A natureza chama a atenção de todos: do cientista que
procura investigá-la para descobrir suas intrincadas e inteligíveis leis à
criança que faz curiosas e interessantes perguntas acerca de seus múltiplos
aspectos. Os olhos humanos são cativados por ela, pois fascina, instiga,
deslumbra e também amedronta as pessoas. Mesmo as criaturas irracionais têm um
olhar instintivo voltado à natureza, sendo envolvidos e governados por seus
princípios universais. Costuma-se afirmar que a natureza é um compêndio, “livro”
sobre o qual homens e mulheres de ciência se debruçam a fim de estudar sua
linguagem – codificada matematicamente –, com o objetivo de transformá-la em
conhecimento. Esse tipo de trabalho requer um mergulho cognitivo muito profundo
no mundo natural, por meio do método que permitiu o nascimento e
desenvolvimento da ciência moderna. Segundo Galileu Galilei, “o Universo não
poderá ser lido até que tenhamos aprendido e nos familiarizado com os
caracteres com os quais foi escrito. E ele foi escrito em linguagem matemática,
e as letras são triângulos, círculos e outras figuras matemáticas, e sem tais
recursos é humanamente impossível compreender uma única palavra”.
Inclinam-se também para a natura poetas, literatos, músicos e outros artistas, extraindo dela
inspiração para suas criações. Não só esses: filósofos a observam mediante a
razão, muitas vezes especulativa. Fazendo uso do pensamento reflexivo, elaboram
questionamentos sobre a realidade e essência dos seres e das coisas,
engajando-se na procura pela verdade. E os teólogos? Eles a veem uma obra de
Deus, fonte de espiritualidade e via argumentativa a favor da existência do
Criador. Assim, a physis desperta no
ser humano várias reações que vão desde o anseio investigativo por desvelar sua
origem e estrutura até a simples ação de escrever este texto acerca dela, como
o faço. De fato, qualquer observador perspicaz vê na natureza um signo grandioso repleto de informações e mensagens indicadoras
de certo mistério supranatural nela presente. Todavia, apesar desse fascínio
atrativo, que quadro geral da natureza nossa visão tem formado? Seria uma
imagem nítida ou embaçada e distorcida por algum modelo explicativo limitador?
Quando Charles Darwin realizou sua famosa viagem de
cinco anos a bordo do H.M.S. Beagle, esse naturalista inglês observou muitas
cenas e paisagens naturais que lhe imprimiram significativos sentimentos e
pensamentos, ajudando-o a estabelecer a teoria geral da evolução das espécies:
cosmovisão aplicada ao estudo da natureza, dominante no meio científico e paradigma
central não só da Biologia, mas também de muitas outras disciplinas. Diz-se que
“ele visitou as ilhas de Cabo Verde, vários pontos do Brasil e da Argentina,
incluindo Rio de Janeiro e Buenos Aires, e as ilhas Malvinas, a Patagônia, a
Terra do Fogo, o estreito de Magalhães, a área central do Chile, Chiloé e as
ilhas Chonos, a região de Valdívia, muito propensa a terremotos, no Chile, o
norte do Chile e do Peru, o arquipélago das Galápagos, o Taiti, a Nova
Zelândia, a Austrália, as formações de corais da ilha de Keeling e as ilhas
Maurício. De tempos em tempos, durante a viagem [...], Darwin pôde passar um
total de três anos e um mês em terra, viajando muito, coletando exemplares de
botânica, de vida orgânica, animais, fósseis, metais e minerais de todo tipo,
registrando suas observações sobre fauna, flora e habitantes humanos. Ele caçou
uma enorme variedade de pássaros e animais, perseguiu avestruzes, estudou os
efeitos de um terremoto de grande escala, observou uma forte erupção vulcânica
e visitou grandes extensões de florestas tropicais, altas montanhas, serras,
pampas e outras savanas, rios, lagos e diversas regiões repletas de arbustos e
matagais, bem como vilarejos de nativos, assentamento de colonos, minas e
cidades”. Que expedição! Essa jornada darwiniana resultou na obra-prima A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural
ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta Pela Vida, título tão extenso
quanto a odisseia do Beagle.
Segundo o historiador e jornalista Paul Johnson,
“Darwin nunca buscou compreender o Universo como um todo, mas apenas seu
conteúdo orgânico. [...] Não era apenas um homem cerebral e intuitivo, mas também
altamente emocional. Ele sofreu muitos choques durante a viagem que alteraram
permanentemente a forma como enxergava as coisas. [...] Darwin já notara que a natureza
tendia a operar, e tudo acontecia tão gradualmente que o progresso natural pôde
ser descrito como uma infinita sucessão de pequenos eventos, não de vibrantes
atos de criação”. Conforme ele próprio concluiu em A Origem das Espécies, “há uma grandeza nessa noção de vida, com
seus vários poderes [...]; e que, enquanto o planeta girava de acordo com a lei
fixa da gravidade, a partir de um início tão simples, um número infinito de
formas, as mais belas e maravilhosas, evoluiu e continua a evoluir”.
