
"Investidas anticientíficas não são propriamente uma novidade, que o digam Giordano Bruno e Galileu Galilei. Mesmo em tempos de maior liberdade intelectual, como a Grécia Antiga, experimentadores do quilate de Eratóstenes e Arquimedes enfrentavam um certo desdém de filósofos puramente especulativos, então mais afinados com o 'Zeitgeist'. O inquietante no caso brasileiro é que os ataques partam, senão de aliados, ao menos de grupos e instituições que deveriam em tese apoiar a ciência. Afinal, Marina Silva, na condição de ministra, representa o Estado brasileiro. Já psicólogos, antropólogos e pedagogos, embora não costumem militar nas fileiras da 'hard science', são - ou deveriam ser - aquilo que antigamente chamávamos de 'Geistwissenschaftler', ou seja, simplificando um pouco, cientistas sociais, os quais deveriam, pelo menos etimologicamente, estar comprometidos com o método científico."
É interessante Schwartsman citar Galileu nesse contexto. Embora seja bacharel em filosofia, ele parece desconhecer o fato de que Galileu não se insurgiu necessariamente contra a Igreja e muito menos contra a Bíblia Sagrada. Os alimentadores do conflito ciência x religião gostam de mencionar o "caso Galileu" como exemplo de perseguição religiosa. E foi, mas de uma igreja doutrinariamente corrompida contra um cientista que cria nas Escrituras. Então, por que a briga?
A Igreja Católica, nessa época, ainda advogava a idéia aristotélica do geocentrismo. Ao contrário do que alguns ensinam (e insistem), a Bíblia não apresenta o mito da Terra plana e muito menos a tese geocentrista (recomendo a esse respeito a leitura do ótimo livro/documento Inventando a Terra Plana, de Jeffrey Burton Russel, pesquisador da Universidade da Califórnia). Portanto, a controvérsia foi mais entre Galileu e Aristóteles do que entre Galileu e a Igreja. E sem dúvida jamais foi entre Galileu e as Escrituras. Schwartsman e outros parecem (ou querem) ignorar esse fato histórico e o usam distorcidamente para lançar mais lenha nas chamas do debate ciência x religião, que está se acirrando em nosso país. Senão, acomopanhe mais um trecho do texto do editorialista da Folha:
"Infelizmente, os neocriacionistas não se contentam em acreditar em Deus. Querem, sabe-se lá por qual motivo, revestir seu delírio [a palavra da moda, graças a Dawkins] de vestes científicas. Só que estas não lhe cabem.
"O grande erro da comunidade científica norte-americana foi ter esperado tempo demais antes de reagir às investidas criacionistas, deixando que o discurso pseudocientífico e aparentemente democrático prosperasse e ganhasse terreno. Infelizmente, nós, no Brasil, estamos repetindo esse equívoco. ...
"Não deixa de ser irônico que os mesmos sociólogos, advogados e psicólogos que até há pouco se erigiam em defensores máximos das liberdades agora propugnem pela censura a pesquisas, e os mesmos religiosos criacionistas que poucos séculos atrás queimavam livros e pessoas agora recorram à liberdade de pensamento para apregoar tolices na escola pública. Não acredito em deuses, mas, é forçoso reconhecer que eles têm um senso de humor infernal."
Infernal é a confusão que Schwartsman faz. Mais uma vez ele subverte os fatos históricos para encaixá-los em sua visão distorcida. De acordo com a frase que italizei, ele crê que foram os criacionistas que queimaram livros e pessoas no passado. Quem fez isso foi a Igreja Católica, que é evolucionista (é bom lembrar que o papa João Paulo II avalizou o darwinismo em 1996). Os verdadeiros "criacionistas" (esse termo não era usado na época) foram perseguidos pela igreja romana e pertenciam a correntes protestantes ou defendiam a concepção bíblica das origens, como é o caso de Newton, Copérnico, Van Helmont e Descartes, para mencionar alguns.
Pelo jeito, há muitos interessados em impedir que a ciência experimental e a religião bíblica contribuam - cada uma a seu modo e no seu escopo - na busca da verdade. O ataque (para usar a palavra beligerante escolhida pela Folha) feito pelos criacionistas é contra as insuficiências do darwinismo, não contra a ciência. O naturalismo metodológico é bem-vindo no campo da ciência experimental. Mas o naturalismo filosófico tem se mostrado a "religião" dos descrentes. O cenário que está se desenhando é o de um mundo de crenças em conflito. E a coisa vai piorar...[MB]