Está disponível no Netflix o
documentário “A Terra é Plana”, que merece ser visto por educadores e por todos
os que se preocupam com o ataque crescente, em pleno século 21, ao pensamento
científico. O mérito maior do filme é que seu principal objetivo não é ridicularizar
personagens que acreditam numa teoria bizarra, mas sim entender as razões que
levam um grupo de pessoas a contestar um conhecimento científico tão
consolidado quanto o formato esférico do planeta. Uma das características dos
personagens do documentário é que não são ignorantes no sentido original da
palavra. Nenhum deles é astrônomo, mas tiveram aulas de ciências na escola (um
dos retratados é inclusive engenheiro), se formaram, e vivem suas vidas
normais. Em comum a eles está o fato de terem maior propensão a acreditar em
teorias da conspiração, como, por exemplo, as de que o 11 de Setembro, a viagem
do homem à Lua ou o Holocausto são farsas. Alguns ganharam certo status de celebridade ao exporem suas
ideias no YouTube, em vídeos que são vistos hoje por milhões de pessoas.
Um dos fenômenos psicológicos citados
por cientistas no filme para explicar por que pessoas sem especialização num
assunto se julgam mais capazes do que especialistas no tema é o efeito
Dunning-Kruger. Num estudo publicado em 1999, os pesquisadores Justin Kruger e
David Dunning, ambos da Universidade Cornell, aplicaram testes de variados
temas e depois pediram aos participantes para estimarem seu desempenho nos
exames em comparação com a média.
Os autores confirmaram primeiro que,
em geral, temos a tendência de superestimar nossa habilidade ou conhecimento
sobre algum assunto. Essa superioridade ilusória, no entanto, foi muito maior
entre os indivíduos de pior desempenho nos testes. Para os pesquisadores, isso
faz com que essas pessoas tenham mais dificuldade de admitir sua incompetência
no assunto, levando-as a fazer escolhas ruins a partir de conclusões próprias
equivocadas, descartando a opinião ou evidência apresentada por pessoas ou
fontes mais qualificadas. No outro extremo, os autores identificaram que,
quanto maior o conhecimento sobre um assunto, mais conscientes são as pessoas
sobre a limitação de suas habilidades.
Outro fenômeno citado é o viés de
confirmação, ou seja, nossa tendência de buscar confirmar aquilo em que
acreditamos e rejeitar evidências, mesmo quando sólidas, que não estejam em
acordo com nossas ideias pré-concebidas. E o filme mostra também o quanto é
difícil, pelo alto custo social envolvido, pessoas mudarem de opinião ou
admitirem que estão equivocadas uma vez que façam parte de um grupo que comunga
as mesmas crenças.
Os cientistas ouvidos no documentário
defendem que a pior maneira de combater o negacionismo é isolar e ridicularizar
esses grupos, assumindo uma postura de arrogância científica. “É difícil não
olhar essas pessoas com desprezo e concluir que o melhor jeito de fazê-las
mudarem de opinião é pela vergonha. É o mesmo que dizer que se uma criança não
entende uma matéria, é culpa dela. Mas talvez você simplesmente não desenvolveu
empatia suficiente para entender por que eles não entendem”, afirma o cientista
Spiros Michalakis, no filme.
O argumento central do documentário
não é alertar para um suposto risco de o terraplanismo passar a ser a
explicação mais aceita pela maioria da população. A questão é que esses mesmos
mecanismos que levam pessoas a acreditarem numa teoria tão absurda também
explicam por que há grupos com capacidade de influência política fazendo
campanhas contra a vacinação de crianças, o ensino da teoria da evolução, ou
contestando a evidência científica de que vivemos um processo de aquecimento
global agravado pelo impacto da atividade humana na Terra.
(Antônio
Gois, O Globo)
Nota 1:
De fato, o documentário da Netflix é bem interessante. Mas o que devemos
analisar com atenção no texto acima é o balaio de gato que se cria com ideias
variadas, colocadas todas no mesmo patamar (releia o último parágrafo).