A meu ver, os olhos de Darwin, ainda que perspicazes e
analíticos, não enxergaram as nuances mais profundas da natureza. Com olhar
epistemológico anuviado, ele se deixou conduzir por certa interpretação
duvidosa e parcial a respeito da origem e desenvolvimento das formas de vida na
Terra, não percebendo na história da natureza as intervenções do Deus do
Gênesis. Na postura de naturalista sistemático, envolveu-se tanto com os assim
chamados “processos evolutivos” que perdera de vista os evidentes vestígios do
Criador registrados em todo o planeta. Assim, por lhe faltar uma visão paradigmática
de longo alcance, Darwin cometeu tremendos equívocos interpretativos
resultantes de inferências erroneamente tiradas de fatos observados na natureza.
Como alguém ponderou, ele “acertou no varejo e errou por atacado”.
No raciocínio de Alister McGrath, “o mundo natural é
conceitualmente maleável. Ele pode ser interpretado, sem nenhuma perda de
integridade intelectual, de várias maneiras distintas. Alguns ‘leem’ ou
‘interpretam’ a natureza de forma ateísta. Outros a ‘leem’ de um modo deísta,
vendo-a apontar para uma divindade criadora, que não está mais envolvida nos
assuntos da natureza. [...] Outros adotam uma visão mais especificamente
cristã, acreditando em um Deus que tanto cria quanto sustenta a natureza.
Outros adotam uma visão mais espiritualizada, mencionando de forma mais vaga
alguma ‘força de vida’. [...] Uma vez que a natureza pode ser interpretada de
muitas maneiras, qual é a melhor interpretação? Uma vez que o Universo pode ser
explicado de diferentes maneiras, qual dessas explicações é a melhor? Quão bem alguma dada estrutura
extrai sentido do que é de fato observado? [...] O processo de observação, quer
científico quer religioso, envolve tentar casar o que é observado com o que é
acreditado e, depois, fazer quaisquer ajustes necessários”.
Do ponto de vista cristão, bíblico e criacionista,
somos convidados à contemplação e ao estudo da natureza usando lentes que
ultrapassem o horizonte materialista e darwinista, ampliando-o para uma
teologia natural cujo empreendimento “é de discernimento, de ver a natureza de
certa maneira, de enxergá-la por meio de um conjunto específico e particular de
lentes teóricas”. Nesse sentido, o cristianismo, caracterizado por “sua
elegância intrassistêmica e por sua fecundidade extrassistêmica”, funciona como
um potente catalisador, conferindo estímulo e sentido à humanidade sempre em
busca incessante por suas origens. Ou, na expressão de C. S. Lewis, o
cristianismo é um sol iluminador “porque através dele eu vejo tudo ao meu
redor”. Para quem adota tal perspectiva, aparecem perguntas desafiadoras e
honestas: “Será que a fé cristã pode oferecer um relato mais rico e profundo do
mundo natural do que suas adversárias pagãs ou ateias, já que os cristãos veem
o mundo natural por um prisma teológico? O que dizer sobre a ambiguidade moral
e estética da natureza? Ela não é caracterizada igualmente pela feiura e pela
beleza? Pela violência, destruição e dor, bem como pela bondade? Como essa
diversidade moral e estética da natureza pode ser disposta de forma teórica?”
Precisamos aprender a enxergar a natureza como um todo, visão que só a fé cristã é
capaz de conferir. Nesse aspecto, resumidamente, Alister McGrath recomenda as
lentes expansivas do cristianismo direcionadas ao mundo natural: “A fé cristã
oferece uma forma alternativa de ver a natureza, que às vezes pode questionar
as versões exageradas do método científico; contudo, ela acolhe a busca humana
pela verdade e se vê como parte dela, seja científica, seja religiosa. [...]
Ela espera encontrar, e de fato encontra, uma ressonância explicativa relevante
com o que é conhecido da natureza por meio de outras fontes, ao mesmo tempo que
insiste em seu direito de retratar e descrever a natureza em sua forma especial
– como criação de Deus. [...] O cristianismo oferece um sol intelectual que ilumina
um mundo que, do contrário, seria obscuro e enigmático: fornece uma ‘adequação
empírica’ profundamente satisfatória entre a teoria e a observação, sugerindo
que o mapa da realidade é fiel e passível de confiança.”
Verdadeiramente, “a coisa mais extraordinária que uma
alma humana faz neste mundo é ver algo e relatar o que viu de forma clara”. Imbuídos
do discernimento e dos insights da teologia natural e da revelação
cristã, nossas perguntas acerca da natureza – muitas ainda não respondidas –
servem de estímulo científico, filosófico e religioso, bem como de incentivo à
pesquisa, lançando-nos numa viagem mais interessante e empolgante do que a circunavegação
evolucionista feita por Charles Darwin. Para quem adota tal visão
omnidirecional, a natureza revelar-se-á o “teatro da glória de Deus”.
Frank de Souza Mangabeira