Vi
seus comentários no vídeo de duas terraplanistas que alegam ter observado
a Lua cheia no Brasil no mesmo momento que ela era observada no Japão. Elas
apresentaram essas observações como prova de que a Terra é plana. Eu não
entendo a razão de na Terra plana tal ser possível. Além disso, gostaria que o senhor
explicasse a razão de ter afirmado nos comentários do vídeo que elas
apresentaram evidências sobre a esfericidade da Terra.
A esdrúxula concepção da Terra plana coloca
a Lua e o Sol em órbitas paralelas à superfície da Terra e a poucos
milhares de quilômetros da superfície (os terra-chatos não conseguiram e não
conseguirão determinar a distância que o Sol está da pizza onde imaginam viver
pelas razões expostas em Distância ao Sol na mítica Terra Plana: a razão de as diversas estimativas serem conflitantes). Dessa forma, tanto o Sol quanto a Lua
nunca atingem o horizonte, estando ambos sempre acima da face do disco, que é a
Terra como bem ilustra a histórica figura de 1893, do fundamentalista religioso
Orlando Ferguson. (Wikipedia)
Desse modelo decorre singelamente
que não pode haver noite na Terra plana. Entretanto, os terra-chatos
criam “argumentos” para justificar a noite, exercitando sempre forte
dissociação cognitiva para bem de sustentar essa ideia anacrônica. Não é meu
objetivo nesta postagem tratar especificamente da impossibilidade de noite nesse
estapafúrdio modelo, mas apenas notar que na Terra plana a Lua e o Sol
deveriam ser visíveis no mesmo instante de quaisquer dois pontos da “pizza”, em
particular aqui e no Japão, e em qualquer momento do mês lunar, e não apenas na
Lua cheia.
A Lua cheia de fevereiro de 2017 foi
registrada em diversos vídeos aqui no Brasil e lá no Japão. Se de fato os dois
vídeos citados pelo canal das terraplanistas foram feitos exatamente no mesmo
momento, não há informações disponíveis para responder e muito certamente não o
foram (possivelmente foram quase simultâneos). Entretanto segundo a Astronomia,
dado que a Terra tem forma de globo – quase esférica –,
é possível ver a Lua cheia no mesmo momento em pontos da Terra diametralmente
opostos, em horários locais que correspondem ao anoitecer ou noite em
um ponto (quando então a Lua está próxima de seu nascente) e ao amanhecer
no outro ponto (quando a Lua está próxima do seu poente).
A diferença de fuso horário daqui
para o Japão é de 12 horas, e como a Lua cheia é visível a partir do cair da
noite, por toda a noite até o amanhecer, é fácil concluir que ela pode ser
vista, por exemplo, aqui ao amanhecer e lá no Japão no final do dia ou início
da noite; entretanto, isso somente pode acontecer na Lua cheia. Lembremos que
na fase quarto crescente (quarto minguante) a Lua se encontra elevada no céu ao
entardecer (amanhecer). Veja na postagem seguinte uma foto da Lua minguante
cedo pela manhã: É possível ver a Lua na fase Nova?
Então, o pretenso fato de terem
ocorrido observações simultâneas ou quase simultâneas da Lua cheia aqui e no
Japão é uma trivialidade para a Astronomia que opera desde a Antiga Grécia com
a concepção bem corroborada da Terra em forma de globo.
Conforme notei acima, do
anacrônico modelo de Terra plana se deriva que a Lua (e o Sol também!) deveria
ser visível em pontos diametralmente opostos (e em todos os pontos da Terra) em
qualquer momento do ciclo lunar, e não apenas na Lua cheia. Os terra-chatos
poderiam tentar (obviamente sem êxito) observar a Lua simultaneamente aqui e no
Japão, por exemplo, na fase crescente ou minguante. Portanto, a observação da
Lua cheia nos dois locais nada prova sobre ter a Terra a forma de pizza. Fica
aqui o desafio para os terra-chatos demonstrarem com vídeos sérios que é
possível se ver simultaneamente a Lua aqui e no Japão, por exemplo, em quarto
crescente.
Um ótimo vídeo discutindo todas essas
possibilidades é Vídeos da Lua no Brasil e no Japão NÃO provam que a Terra é plana.
Vou agora me deter na prova positiva
que as terraplanistas fizeram da esfericidade da Terra por meio do seu
vídeo.
