Até o ano passado mulheres nos EUA estavam
inadvertidamente tomando overdoses de pílulas para dormir. Em janeiro de 2013,
a American Food and Drug Administration (FDA) ordenou que as companhias
farmacêuticas cortassem as doses de Zolpidem (uma droga para insônia chamada
Ambien) pela metade. Os efeitos colaterais da overdose de Zolpidem incluem
pensamento debilitado, tempo de reação diminuído (na direção de veículos) e
problemas alimentares. A FDA ordenou que os fabricantes providenciassem
instruções de dosagem diferentes para homens e mulheres. Antes de tal decisão,
as instruções para homens e mulheres eram as mesmas. Por quê? Porque ainda não
sabemos o suficiente sobre como homens e mulheres metabolizam drogas de maneira
diferente. Phyllis Greenberger, CEO da Sociedade para Pesquisa sobre Saúde da
Mulher nos EUA, descreveu no mês passado para o Huffington Post: “A realidade é
que não sabemos se uma droga vai prejudicar as mulheres até que elas comecem a
tomar.”
Estamos em 2014 e as mulheres estão sob o
risco de erros biomédicos preveníveis. Como chegamos até aqui? Primeiro, as
drogas são testadas em animais antes que cheguem até testes em humanos. Os
testes em animais fêmeas são mais difíceis de ser realizados, devido ao perfil
hormonal mais complexo. O neurocientista Larry Cahill afirma que nosso
entendimento da neurobiologia da mulher é escasso. Ele afirma que 93% dos
animais usados em pesquisa neurocientífica são machos, simplesmente porque é
mais fácil de estudá-los. Segundo, pesquisadores de medicina e saúde, incluindo
neurocientistas e psicólogos, evitam estudar diferenças sexuais por medo de
serem rotulados de “sexistas”. Uma psicóloga consistentemente rotula
neurocientistas que publicam trabalhos em diferenças sexuais, rejeitando os
trabalhos como “neurosexismo” ou “neurolixo”. Pesquisadores que desejam
carreiras livres de controvérsias evitam tais áreas de pesquisa.
No campo da Medicina, doenças cardíacas, o
assassino número um de mulheres na Austrália afeta homens e mulheres de maneira
diferente. Mais mulheres morrem de ataques cardíacos do que machos, e fêmeas
estão sob um risco maior de sangramento depois de uma cirurgia cardíaca. O
cérebro das mulheres também é mais sensível à deterioração neuronal. Isso faz
com que o Alzheimer seja mais prevalente entre mulheres se comparadas com
homens. Segue-se que pesquisas focando nas diferenças sexuais entre homens e
mulheres em nível neuronal é um problema da saúde da mulher. Insinuar que é um
nicho de interesse de “neurosexistas”, em 2014, é simplesmente repreensível.
A rejeição de pesquisas em diferenças
sexuais deriva de uma hipótese falsa profundamente arraigada - de que machos
e fêmeas são os mesmos quando se trata de biologia. Para entendermos essa hipótese,
temos que ir até Rousseau [sic][1] e sua ideia de tabula rasa. A "tabula
rasa", em latim, significa "tábua raspada" ou, para nós, que um
bebê nasce sem ideias preconcebidas, que sua mente é uma página em branco. De
acordo com tal hipótese, a cultura escreve sobre essas páginas em branco,
moldando o indivíduo até ele se conformar de acordo com normas sociais. O
pensamento da tábua rasa está entre nós há muito tempo, mas alcançou seu zênite
entre 1970 e 1980, quando a filosofia pós-moderna se tornou popular. O
pós-moderno Michel Foucault encarou a Biologia e a Medicina com suspeição. Ele
caracterizou instituições produtoras de conhecimento, como a clínica médica,
como potenciais ferramentas de opressão. De acordo com os pós-modernistas,
agendas de pesquisas tradicionais eram racistas, classistas, sexistas (às vezes
não intencionalmente).
Tais ideias têm sido incrivelmente
influentes. Em muitos cursos de graduação de Humanas – como estudos de Inglês
ou de Gênero – estudantes aprendem que o método científico é enviesado para o
fato de que “se você fizer certas perguntas você terá certas respostas”.
Simplesmente pesquisar sobre diferenças sexuais reforça uma dicotomia cultural
opressiva.
