Um
dos mais prestigiados etólogos e biólogos evolucionários da atualidade, o
britânico Richard Dawkins declarou, em entrevista publicada no último
sábado pela revista Times, que foi
vítima de uma “pedofilia leve” quando era criança, nos anos 50, mas que não
considera o incidente “condenável” considerando os padrões da época. “Ele
segurou no meu joelho e colocou a mão dentro da minha cueca. Tenho consciência
de que você não pode condenar as pessoas de uma época em que os padrões eram
diferentes da nossa. Assim como nós não olhamos para trás nos séculos 18 e 19
para condenar as pessoas por racismo, da mesma forma como condenaríamos uma
pessoa moderna, eu olho para algumas décadas atrás, para minha infância, e vejo
essas coisas como uma leve pedofilia, que não pode ser condenada pelos mesmos
padrões que eu ou qualquer um faria hoje”, contou Dawkins à publicação.
As
declarações geraram diversas reações de repúdio, especialmente por parte de
grupos religiosos e ligados aos direitos infantis. “Dawkins parece pensar
que, porque um crime foi cometido há muito tempo, devemos julgá-lo de maneira
diferente. Mas sabemos que as vítimas de abuso sexual sofrem os mesmos efeitos,
não importa se o crime foi cometido há 50 anos ou ontem”, declarou Peter
Watt, diretor da Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade contra
Crianças.
Ateu
declarado, Dawkins é vice-presidente da Associação Humanista
Britânica. Em 2012, entrou em outra polêmica sobre pedofilia por
dizer que, para uma criança, é pior ser criada em um ambiente de fé
católica do que sofrer abuso de padre.
(Terra)
Nota:
Embora Dawkins tente minimizar o abuso de que foi alvo, essas experiências
fincam raízes na memória e frequentemente afetam o relacionamento com as
pessoas e com Deus. Principalmente se levarmos em conta que o abusador, no caso
de Dawkins, foi um líder religioso, numa escola anglicana. Não sou psicólogo,
mas imagino que essa experiência que ele procura desprezar tenha traído suas
expectativas em relação a um referencial de pessoa religiosa. Com o tempo, inconscientemente,
o biólogo acabou desenvolvendo aversão pela religião e, principalmente, por
Deus. Ele odeia o religioso que abusou dele e traiu suas expectativas, mas
transfere a raiva e a frustração para o Criador. Basta analisar um pouco as
palavras exageradamente iradas com que Dawkins descreve Deus em livros como Deus, Um Delírio. O ódio que o inglês
alimenta contra as religiões (especialmente a cristã) também é um tanto
exagerado, o que revela se tratar de algo pessoal, que dói no íntimo dele. Um
livro que ajuda a entender essas questões de transferência e da influência
especialmente dos pais na visão que a pessoa desenvolverá com respeito a Deus é
o ótimo Deus em Questão, de Armand Nicholi
Jr. É uma pena que Dawkins tenha passado por
isso e é uma pena que ele não consiga ver a relação de uma coisa com a outra.
[MB]