[Meus comentários seguem entre colchetes. – MB] Há tempos a ciência investiga o elo perdido entre o macaco e o homem. Já há consenso de que Darwin tinha razão [sic]. Até o papa João Paulo II, que não era de dar o braço a torcer, admitiu a pertinência do darwinismo [sim os últimos papas deixaram clara sua visão evoteísta, que tenta misturar Bíblia com darwinismo]. O que obrigou os bispos da Argentina, adeptos fundamentalistas [sic] do criacionismo, a suspender, nas escolas católicas, o ensino de que entre Deus e nós não houve outros intermediários senão Adão e Eva.
Os criacionistas não podem ir além da ideia de um deus oleiro que, tendo brincado com argila e soprado o barro, deu vida às maquetes humanas [lamentável ver um frei usar linguagem irônica ao se referir ao relato histórico e factual da criação conforme registrado por Moisés em Gênesis]. Se dessem um passo a mais na genealogia do primeiro casal ficariam encalacrados. Se Adão e Eva tiveram apenas filhos machos, Caim, Abel e Seth, como se explica essa vasta descendência da qual fazemos parte? Seríamos todos filhos e filhas de um paradisíaco incesto? [“Aos 130 anos, Adão gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem; e deu-lhe o nome de Sete.
Depois que gerou Sete, Adão viveu 800 anos e gerou outros filhos e filhas” (Gênesis 5:3, 4). Que falta faz ler a Bíblia levando-a a sério.]
Como os antigos hebreus não frequentaram a universidade e, portanto, estavam isentos da linguagem acadêmica, abstrata, em toda a Bíblia não há uma só aula de doutrina ou teologia [quanta prepotência!]. Sua linguagem é a do mineiro, à base de “causos”. Vê-se o que se lê. A linguagem figurativa, própria dos povos semitas, transforma conceitos em imagens. O vocábulo hebraico “terra” deu origem a Adão [sim, pois ele foi formado dos mesmos constituintes químicos do solo], e “vida” a Eva [claro, pois é da mulher que provém a vida], numa configuração plástica da noção de que Deus criou o mundo e a humanidade. O curioso é que o autor bíblico sugere que a vida veio da terra, o que só foi constatado pela ciência no século 19, quando foram descobertas as leis da evolução do Universo.
A Bíblia quer ensinar apenas que Deus é o criador do Universo, incluídos os humanos que, embora obra divina, padecem de duas limitações intransponíveis: têm prazo de validade e defeito de fabricação [se levasse a Bíblia a sério, entenderei o que explica o capítulo 3 de Gênesis: que a morte e os “defeitos” não fazem parte da criação original de Deus, mas são resultado temporário da entrada do pecado no mundo]. O que a doutrina cristã chama de pecado original [se não há doutrinas na Bíblia, como escreveu Betto, então elas foram todas inventadas pelos cristãos?].
Isto é óbvio: todos morrem um dia, malgrado as academias de letras repletas de imortais, e não são poucos os que demonstram grandes defeitos de fabricação – ao longo da vida tornam-se corruptos, mentirosos, criminosos, oportunistas, segregadores, machistas, homofóbicos, cínicos. Em suma, homens sem qualidade, diria Musil. E muitos com uma curiosa tendência para a política [adepto da teologia da libertação há muitos anos, o frei não perderia a oportunidade de politizar o assunto...].
Quando teria se dado o salto do símio ao humano? No dia em que um macaco utilizou um pedaço de pau como extensão das mãos, como mostra Stanley Kubrick, no filme “2001, uma odisseia no espaço”? [curiosamente, o relato bíblico da criação é mitológico, alegórico, mas no filme é “mostrada” e evolução humana... Cada um escolhe as fontes nas quais acreditar.] Ou no dia em que o orangotango decidiu, ao contrário de toda a família zoológica, deixar de comer quando tem fome e marcar hora para as refeições? Teria sido naquela tarde de sábado em que o macaco temperou a caça com pimenta e assou na brasa que restara de uma queimada produzida pelo relâmpago, sem saber que inventava o churrasco? [Isso não é história pra macaco dormir; o texto bíblico, esse sim, é!]
