendo muitos
cordeiros e donzelas e moços, e quando saiu a luz do Sol após as horas
mencionadas, lhe agradeceram pelas bênçãos recebidas” (Montesinos, 1882, p. 57,
58).
Figura 5: Um Amauta usando um “quipu”;
embora o desenho seja o da versão original, esta imagem foi retirada de uma reedição de 2011 (Fonte:
Poma de Ayala, 1941).
Houve muitas
interpretações desse fenômeno por cientistas. Em um estudo recente, os pesquisadores
atribuíram o evento a um eclipse, aliás acreditam que podem ter identificado a
data do mais antigo eclipse solar já registrado. (Humphreys e Wadington, 2017) De acordo com eles, “essa interpretação é apoiada pelo fato de que a
palavra hebraica traduzida como ‘parado’ tem a mesma raiz que uma palavra
babilônica usada em textos astronômicos antigos para descrever os eclipses”.
Eles sugerem que o evento tenha ocorrido no dia 30 de outubro de 1207 a.C. - exatamente 3.224
anos atrás. Para tanto, os pesquisadores
da Universidade de Cambridge usaram uma combinação de texto bíblico e texto
egípcio antigo para entender a data do suposto eclipse solar.
Em outro estudo, com base em dados obtidos da Nasa, cientistas da
Universidade Ben-Gurion do Neguev, em Berbesá, Israel, descobriram não apenas
que o relato bíblico descrito em Josué 10:12-14 realmente aconteceu, como
também, segundo eles, o dia e a hora exatos do fenômeno (Yitzchak, Weistaub e Avneer, 2017). A equipe de
cientistas, chefiada pelo Dr. Hezi Yitzhak, também interpretou o
acontecimento como sendo um eclipse, e que ele teria acontecido exatamente
em 30 de outubro de 1207 a.C., às
16h28.
Para tanto, os pesquisadores interpretaram a palavra
hebraica “dom” como “tornou-se escura”
em vez do que tradicionalmente significava como “ficar parado”. Com base nos dados obtidos,
eles descobriram que apenas um eclipse aconteceu entre os anos 1500 e 1000 a.C.,
o que coincide com a chegada dos israelitas ao local onde ocorreu a batalha
descrita na Bíblia. Os resultados desse estudo foram publicados na revista Beit Mikra:
Journal for the Study of the Bible and Its World.
Para mim, esse fenômeno não pode ter sido um eclipse, porque nenhum
eclipse dura tanto tempo. Além disso, os povos incas tinham conhecimento de
tais eventos periódicos. A história não diz que o Sol desapareceu. Apenas
afirma que “não houve aurora” por vinte horas. Foi como se o Sol, onde
quer que tenha se escondido, tivesse parado.
(Everton Alves e Irwin Susanibar)
Referências:
De Murúa, Martín. Historia General del Perú, Origen y descendencia de los incas. V.
1. Colección: Fondo Antiguo - Aurelio Miró Quesada. Madrid: Impr. Don Arturo
Gongora, 1962.
García,
Gregorio. Origen de los indios de el
Nuevo Mundo, e Indias Occidentales. Segunda Edición. Colección: Fondo
Antiguo. Madrid: En la imprenta de F. Martinez Abad, 1729. 336p.
Humphreys, Colin; Wadington, Graeme. Solar eclipse of 1207 BC helps to date
pharaohs. Astronomy & Geophysics 2017; 58(5):5.39–5.42.
Ixtilxochitl, Fernando de Alva Cortés. Historia Chichimeca. 1640.
Jennings,
Hargrave.
Ophiolatreia: An Account of the Rites and Mysteries Connected With the Origin,
Rise and Development of Serpent Worship. Capítulo 6. Privately Printed, 1889. 103p. Disponível em:
https://archive.org/details/ophiolatreiaacco00nppr
Montesinos, Fernando de. Memorias antiguas historiales y políticas del Perú.
Madrid : Impr. de M. Ginesta, 1882. 259p.; essa primeira obra foi copiada de um
manuscrito do ano 1644 que se encontra na biblioteca da Universidade Sevilla e
cujo título é: “Ophir de España; mémorias historiales políticas del Pirv...”
Nuttall, Zelia. The Fundamental
Principles of Old and New World Civilizations. V. 2. Cambridge, Mass.: Peabody
Museum of American archaeology and ethnology, 1901. 602p. Disponível em: https://archive.org/stream/fundamentalprin02nuttgoog#page/n14/mode/2up
Pizarro, Pedro. Descubrimiento y conquista del Perú, seguida de la relación sumaria acerca de la conquista por el Padre Fr. Luis Naharro, de la Orden de la Merced. Lima: Impr. y Libr. Sanmartí y Cía., 1917. 213p. Colección: Fondo Antiguo - Porras Barrenechea.
Poma de
Ayala, Felipe Guamán. El Primer nueva corónica y buen gobierno. (1615/1616). Colección: Fondo Antiguo. La Paz: Instituto Tihuanacu de Antropología, Etnografía
y Prehistoria, 1941. 1169p.
Sitchin, Zecharia. The Lost Realms. Livro 4
da série de Crônicas da Terra. Harper Collins, 1990, 298p.
Capítulo 7 “O dia em que o Sol parou”.
Yitzchak, Hezi; Weistaub, Daniel; Avneer, Uzi. A sun in Gibeon, and a moon in the valley of Ayalon - Solar eclipse occurred on October 30, 1207 BC? Beit Mikra: Journal for the Study of the Bible and Its World 2017; 62(1):196-238. Disponível em: http://www.boker.org.il/meida/negev/desert_biking/personal/BM_61-2_196_238.pdf
Yitzchak, Hezi; Weistaub, Daniel; Avneer, Uzi. A sun in Gibeon, and a moon in the valley of Ayalon - Solar eclipse occurred on October 30, 1207 BC? Beit Mikra: Journal for the Study of the Bible and Its World 2017; 62(1):196-238. Disponível em: http://www.boker.org.il/meida/negev/desert_biking/personal/BM_61-2_196_238.pdf