Parecidos, né? |
Não
há nada de novo no título desta postagem. Porém, a suposta diferença de 1% em
nível genético entre o ser humano e o chimpanzé continua a ser propagada nos
meios de divulgação científica, e principalmente nos livros didáticos. Desde
1975, essa estatística enganosa tem sido apresentada como evidência clara de que
os humanos e os chimpanzés estariam intimamente relacionados na árvore
evolutiva da vida.[1] A famosa estatística de 99% foi
baseada na comparação de apenas 97 genes entre os respectivos genomas. O
genoma humano contém cerca de 19.000 genes.[2, 3] Portanto, 97 genes representam
apenas cerca de 0,5% de todo o nosso genoma. Além do mais, a década de 70
estava bem distante do ano em que foi possível comparar diretamente as “letras”
individuais (pares de bases) do DNA de humanos e chimpanzés – o primeiro
rascunho do DNA humano não foi publicado até 2001.[4] Em 2005, quando o genoma
do chimpanzé foi publicado, houve um frenesi na mídia sugerindo que agora
tinham provas de que chimpanzés e humanos compartilhavam aproximadamente 99% do
mesmo DNA.[5] No entanto, não foi bem isso o que ocorreu. Cada vez mais as
pesquisas genéticas revelam que a percentagem de similaridade de DNA tem sido extremamente
exagerada.
Em
2013, por exemplo, um estudo experimental realizado por Tomkins, um geneticista
norte-americano, demonstrou que apenas 69% do cromossomo X e 43% do cromossomo
Y do chimpanzé eram semelhantes aos do humano.[6] Ademais, o nível de similaridade
genética (DNA) entre essas espécies é de cerca de 70%, ao invés dos
supostos 99% apresentados nos livros didáticos. A variação desses valores é, em
parte, devido a cada vez maiores conjuntos de dados que se tornam disponíveis
para comparação, mas, principalmente, devido a diferentes pressupostos
utilizados no cálculo das porcentagens. Por exemplo, o grau mais elevado de
similaridade (99%) relatado por cientistas evolucionistas foi obtido por
análise de sequências únicas de DNA que correspondem a partes reais do código
genético. Entretanto, as estimativas de menor similaridade (criacionismo ou design inteligente) refletem, por vezes,
alinhamentos que incluem vastas extensões de DNA com as regiões não codificantes.
As
discrepâncias espalhadas na literatura em relação ao grau de similaridade
genética entre humanos e chimpanzés corroboram os dados apresentados por
Tomkins. Pesquisas anteriores apresentaram um percentual de similaridade entre
as espécies que varia de 70%, em análises de grandes segmentos de DNA não codificantes
de proteínas;[7] ~70% quando analisadas as sequencias de DNA do cromossomo Y;[8]
77% na análise do genoma completo;[9] 77,9% na análise do cromossomo 22;[10] 86,7%
na análise da região HLA;[11] 93,6% na análise do genoma, levando em
consideração o número de cópias dos genes (duplicações gênicas);[12] e 95,2% em
análise de cinco grandes sequências de DNA, caindo para ~87% quando inseridas
as sequências completas de alta qualidade.[13, 14]
Em
2007, um artigo publicado na revista Science
afirmou que a noção popular de que os seres humanos e os chimpanzés são em
nível de DNA geneticamente semelhantes em 99% é um mito, e deve ser descartado
devido à imprecisão estatística que já era conhecida desde o início de estudos a
respeito desse tema.[15] Ainda assim o mito do 1% foi perpetuado em 2012 na
mesma revista.[16]
E
o que dizer das características principais que tornam os seres humanos e os
macacos diferentes, tais como a função cerebral e grandes diferenças de
regulação entre genes expressos no cérebro? Em 1975, King e Wilson já
haviam postulado que as principais diferenças entre humanos e macacos se devem
em grande parte a fatores que controlam a expressão gênica: “Nós sugerimos que
mudanças evolucionárias na anatomia e modo de vida são mais frequentemente
baseadas em alterações nos mecanismos que controlam a expressão de genes do que
em mudanças de sequência em proteínas. Propomos, portanto, que as mutações
reguladoras representam as principais diferenças biológicas entre os humanos e
os chimpanzés.”[1: p. 107]
Quando
o fator “expressão gênica” é avaliado, muitas diferenças genéticas entre
humanos e chimpanzés são encontradas. Por exemplo, Oldham e colaboradores publicaram
um artigo descrevendo redes genéticas em cérebros humanos e de chimpanzés.[17]
De acordo com esses autores, 17,4% das ligações de rede no cérebro foram
encontradas no ser humano, mas não no chimpanzé. Eles reafirmaram o
postulado de King e Wilson ao dizer que “o maior grau de homologia de sequência
entre as proteínas humanas e de chimpanzés suporta a hipótese de longa data de que
muitas diferenças fenotípicas entre as espécies refletem diferenças na
regulação da expressão genética, em adição às diferenças em sequências de
aminoácidos.”[17: p. 17973]
Sem
a pretensão de esgotar o assunto, os estudos apresentados representam apenas
alguns exemplos dentre diversas outras evidências disponíveis na literatura. Com
a publicação contínua de dados do projeto ENCODE,[18] vai se tornar cada vez
mais distante a suposta similaridade genética entre as espécies e, portanto, mais
difícil manter a mitologia da diferença de 1%.