Um verdadeiro humano seria uma pessoa dotada de criatividade. Quem já viu uma casa de joão-de-barro com uma varandinha ou um puxadinho para abrigar o filho recém-casado? [Pois é. Quais foram as mutações aleatórias filtradas pela seleção natural lenta e gradual que “ensinaram” o joão-de-barro e tantos outros animais a serem tão engenhosos, dependentes de instintos que deveriam funcionar bem desde o princípio?] Ocorre que a criatividade é também um atributo dos bandidos. Talvez seja melhor caracterizar o humano por suas virtudes: uma pessoa generosa, altruísta, ética, solidária, amorosa, capaz de partilhar seus bens e dons. Isso existe? [E se existe, quando foi que a evolução nos dotou de tais atributos antievolutivos, que contrariam a “sobrevivência do mais forte”?]
Se estivermos de acordo que isso ainda é um projeto, uma perspectiva, um sonho, então há que aceitar: o elo perdido entre o macaco e o homem somos nós, essa cadeia de mamíferos que começa com a curiosidade de Adão e Eva, que foram meter o nariz onde não eram chamados, à geração atual contemporânea de Biden e Putin! Aliás, dois bons exemplos da espécie pré-humana que tem o rabo preso; onde mete os pés cria uma bananosa e vive invadindo o espaço alheio. [Aí tenho que concordar com Betto: Biden e Putin (e Xi Jinping, também) são “bons” exemplos da decadência da humanidade, em sua sanha conquistadora, repressora, destrutiva, capitalista, gramcista, secularista, deturpadora de valores bíblicos, etc., etc.]
Nós somos o elo que andava perdido. No entanto, ele sempre esteve na nossa frente. Basta-nos mirar no espelho. O verdadeiramente humano é ainda um projeto de futuro. Caso contrário, o próprio elo haverá de se romper e o projeto humano quedará como uma utopia. Talvez realizável em algum outro planeta onde haja abundância disto que tanto falta por aqui: vida inteligente. [Esta é a visão típica dos religiosos marxistas da teologia da libertação: não há esperança real para a humanidade; tudo se trata de utopia irrealizável; os cristão bíblicos criacionistas creem que Deus resolverá o problema; creem que Jesus voltará e um dia recriará a Terra, devolvendo-a à sua condição edênica. Mas como crer nisso, quando se pensa que o “pecado original” não existiu de fato (pelo menos não como relata a Bíblia em Gênesis 3), e que, portanto, Jesus não veio para saldar a dívida humana e redimir a humanidade, mas veio para morrer como um mero mártir revolucionário? Como crer nisso, se a segunda vinda de Cristo sequer é tida como uma doutrina e uma promessa Bíblica?]
Ou quem sabe o Criador decida passar a limpo sua criação pela segunda vez. Duvido que vá destruí-la com um novo dilúvio. A água é, hoje, um bem escasso. Deus é generoso, não perdulário. Talvez o aquecimento global seja o primeiro indício de que tudo haverá de virar cinza. Ou, quem sabe, nós mesmos apressaremos o apocalipse desencadeando uma guerra nuclear. Então um novo Gênesis terá início. [Como? De que forma? Destruiremos o mundo para que possa haver uma nova suposta evolução? Deus deixará as coisas chegarem a esse ponto, assistindo a tudo de braços cruzados?]
Desconfio que, no sexto dia, Deus criará animais inaptos a desenvolver uma cadeia evolutiva. E, no sétimo, se recostará em sua rede no Jardim do Éden, porque ninguém é de ferro, e contemplará a beleza do Universo – agora livre da ameaça de um perigoso predador descendente dos macacos, o elo entre o que já não é e o que nunca foi. [Lamento muito que um frei, um religioso mantenha esse tipo de ponto de vista melancólico e o ensine por aí; mas chego a entendê-lo, pois, antes de me tornar criacionista, sustentei visão semelhante e desprovida de esperança. Mas os iluminados são eles e os “fundamentalistas” de mente estreita somos nós. Sim, uma pena.]
(Instituto Humanitas Unisinos)