sábado, junho 14, 2008

Arqueologia prova: deuses não eram astronautas


Quando era adolescente, li Eram os Deuses Astronautas, de Erich von Däniken. O livro é pura lavagem cerebral, já que sugere numa página coisas como: "Suponhamos que os desenhos primitivos de deuses representassem, na verdade, astronautas." Mas algumas páginas adiante, o autor afirmava: "Os desenhos primitivos que representavam deuses eram, na verdade, astronautas." E assim ele vai induzindo os incautos a acreditarem em suas teses absurdas. Alguns anos depois, o próprio Däniken publicou Será que Eu Estava Errado?, admitindo ter errado ou exagerado muita coisa no livro anterior. Por ter tido contato com essas idéias extravagantes no passado é que a notícia abaixo, publicada no G1, me chamou ainda mais a atenção:

"Indiana Jones que nos perdoe, mas nenhum arqueólogo que se preze cairia no conto dos maias alienígenas, como o herói do chapéu e do chicote faz em seu último filme. Não vamos nem entrar no mérito das caveiras de cristal, fraudes óbvias do século 19 produzidas com tecnologia industrial. Duro de engolir mesmo é a idéia, muito disseminada, de que toda civilização antiga com construções nababescas e aparente falta de tecnologia avançada só teria conseguido seus avanços com a ajuda de ETs.

"Uma das expressões mais populares dessa idéia é a expressão "Eram os deuses astronautas?", cunhada em um dos livros do escritor suíço Erich von Däniken. A tese estapafúrdia diz, grosso modo, que os deuses de quase todas as mitologias antigas eram, na verdade, seres alienígenas que trouxeram técnicas e conhecimentos avançados para os seres humanos primitivos. Os partidários da idéia usam as pinturas e esculturas antigas como 'evidência' da passagem desses 'deuses astronautas' pela Terra. O único problema é que não se deram ao trabalho de olhar direito o registro arqueológico.

"Primeiro, o registro arqueológico mostra que nenhum povo antigo das Américas (e, aliás, do mundo) jamais andou produzindo caveiras de cristal. Em segundo lugar, sugere que as sementes das grandes civilizações apareceram gradualmente na América Central, no Egito e na ilha de Páscoa, sem a necessidade de qualquer influência externa. E, finalmente, dá indícios claros de que nenhuma tecnologia mágica foi necessária para construir pirâmides ou outros megamonumentos: só conhecimento empírico, bom planejamento e muita, mas muita força bruta mesmo.

"A origem das grandes civilizações americanas, que incluem não só os maias como os astecas, incas, toltecas e olmecas, sempre foi terreno fértil para idéias de jerico e preconceitos. O problema começava já com a maneira de pensar dos conquistadores espanhóis, que não aceitavam que meros 'selvagens' pagãos fossem capazes de construir cidades como Tikal, que não chegou a ser vista pelos europeus mas, em seu apogeu, por volta do ano 800, chegou a abrigar mais de 100 mil habitantes.

"No século 19, antes que a construção desses complexos fosse atribuída a alienígenas ou habitantes do continente perdido da Atlântida, 'várias teorias diziam que a origem da civilização nas Américas tinha se dado com supostas viagens e migrações vindas do Velho Mundo', escreve Robert J. Sharer, antropólogo e arqueólogo da Universidade da Pensilvânia (EUA).

"'Assim, os mexicas [astecas], incas e maias eram vistos como colonos esquecidos das civilizações do Egito, da Grécia, de Cartago, de Israel ou de Roma', diz Sharer. Na verdade, o parentesco biológico dos povos responsáveis pelas grandes civilizações da América com tribos de caçadores-coletores da Amazônia ou do Arizona é indiscutível. A influência egípcia é zero, portanto. Mas, mais importante ainda, os impérios das Américas não surgiram num passe de mágica.

"No mais recente filme da série 'Indiana Jones', o arqueólogo-galã dá de cara com pinturas representando alienígenas dando aos povos humanos antigos o conhecimento sobre a agricultura, as técnicas artesanais, a arquitetura e outras artes essenciais para a civilização.

"Ficção à parte, se uma raça avançadíssima do espaço sideral foi mesmo a responsável pelo surgimento das grandes civilizações no nosso continente e em outros lugares, a única coisa que se pode dizer a respeito é que ela foi um bocado incompetente. Isso porque os ancestrais dos maias e outros povos demoraram milênios para começar seus projetos faraônicos. Mapeando a origem de tais culturas, os arqueólogos descobriram uma evolução lenta e gradual, que começa com meros caçadores-coletores e vai tomando fôlego devagarinho, graças inicialmente à domesticação do milho e outros produtos agrícolas entre 7.500 anos e 9.000 anos atrás.

"A centralização de poder e o começo de construções respeitáveis demorou um bocado, conforme as vilas de agricultores começavam a crescer em população e estabelecer redes de alianças e domínios. Os primeiros assentamentos que poderiam ser considerados maias só surgem há menos de 4.000 anos, e os monumentos iniciais desse povo são simples montículos artificiais usados como túmulos há uns 3.000 anos.

"O apogeu da civilização maia começa apenas por volta do começo da Era Cristã, com grandes cidades, pirâmides, praças majestosas e uso extenso de um tipo complicado de escrita. Como tamanhos monumentos de pedra poderiam ter sido erigidos no meio da floresta tropical do México, da Guatemala e de Belize?

"Essas obras não são tão surpreendentes quanto parecem. Embora os maias só contassem com ferramentas de pedra para realizá-las, é preciso lembrar que eles utilizavam quase sempre rochas calcárias, relativamente fáceis de trabalhar nessas condições. Também não há sinais de que eles tenham transportado a matéria-prima de muito longe: as pedreiras calcárias eram quase sempre exploradas localmente pelos governantes maias. (Mesmo que fosse necessário buscar pedras longe, o uso de trenós de madeira pelos egípcios durante a construção das pirâmides mostra que não eram necessários guindastes motorizados para fazer esse tipo de serviço na Antigüidade.)

"Os maias e outros povos da região desenvolveram uma forma relativamente tosca de cimento, também feita à base de rochas calcárias, para o acabamento de seus edifícios. Eles complementavam a falta de ferramentas de metal com um conhecimento teórico bastante avançado de matemática, que lhes permitia boa precisão nas medições de blocos de construção, por exemplo.

"Também nesse caso, assim como nos conhecimentos dos antigos povos da América sobre astronomia, não há nada de mágico. Todos os povos antigos tinham facilidade para acompanhar os ciclos astronômicos naturais por meio de observação sistemática dos céus. Se por algum motivo a cultura deles atribuía um significado religioso e ritual a esses ciclos, um passo natural era desenvolver técnicas para medi-los com precisão - o que, aliás, também foi feito no antigo Egito e na Mesopotâmia (atual Iraque)."

Nota: É interessante notar os paralelos existentes entre a culturas ameríndias e a egípcia, por exemplo, a começar pelas pirâmides. Se pensarmos numa dispersão populacional a partir da Ásia (Monte Ararate), vindo os primeiros grupos para as Américas via Estreito de Bering, fica mais "fácil" entender esses elementos comuns a culturas tão distantes no tempo e no espaço. Nos aspectos lingüístico e tecnológico, elas parecem demonstrar uma mesma matriz cultural e um conhecimento tão avançado que rivaliza com o atual.[MB]