O processo de camuflagem, que promove a intensa mudança de
coloração, brilho e até mesmo
modificações texturais da pele e formas
dentre os Cephalopoda (lulas e polvos),
é algo que impressiona pela beleza e pela velocidade dessas
alterações. Esses indivíduos pertencem ao filo Mollusca, um dos
maiores do reino animal. Todos os moluscos têm o corpo
mole; ostras e lesmas são alguns exemplos. Muitos
deles protegidos por uma concha. Algumas características
singulares desse filo são a presença de rádula (órgão
raspador que arranca partículas alimentares de superfícies
duras) e pé muscular (principal órgão locomotor). O grupo varia
muito, desde organismos muito pequenos e não tão complexos, até
organismos com grandes dimensões, como a lula gigante do
gênero Architeuthis, que podem alcançar 18 metros de comprimento e pesar
450 kg.
O filo inclui invertebrados de
locomoção extremamente lenta até os mais velozes, além de
serem encontrados em uma grande variedade de habitats, como trópicos e
mares polares.
A classe Cephalopoda é formada por indivíduos
marinhos e predadores, como lulas,
náutilos, polvos e sibas. A maioria deles tem o corpo exposto, sem concha
externa (com exceção do nautilóides); as conchas são geralmente
reduzidas, internas ou inexistentes (como nos polvos). Apresentam o
sistema nervoso e sensorial mais elaborado que os dos demais
moluscos. Seus olhos são altamente complexos (com exceção
dos Nautilus). E o cérebro é o maior dentre os
invertebrados, com vários lóbulos e milhões de células nervosas.
Um cefalópode é capaz de mudar sua aparência quase
instantaneamente, o que é de extrema importância para comportamentos
de fuga, sinalização e
camuflagem. Os responsáveis pela mudança de coloração
da pele são os cromatóforos, células que contêm grânulos
de pigmentos e localizam-se na epiderme. Cada um dos
cromatóforos está envolvido por células musculares; quando
elas contraem promovem a expansão do cromatóforo e a dispersão do pigmento,
assim as cores do animal variam. Quando as células musculares
relaxam, os cromatóforos concentram o pigmento.
As lulas podem transmitir mensagens diversas em um
mesmo instante, com variação nos padrões
de cores em diferentes localidades do corpo.
As mensagens podem estar sendo direcionadas para indivíduos diferentes,
localizados em direções variadas.
Os cromatóforos são capazes de mudar abruptamente
sua coloração. Eles são órgãos neuromusculares e estão
diretamente inervados ao cérebro. Diferentemente do que já se
pensou, não são controlados por hormônios. Eles podem sofrer
variações em sua constituição conforme a espécie - tamanho e cores por exemplo.
Um único cromatóforo recebe inervações múltiplas.
Na realidade, essas mudanças incríveis de tonalidades,
luminosidade e textura ocorrem pela interação conjunta de
diversos elementos: cromatóforos, iridóforos, leucóforos e
músculos da pele. Os três primeiros estão dispostos em
três camadas: os iridóforos estão abaixo dos cromatóforos e
são incolores, de tamanhos variados e achatados, com cristais que refletem
variedade de cores. Os leucóforos estão abaixo destes e
são proteínas refletoras. A musculatura da pele
define sua textura (enrugar, alisar) durante o
processo de camuflagem; já os músculos do corpo agem diretamente na
postura do animal. Conforme a situação, esses indivíduos também
modificam comportamentos – permanecendo imóveis, encolhendo o corpo, expandindo
para parecer mais avantajados, dentre outros.
De acordo com Messenger (2001), o arranjo dessas
três camadas sob a pele não pode ser considerado aleatório.
O processo é altamente organizado, e o nível de complexidade é
elevado. Os cefalópodes regulam os cromatóforos com base nas informações
visuais por eles captadas, através da visualização das
formas e diferentes intensidades de luz. Se a luz do fundo
for clara, os cromatóforos retraem para que a luz alcance
os leucóforos, e estes irão reagir para obter
uma correspondência adequada das cores.
Uma das funções de todo esse processo é a capacidade de
ocultação do animal. Ele modifica suas cores, forma (posição do corpo) e
textura para passar despercebido no substrato. Na
coloração disruptiva ocorre a "quebra" da totalidade do
animal: ele se adequa de tal forma ao ambiente que
dificilmente identificamos seu corpo. Ele se confunde com
o fundo.
Na exibição interespecífica, o
intuito é de interagir com predadores ou presas. Uma das
reações pode ser o "aumento" do tamanho corporal. Já a
exibição intraespecífica tem como foco a comunicação entre
indivíduos da mesma espécie, podendo haver variações específicas de cores e
formas (faixas, listras).
Conforme Messenger (2001), a evolução estabelece
que os cromatóforos nos cefalópodes teriam
"surgido" a partir da redução e interiorização da concha em
vários indivíduos pertencentes a esse
grupo. Sepias e lulas, por exemplo, têm conchas internas;
nas sepias elas são conhecidas como siba, nas lulas como penas
(devido ao seu formato). Com isso, seus corpos estão mais expostos ao
ambiente, são mais ágeis na locomoção, mas desprotegidos, vulneráveis aos
predadores. Então, a camuflagem seria uma solução apropriada e complexa para a
proteção do animal contra predadores. Assim, tal organização sugere que
fortes pressões seletivas teriam sido exercidas durante o projeto da
pele desses animais, pois ela apresenta elevado nível de
complexidade.
Para a eficiência desses sistemas de camuflagem é
necessária a ação conjunta de grande número
dos componentes: cromátóforos, iridóforos, leucóforos; além
dos componentes texturais, locomotores e posturais dos
animais. O comportamento eficaz depende do sincronismo destes e
de um cérebro complexo.
Será mesmo que pressões seletivas elevadas seriam
suficientes para dar origem a estruturas e reações altamente
complexas? Isso nos faz pensar em design inteligente...
Moema Patriota
Visualize todos esses componentes em ação
no vídeo abaixo:
Polvo
Sépia
Referências:
HICKMAN, C. P.; ROBERTS, J.L.S.; LARSON, A. "Princípios Integrados de Zoologia." Guanabara Koogan, 2009.
MESSENGER, J.B. "Cephalopod chromatophores: neurobiology and natural history." Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/cd79/572ef6659ecedee3cf29e207fc687d1880f6.pdf; Acesso em: 19 de abril de 2018.