Hoje em dia ativistas antivacinação citam
argumentos pós-modernistas em suas suspeitas sobre a indústria farmacêutica. A
antropóloga Anna Katta escreveu: “Manifestantes antivacinação fazem argumentos
pós-modernos que rejeitam fatos científicos e biomédicos em favor de suas
próprias interpretações. Esses discursos pós-modernos precisam ser reconhecidos
antes que o diálogo comece.”
Ideias pós-modernistas são apresentadas em
uma linguagem complicada. Em seu coração, no entanto, está um manifesto
implícito questionando "binários", dicotomias até então pensadas como
autoevidentes, como masculino versus feminino, normal versus anormal, ou
biologia versus cultura. Pós-modernistas nos falam que esses binários são
arbitrários, que o gênero é fluído, por exemplo, e ao fazerem isso ajudam
muitos homens e mulheres que não se encaixam em ideias estritas de
masculinidade e feminilidade a explorar o sexo e o gênero com uma mente aberta.
Infelizmente, no entanto, a filosofia
pós-modernista e a bagagem cultural da tábula rasa não ajudaram mulheres nas
áreas da Medicina. De fato, as prejudicou. Simplesmente porque há muito mais no
sexo biológico do que autonomia reprodutiva. E quando se trata de testes de
hipóteses biomédicas ou intervenções, precisamos aplicar binários. Precisamos
testar grupos de controle contra grupos experimentais, homens contra mulheres,
para eliminar ruídos e vieses, para fazer inferências causais.
Ativistas zelosos podem argumentar que
incorporar diferenças sexuais em estudos pode prover munição para aqueles que
fazem generalizações sexistas sobre mulheres. No entanto, precisamos estar
cientes também da atitude desdenhosa para com as pesquisas sobre as diferenças
sexuais como um binário artificial. Se pesquisas sobre diferenças sexuais são
automaticamente vistas como vilãs enquanto provas de similaridade são vistas
como boas, então estamos falhando no pensamento crítico. (Se Foucault tivesse
visto o quão rígido seus seguidores se tornaram, ele se reviraria no túmulo.)
A conclusão é que a saúde da mulher
precisa ser vista com seriedade. Enquanto diferenças sexuais devem ser tratadas
com ceticismo saudável (como qualquer outra agenda de pesquisa), se nós
tivermos medo para fazer perguntas, terminaremos sem respostas.
[1] A tábula rasa foi um método proposto
por John Locke, não por Rousseau.
Fonte: Claire Lehmann. Post-modern
Assumptions About Gender Harm Women. 2014.
Artigo original disponível em: https://universoracionalista.org/hipoteses-pos-modernistas-sobre-genero-prejudicam-mulheres/
Nota:
Gostaria de ter a oportunidade de cumprimentar pessoalmente a psicóloga
australiana Claire Lehmann por esse excelente artigo. Infelizmente o mundo
científico não está alheio às chafúrdias as quais acometem todo o resto dos
mortais. Medo de ser rotulado, comportamento de manada, viés ideológico na
pesquisa. A ciência é uma grande dádiva para a humanidade, mas precisa ser
considerada como um fenômeno no qual a interferência humana produz resultados
seguros no sentido de diminuir sua objetividade.
No caso específico do tópico do artigo,
vemos mais uma vez conceitos anteriormente formulados sendo tomados como
"verdade" e enviesando a pesquisa. Assim como o que acontece com a
teoria da evolução, muitas vezes dados são descartados e moldados para se
adaptar a uma "verdade" preconcebida. Curiosamente, é justamente
disso que os céticos muitas vezes acusam aqueles que se atrevem ainda hoje a
acreditar em Deus e na ciência que não procura destruir a Bíblia. Ironicamente,
se a Bíblia fosse estudada com mais seriedade, poderíamos esperar resultados
diferentes para essas pesquisas, pois nesse Livro há a compreensão de que
homens e mulheres são inerentemente diferentes. Não homem melhor que mulher nem
mulher melhor que homem. Apenas diferentes. Enquanto a Bíblia continua sendo
ridicularizada, erroneamente considerada um compêndio de histórias sexistas,
mais mulheres continuam sofrendo e morrendo. Talvez o maior sexismo seja o de
prejudicar as fêmeas da espécie justamente por não reconhecê-las como tal e
tratá-las na sua particularidade e complexidade. [AS]