(Everton Alves)
Referências:
[1] King MC, Wilson AC. “Evolution
at Two Levels in Humans and Chimpanzees.” Science.
1975; 188(4184):107-116.
[2] MGC Project Team. “The
completion of the Mammalian Gene Collection” (MGC). Genome Res. 2009; 19(12):2324–2333.
[3] Ezkurdia I, Juan D, Rodriguez JM, Frankish A, Diekhans M, Harrow J, Vazquez J, Valencia A, Tress ML. “Multiple evidence strands suggest that there may be
as few as 19000 human protein-coding genes.” Hum Mol Genet. 2014; 23(22):5866-78.
[4] Venter JC, et al. “The
Sequence of the Human Genome.” Science.
2001; 291(5507):1304-1351.
[5] “Chimpanzee Sequencing and AnalysisConsortium.
Initial sequence of the chimpanzee genome and comparison with the human genome.”
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[6] Tomkins JP. “Comprehensive
Analysis of Chimpanzee and Human Chromosomes Reveals Average DNA Similarity of
70%.” Answers Research Journal 2013;
6(1):63–69.
[7] Polavarapu N, Arora G, Mittal VK, McDonald JF. “Characterization and potential functional
significance of human-chimpanzee large INDEL variation.” Mob DNA. 2011;
2:13.
[8]
Hughes JF, Skaletsky H, Pyntikova T, Graves TA, van Daalen SK, Minx PJ, Fulton
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Rozen S, Wilson RK, Page DC. “Chimpanzee
and human Y chromosomes are remarkably divergent in structure and gene content.”
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[9] Ebersberger I, Galgoczy P, Taudien S, Taenzer S, Platzer M, von Haeseler A. “Mapping human genetic ancestry.” MolBiol Evol. 2007; 24(10):2266-76.
[10]
Watanabe
H, Fujiyama
A, Hattori
M, Taylor
TD, Toyoda
A, Kuroki
Y, Noguchi
H, BenKahla
A, Lehrach
H, Sudbrak
R, Kube
M, Taenzer
S, Galgoczy
P, Platzer
M, Scharfe
M, Nordsiek
G, Blöcker
H, Hellmann
I, Khaitovich
P, Pääbo
S, Reinhardt
R, Zheng
HJ, Zhang
XL, Zhu
GF, Wang
BF, Fu
G, Ren
SX, Zhao
GP, Chen
Z, Lee
YS, Cheong
JE, Choi
SH, Wu
KM, Liu
TT, Hsiao
KJ, Tsai
SF, Kim
CG, OOta
S, Kitano
T, Kohara
Y, Saitou
N, Park
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SY, Yaspo
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[11]
Anzai
T, Shiina
T, Kimura
N, Yanagiya
K, Kohara
S, Shigenari
A, Yamagata
T, Kulski
JK, Naruse
TK, Fujimori
Y, Fukuzumi
Y, Yamazaki
M, Tashiro
H, Iwamoto
C, Umehara
Y, Imanishi
T, Meyer
A, Ikeo
K, Gojobori
T, Bahram
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[12] Demuth JP, De Bie T, Stajich JE, Cristianini N, Hahn MW. “The evolution of mammalian gene families.” PLoS One. 2006; 1:e85.
[13] Britten RJ. “Divergence
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[14] Tomkins J, Bergman J. “Genomic monkey business—estimates ofnearly identical human-chimp DNA similarity re-evaluated using omitted data.” Journal
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[16] Gibbons A. “Bonobos join
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[17] Oldham MC, Horvath S, Geschwind DH. “Conservation and evolution of gene coexpression
networks in human and chimpanzee brains.” Proc Natl Acad Sci USA. 2006; 103(47):17973-8.
[18] The ENCODE Project. Disponível
em: http://www.genome.gov/encode/