A figura que segue representa
dois antípodas,
o Tanaka e o João, observando simultaneamente um objeto celeste que, para fins
de entendimento, possui um sistema de eixos ortogonais (azul e vermelho). O
Tanaka e o João se encontram de costas nessa representação para nós que olhamos
a figura; portanto, se transita de um dos antípodas para o outro através de uma
rotação de 180 graus. O eixo vermelho no objeto celeste observado tem a
orientação da vertical para cima para o Tanaka e da vertical para baixo para o
João. Já o eixo azul aponta da direita (D) para a esquerda (E) do Tanaka e
da esquerda para a direita do João. Portanto, se os dois observarem o mesmo
objeto celeste, eles o verão de maneira diferente, isto é, com uma rotação de
180 graus. Mesmo não concordando que a Terra possua a forma de globo, um
terra-chato entende essa discussão (será mesmo que ele entende?).
Tomei imagens de dois vídeos
excelentes, um feito no Japão e outro no Rio de Janeiro, na Lua cheia de
fevereiro de 2017. O vídeo que as terraplanistas fizeram é de péssima qualidade,
mas elas, apesar disso, notaram aquilo que vou mostrar a seguir.
A próxima figura apresenta a imagem
da Lua no Japão (superior) e no Rio de Janeiro (inferior). Indiquei nas duas
imagens três estruturas na superfície da Lua com setas de cores diversas,
usando a mesma cor nas duas imagens para identificar a mesma estrutura.
Como se pode observar, as duas
imagens diferem por uma rotação de aproximadamente 180 graus conforme o
previsto.
As terraplanistas alegaram que tal
observação da Lua virada era consistente com a esdrúxula Terra plana. Entretanto,
a Lua virada refuta a o modelo da Terra plana! Se a Lua dos terra-chatos é
esférica (sobre isso há dúvidas entre eles, pois alguns dizem que a Lua também
tem forma de “pizza”), e dado que ela apresenta o mesmo tamanho angular de
aproximadamente 0,5 grau aqui ou no Japão (em qualquer parte do globo, como é
bem sabido desde a Antiga Grécia), então ela deve estar igualmente distante do
Rio de Janeiro e do Japão (no meio) e, portanto, deveriam ser registradas
estruturas diferentes sobre a face avistada aqui e lá. Ou seja, ou os
brasileiros ou os japoneses veriam a face da Lua que NUNCA é visível.
E se a Lua fosse apenas um disco como
querem alguns terra-chatos? Então ela não poderia ser vista como um disco
simultaneamente nos dois locais. Ou aqui, ou lá, ou em ambos os locais sua
borda NÃO apareceria circular (como se vê em ambas as imagens), mas em forma de
elipse, como quando qualquer disco é observado não frontalmente.
A aparência da Lua em qualquer dia do
mês lunar em que se faça a observação em dois locais da Terra sempre diferirá
por uma rotação em um ângulo que depende da distância angular entre os dois
locais de observação e do momento da observação, pois a distância Terra-Lua é
grande quando comparada com o raio da Terra. Daqui de Torres, no RS, para Roma,
na Itália, temos um deslocamento angular em latitude e longitude, ambos em
cerca de 70 graus. No ano passado, o professor Adriano Barcellos (IFSUL) me
enviou fotos feitas da Lua crescente de agosto de 2016. Na próxima figura vemos
fotografias da Lua crescente em Torres (abaixo) e em Roma (acima, feita
por Daniel Varella Salvador). Conforme a expectativa, observamos a
Lua crescente rotacionada de uma imagem para a outra.
Dessa forma fica demonstrado que as
terraplanistas conseguiram uma bela prova de que a Terra continua como sempre
com a forma (quase) esférica. Parabéns às terraplanistas! Sobre a forma da
Terra, veja O formato da Terra e Teste sobre a forma da Terra.
Um sítio muito elucidativo sobre
diversos aspectos de nosso satélite, e em particular sobre as fases da Lua
é MoonConnection.com.
Alguns aspectos usualmente não
abordados em textos elementares sobre a órbita da Lua e os intervalos de tempos
entre as fases principais está disponível em ResearchGate.
Um progarma na Rádio da Universidade
da UFRGS pode ser ouvido em Terra Plana.
Vide a palestra realizada na UNISNOS
em 31/5/2017: Sobre a forma da Terra
Vide também o artigo publicado na
revista Física na Escola: Sobre a forma da Terra.
Outras postagens do CREF sobre o
terraplanismo: Mítica Terra Plana.
(Fernando
Lang da Silveira, Centro de Referência para o Ensino de Física – UFRGS)
Leia também: Distância ao Sol na mítica Terra Plana: a razão de as diversas estimativas serem conflitantes!