O físico e astrônomo brasileiro
Marcelo Gleiser é o contemplado do Prêmio Templeton 2019, anunciou a fundação
responsável pela premiação nesta terça-feira (19). Ele é o primeiro
latino-americano a ganhar o prêmio, criado em 1972, e vai receber 1,1 milhão de
libras esterlinas, o equivalente a R$ 5,5 milhões. A cerimônia de premiação
será em 29 de maio, em Nova York. Gleiser tem 60 anos e vive atualmente nos
Estados Unidos, onde ensina física e astronomia no Dartmouth College, em
Hanover, New Hampshire. Ele já teve mais de cem artigos revisados e publicados
até o momento e pesquisas sobre o comportamento de campos quânticos e
partículas elementares e a formação inicial do Universo, a dinâmica das
transições de fase, a astrobiologia e as novas medidas fundamentais de entropia
e complexidade baseadas em teoria da informação. Ateu, seu trabalho se destaca
por demonstrar que ciência e religião não são inimigas.
“O ateísmo é inconsistente com o
método científico”, afirmou Gleiser à AFP na segunda-feira no Dartmouth College
da Universidade de New Hampshire, onde é professor desde 1991. “Devemos ter a
humildade para aceitar que estamos cercados de mistério.”
Sobre a teoria religiosa de criação
da Terra em sete dias, Gleiser diz que não há inimigos. “Eles consideram a
ciência como o inimigo, porque têm um modo muito antiquado de pensar sobre
ciência e religião, no qual todos os cientistas tentam matar Deus”, disse. “A
ciência não mata Deus”, completa.
Gleiser fundou em 2016 o ICE
(Instituto de Engajamento à Interdisciplinariedade) em Dartmouth, com a ideia
de promover o diálogo construtivo entre as ciências naturais e humanas, seja na
esfera pública ou acadêmicas. O instituto tem apoio da fundação John Templeton.
Em 2006, ele apresentou a série de 12 episódios “Poeira das Estrelas”, no
Fantástico.
O prêmio Templeton foi criado para “servir
como um catalisador filantrópico para descobertas relacionadas às questões mais
profundas que a humanidade enfrenta”, de acordo com a instituição. A Fundação
apoia pesquisas que vão desde a complexidade, evolução e emergência até a
criatividade, perdão e livre-arbítrio.
De acordo com a fundação responsável
pelo prêmio, Gleiser foi o escolhido pelo conjunto do seu trabalho que, ao
longo dos anos, evoluiu para a quebra de simetria, transições de fase e
estabilidade de sistemas físicos, conceitos que influenciariam sua crítica às “teorias
de tudo”.
“O prêmio celebra o trabalho de
muitos indivíduos maravilhosos, incluindo alguns dos grandes físicos e
cientistas de nosso tempo, cujas pesquisas exploraram questões de significado e
valor além dos limites tradicionais de suas disciplinas. Pensar que um dia eu
seria incluído em um grupo distinto, sendo um imigrante do Brasil, é
inacreditável”, disse Gleiser no site do Dartmouth College.
Além de Gleiser, a fundação já
premiou 48 pessoas desde que foi criada em 1972. Entre eles estão Madre Teresa
(1973), Dalai Lama (2012) e o Arcebispo Desmond Tutu (2013).
Nota:
Como brasileiro, sinto-me orgulhoso pela conquista de Gleiser. Como admirador de seu primeiro livro A
Dança do Universo (que li logo após seu lançamento, nos anos 1990),
alegro-me com ele por essa premiação. Mas, como criacionista, não posso me
esquecer das muitas críticas que ele fez ao modelo conceitual que eu advogo há
quase 30 anos. A pior delas foi chamar de “criminosos” os que ensinam o
criacionismo (confira). Mas tudo bem. Deixemos isso de lado agora e analisemos duas afirmações do
físico publicadas no texto acima:
“O ateísmo é inconsistente com o
método científico. Devemos ter a humildade para aceitar que estamos cercados de
mistério.” Perfeito! De fato, ateísmo não é sinônimo de ciência. Ciência é uma
caixa de ferramentas que o ser humano descobriu (e os pioneiros da ciência eram
em sua maioria criacionistas) e que lhe ajuda a entender a realidade que o
cerca. Para receber o prêmio (considerado o “Nobel da Espiritualidade”),
Gleiser tem que manter esse discurso conciliador, obviamente.
Mas o físico não se segura quando o
alvo são os criacionistas. Sobre a teoria religiosa de criação da Terra em sete
dias, ele diz que não há inimigos. “Eles consideram a ciência como o inimigo,
porque têm um modo muito antiquado de pensar sobre ciência e religião, no qual
todos os cientistas tentam matar Deus. A ciência não mata Deus.” Quem disse que
os criacionistas consideram a ciência inimiga? Repito: os pioneiros da ciência
criam no relato bíblico das origens, e Gleiser deve saber disso (se leu meu
livro que ganhou de presente há oito anos, ele deve saber também que os criacionistas “fazem
boa ciência” e se pautam, sim, pelo método científico).
Desde
1972 o Prêmio Templeton é entregue a pessoas que, na opinião dos juízes, deram “uma
contribuição excepcional para a afirmação da dimensão espiritual da vida, seja por
meio de introspecção, descoberta ou
trabalhos práticos”. O valor monetário do prêmio é ajustado de maneira
que exceda o montante dado pelo Prêmio Nobel, uma vez que Templeton dizia que a espiritualidade era
ignorada nos prêmios Nobel.
Bem,
mais uma vez digo parabéns ao Gleiser e espero que ele continue aberto para a
possibilidade de Deus existir (o que faz dele mais agnóstico do que ateu), mas
fico pensando se não há pessoas importantes por aí que têm feito muito mais
para afirmar a “dimensão espiritual da vida”... [MB]