Devido
à tradição da escrita científica profissional, grandes desenvolvimentos em
literatura científica geralmente chegam abafados por uma linguagem tão maçante
ou técnica que acabam passando despercebidos pelo leitor regular. Isso, junto
com o hábito da mídia de dar suporte à evolução, faz com que rachaduras enormes
na fundação do Darwinismo se espalhem despercebidas pelo público, que continua
acreditando que a ciência [humana] está totalmente estabelecida e se manterá
sempre assim.
Um
bom exemplo é o recente artigo do Jornal
de Biologia Matemática, uma significativa publicação de revisão por pares
feita pelo influente site de publicações Springer. O título do artigo anuncia:
“O teorema fundamental da seleção natural com mutações”.
Incluir
um verbo seria, presumidamente, concessão demais para o sensacionalismo
populista. Ainda assim a conclusão, se não sensacional, é certamente notável.
Gerações
de estudantes de biologia e evolução aprenderam sobre o trabalho pioneiro de
Ronald A. Fisher (1890-1962). Um fundador da estatística moderna e genética
populacional, ele publicou seu famoso teorema fundamental de seleção natural em
1930, lançando uma das pedras fundamentais do neodarwinismo ao conectar
genética mendeliana com a seleção natural. A Wikipédia sumarizad “Isso
contribuiu para o renascimento do Darwinismo na revisão da teoria da evolução
do início do século 20, conhecida como a síntese moderna.”
O
teorema de Fisher, tido como o equivalente à “prova matemática de que a
evolução darwiniana é inevitável”, agora é considerado falso. Sua ideia é
relativamente fácil de descrever. Ela afirma: “A velocidade de aumento na aptidão de qualquer organismo a qualquer
tempo é igual a sua variância genética em aptidão naquele momento.”
Sua
comprovação para isso não foi da maneira comum da matemática; aptidão não é
rigorosamente definida, e seu argumento é mais intuitivo que qualquer outra
coisa. O teorema aborda apenas os efeitos da seleção natural. Fisher não
abordou diretamente nenhum outro efeito (mutação, deriva genética, mudança
ambiental, etc.), pois ele os considerou insignificantes. Matemáticos
posteriores discordaram da falta de rigor de Fisher, alguns de forma bem detalhada.
Mas a omissão dos efeitos de mutação foi o que mais chamou a atenção.
Recentemente,
o matemático William F. Basener e o geneticista John C. Sanford vieram propor
uma expansão do teorema fundamental, incluindo mutações. Basener é professor no
Instituto de Tecnologia de Rochester e um acadêmico visitante no Instituto de
Dados da Ciência da Universidade da Virgínia. Sanford é um geneticista botânico
que foi professor associado na Universidade Cornell por muitos anos. Ele é
editor do volume Biological
Information: New Perspectives (World Scientific, 2013). O Jornal de Biologia Matemática é a publicação oficial da Sociedade
Europeia para Biologia Matemática e Teórica.
Basener
e Sanford expandiram o modelo de Fisher permitindo mutações tanto benéficas
quanto danosas, seguindo e estendendo o trabalho anterior. Eles usaram níveis
de mutação zero para testar a concordância de seu modelo com o de Fisher. Eles
estabeleceram que existe um nível de aptidão de equilíbrio em que a seleção
balanceia os efeitos mutacionais. Entretanto, se mutações em níveis biológicos
plausíveis ocorrem, a aptidão geral é comprometida. Em alguns casos isso leva à
“falha mutacional”, onde o efeito de mutações acumuladas suplanta a habilidade
populacional de se reproduzir, resultando na extinção.
Extinção
é o oposto de evolução. Eles concluem: “Nós
reexaminamos o teorema fundamental de Fisher da seleção natural, focando na
questão de novas mutações e consequentes implicações para populações biológicas
reais. A tese primária de Fisher era que variação genética e seleção natural
trabalham juntas num caminho fundamental que garante que as populações naturais
irão sempre crescer em aptidão. Fisher considerou seu teorema essencialmente
como uma prova matemática da evolução darwiniana, e a comparou com uma lei
natural. Nossa análise mostra que a tese primária de Fisher (aumento contínuo e
universal da aptidão) não está correta. Isso se dá por ele não ter incluído
novas mutações como parte de sua formulação matemática, e por conta de seu
corolário informal se basear numa premissa que agora se sabe ser falsa.”
“Nós mostramos que o Teorema de Fisher, como
formalmente definido pelo próprio Fisher, é de fato antitético à sua tese
geral. Além de novas mutações, o Teorema de Fisher simplesmente aperfeiçoa
variações de aptidão alélica pré-existentes levando ao equilíbrio. Fisher se
deu conta de que precisaria de novas mutações formadas para que seu teorema
suportasse sua tese, mas ele não incorporou mutações em seu modelo matemático.