Criacionistas verdadeiros, se posso dizer assim, valorizam a boa ciência (que
está de acordo com a Bíblia Sagrada). Não são contra a vacinação de crianças,
pois entendem que Deus nos dotou de inteligência para minorar as mazelas deste
mundo de pecado. E admitem que possa haver um aquecimento global, embora não
deixem de perceber que há interesses escusos por trás dessa bandeira ecológica.
Também não são necessariamente contra o ensino da teoria da evolução; o que defendem
é um ensino crítico dessa estrutura conceitual. O problema é que a opinião
pública está sendo levada a associar criacionismo com terraplanismo, e isso é
grave. Defender a criação da vida na Terra em seis dias literais de 24 horas e
a historicidade dos primeiros capítulos de Gênesis já é bastante difícil em um
mundo cético, anticristão e relativista; agora imagine se a confusão ficar
estabelecida e as pessoas em geral pensarem que criacionistas são
terraplanistas... Aí, sim, nossos esforços serão elevados à enésima potência e
teremos que gastar tempo e energia para desfazer mal-entendidos. Um tempo que
poderia ser mais bem aproveitado para divulgar a verdade essencial para o nosso
tempo. Situação lamentável e orquestrada a gente sabe por quem. [MB]
Nota 2: Vi na semana passada o documentário da Terra plana no Netflix e verifiquei algumas questões bem interessantes (ou hilárias?) que foram apresentadas. Em certo momento do vídeo o apresentador vai a um monte e aponta a cidade e Seattle lá longe. E diz: “Eles têm a matemática... nós temos isto. Não deveríamos ver a cidade de Seatlle desta distância.” Primeiro que ele não fala a sua localização nem a distância de medição. Eu diria que ele está em Blake Island. Esse ponto fica mais ou menos a 13 ou 14 km daqueles prédios. Se ele estiver um pouco mais longe, deve ser Manchester, mas acho improvável por causa do que se vê ao redor. Se estiver em Manchester, são uns 16 km. Vou optar por este porque é o que mais favorece o argumento dele. Quanto se espera que a curvatura da água se erga a meio caminho de uma distância de 16 km entre o observador e um ponto que ele observa, geometricamente, sem levar em conta a refração da luz (efeito de lente)? Dá para deduzir a fórmula com trigonometria do ensino médio: H = (1-cos(d/(2R)))R, sendo “d” a distância entre o observador e o objeto, “R” o raio da Terra e “H” a altura da água a meio caminho. Resultado, neste caso: 5 m. Como estamos observando objetos com centenas de metros de altura (1201 Third Avenue tem 235,31 m de altura, e mesmo sua base está bem acima do nível do lago), 5 m não fazem diferença. Não é possível nem notar um tamanho minúsculo como esse. [EL/AK]
Nota 2: Vi na semana passada o documentário da Terra plana no Netflix e verifiquei algumas questões bem interessantes (ou hilárias?) que foram apresentadas. Em certo momento do vídeo o apresentador vai a um monte e aponta a cidade e Seattle lá longe. E diz: “Eles têm a matemática... nós temos isto. Não deveríamos ver a cidade de Seatlle desta distância.” Primeiro que ele não fala a sua localização nem a distância de medição. Eu diria que ele está em Blake Island. Esse ponto fica mais ou menos a 13 ou 14 km daqueles prédios. Se ele estiver um pouco mais longe, deve ser Manchester, mas acho improvável por causa do que se vê ao redor. Se estiver em Manchester, são uns 16 km. Vou optar por este porque é o que mais favorece o argumento dele. Quanto se espera que a curvatura da água se erga a meio caminho de uma distância de 16 km entre o observador e um ponto que ele observa, geometricamente, sem levar em conta a refração da luz (efeito de lente)? Dá para deduzir a fórmula com trigonometria do ensino médio: H = (1-cos(d/(2R)))R, sendo “d” a distância entre o observador e o objeto, “R” o raio da Terra e “H” a altura da água a meio caminho. Resultado, neste caso: 5 m. Como estamos observando objetos com centenas de metros de altura (1201 Third Avenue tem 235,31 m de altura, e mesmo sua base está bem acima do nível do lago), 5 m não fazem diferença. Não é possível nem notar um tamanho minúsculo como esse. [EL/AK]