Fisher apenas considerou novas mutações utilizando experimentos mentais
informais. Para analisar o Teorema de Fisher, nós julgamos ser necessário denominar
o elemento mutacional informal de seu trabalho como o Corolário de Fisher, o qual
nunca foi de fato comprovado. Nós mostramos que enquanto o Teorema de Fisher é
verdadeiro, o Corolário é falso.”
“Neste artigo, nós derivamos um modelo de
mutação-seleção melhorado, que é construído sobre o modelo de base de Fisher,
assim como em outros modelos pós-Fisher. Comprovamos um novo teorema, que é uma
extensão do teorema fundamental de Fisher de seleção natural. Este novo teorema
permite a incorporação de novas mutações formadas no Teorema de Fisher. Nós nos
referimos a este teorema expandido como ‘O teorema fundamental de seleção
natural com mutações’.”
“Após termos reformulado o modelo de Fisher,
permitindo a análise dinâmica e a incorporação de novas mutações surgidas, nós
subsequentemente fizemos uma série de simulações dinâmicas envolvendo
populações grandes, porém finitas. Nós testamos as seguintes variáveis no
tempo: (a) populações sem novas mutações; (b) populações com mutações que
apresentam distribuição simétrica de efeitos de aptidão; e (c) populações com
mutações que apresentam uma distribuição mais realística de efeitos mutacionais
(com a maior parte das mutações sendo danosas). Nossas simulações mostram que
(a) à parte de novas mutações, a população rapidamente se move em direção ao
equilíbrio; (b) com mutações simétricas, a população passa por aptidão rápida e
contínua; e (c) com uma distribuição mais realística das mutações, a população
geralmente passa por declínio perpétuo da aptidão.”
É
isso injusto com uma figura histórica? E quanto aos modelos desenvolvidos após
Fisher?
“Com base no trabalho de Fisher, e os problemas
associados a ele, nós também examinamos os modelos pós-Fisher do processo de
mutação-seleção. No caso dos modelos de população infinita, o que foi comumente
observado é que populações vão rotineiramente ao equilíbrio ou a um limite
definido – como uma órbita periódica. Eles não mostram aumento ou declínio
perpétuo em aptidão, mas se restringem pelo comportamento, por conta da
estrutura do modelo (uma população infinita com mutações apenas ocorrendo entre
variedades genéticas pré-existentes). De forma prática, todas as populações
biológicas são finitas. No caso dos modelos de população finita, o foco tem
sido em se medir a acumulação de mutações, como afetadas pela seleção. Modelos
finitos claramente mostram que populações naturais podem tanto aumentar quanto
diminuir em aptidão, dependendo de muitas variáveis. Outros modelos matemáticos
finitos de população não somente mostram que aptidão pode diminuir – eles
geralmente mostram que apenas uma faixa estreita de parâmetros podem de fato
evitar o declínio na aptidão. Isso é consistente com muitos experimentos de
simulação numérica, com diversos experimentos de acumulação de mutações, e com
observações onde sistemas biológicos têm ou um alto índice de mutação ou um
pequeno tamanho de população. Mesmo quando grandes populações são modeladas, minúsculas
mutações danosas (VSDM em inglês) podem teoricamente levar ao contínuo declínio
da aptidão.”
O
golpe final vem embrulhado em elogios: “Fisher
foi inquestionavelmente um dos maiores matemáticos do século vinte. Seu teorema
fundamental de seleção natural foi um enorme passo à frente, no qual ele, pela
primeira vez, relacionou seleção natural com genética mendeliana, o que
pavimentou a via para o desenvolvimento do campo da genética populacional.
Entretanto, o teorema de Fisher estava incompleto de forma a não permitir a
incorporação de novas mutações. Em adição, o corolário de Fisher estava
seriamente falho pelo fato de presumir que mutações apresentam um efeito final de
aptidão que é essencialmente neutro. Nossa reformulação do Teorema de Fisher
completou e corrigiu efetivamente o teorema, de forma que ele pode agora
refletir a realidade biológica.”
O
que eles quiseram dizer está descrito de forma mais franca anteriormente no
artigo: “Graças à premissa que
fundamenta o corolário de Fisher ser agora reconhecido como inteiramente
errado, o corolário de Fisher é falso. Consequentemente, a crença de Fisher de
que ele desenvolveu uma prova matemática de que a aptidão deve sempre aumentar
também é falso.”
Esta
é a “realidade biológica”. O trabalho de Fisher é geralmente interpretado como
significando que a seleção natural leva ao aumento da aptidão. Apesar de isso
por si só ser verdade, mutações e outros fatores podem e de fato reduzem a aptidão
média da população. De acordo com Basener e Sanford, em níveis reais de
mutação, o teorema original de Fisher, compreendido como sendo uma prova
matemática de que a evolução darwiniana é inevitável, está derrubado.
Parabéns
a Basener e Sanford por demonstrar esse importante ponto. Agora os livros e
artigos das enciclopédias online
tomarão nota?
(Evolution News, com
tradução de Leonardo Serafim)