segunda-feira, agosto 24, 2009

Pior que a gripe suína

Durante os últimos meses, um assunto dominou as manchetes dos jornais: a gripe suína. Muitos começaram imaginar as mortes em massa que poderiam (ou ainda poderão) ocorrer por causa dessa nova doença, pensando também naquelas que já ocorreram e que, embora menos do que o temido, causaram muito pânico. Conversei com pessoas idosas que vivenciaram a famosa gripe espanhola, que ocorreu concomitantemente à 2ª Guerra Mundial, matando mais gente do que a própria guerra – que, aliás, foi uma das causas de essa gripe se espalhar pelo mundo. Outros idosos também me contaram do terror da gripe asiática. Então, diante de uma pandemia, muitos podem se perguntar: Será que existe algo pior? A resposta é categoricamente sim.

Sim, existe uma pandemia muito pior do que a gripe suína. A própria gripe suína está fazendo aparecer esses sintomas. Durante este inverno prolongado acima do normal, as autoridades de muitos Estados da federação proibiram o funcionamento das escolas, pois lá há aglomeração de pessoas. Curioso é que estádios de futebol, hotéis, centros de convenções... continuaram a funcionar a todo vapor, embora o risco nesses lugares seja imenso também. Os shopping centers, com o ar condicionado fresquinho, ideal para a propagação da gripe, continuaram a funcionar. Mas as escolas foram fechadas, o que causou controvérsias entre especialistas pró e contra a medida.

Agora as autoridades querem forçar as escolas a recuperar o tempo perdido forçando-as a repor as aulas em feriados e aos sábados. Essa medida é inadequada a todos, por vários motivos: muitas crianças de pais separados durante os fins de semana encontram o pai ou a mãe com quem não moram, logo aulas aos sábados prejudicam esse aspecto da vida familiar de muitas crianças.

Dada a indisposição da imensa maioria dos alunos de ir aos sábados à escola, é certeza que a reposição a ferro e fogo durante esse dia não há de realmente melhorar o desempenho da educação neste país, que ostenta vergonhosos títulos de fracassos pedagógicos nos testes educacionais.

O MEC e o governo de São Paulo pouco (nada) fizeram desde o fim da ditadura militar em 1984 para melhorar a educação em suas respectivas esferas. Certamente não é promovendo aulas aos sábados – que 99,9% da população não quer – que vai melhorá-la.

O governo de São Paulo desde os anos 90 vem insistentemente tirando a autonomia das escolas, descumprindo assim a LDB que prevê a gestão democrática do ensino; ou seja, cabe às escolas decidir como repor essas aulas, não ao governo. Mas essa ação ditatorial (dentre outras) atrapalha e muito o andamento da escola.

Aulas aos sábados em escolas públicas ferem o direito das minorias religiosas guardadoras do sábado, como judeus, adventistas do sétimo dia, batistas do sétimo dia, dentre outros. Em nenhum momento, as autoridades de São Paulo mencionaram qualquer provisão para os professores ou alunos que pertençam à essas religiões?

A LDB permite redução da carga horária anual em caso de epidemias, o que torna as imposições mais autoritárias do que já são.

Tudo isso é muito lamentável, pois o Brasil é um país pujante por causa da liberdade de consciência e crença firmemente construída por grandes nomes como Rui Barbosa, Graça Aranha, Joaquim Nabuco, José Bonifácio, Barbosa Sobrinho, e outros.

A gripe suína e a reação autoritária subsequente, apontam para algumas sérias questões:

1. Nossas autoridades estão indispostas a ouvir os interesses da população, mas seguem suas agendas de valores questionáveis e escusos. É bom lembrar da arrogância do nosso Senado também.

2. Há uma insistência das autoridades em São Paulo de forçar aulas aos sábados, ainda que a imensa maioria da população e da classe dos trabalhadores da educação nos últimos anos tenha rechaçado as tentativas de que isso possa ocorrer. Portanto, é uma atitude antidemocrática.

3. O acordo assinado entre o Brasil e o Vaticano (leia mais aqui e aqui) começa a surtir funestos efeitos. O Brasil começa a deixar de ser laico e começa a ser fantoche de uma religião que tenta usar meios políticos para se impor.

Por isso convém dizer que se existe algo pior do que a gripe suína ou qualquer outra pandemia, sem dúvida, é a mistura Igreja-Estado, que joga por terra qualquer anseio democrático, ocasionando atraso político e social, exaurindo recursos públicos os quais deveriam servir a todos os cidadãos, sem exceção, para que sirvam a essa ou àquela igreja.

O governo brasileiro, como fiel fantoche, já está tomando as devidas provisões para introduzir nas escolas públicas aulas de religião, o que é condenado pela maioria dos especialistas, como o sociólogo da Universidade Estadual Paulista José Vaidergorn, que considera o ensino religioso numa escola pública algo discriminatório. Ele acha que “o ensino voltado para uma determinada religião pode constranger os alunos que não compartilham dessas ideias. O professor ressalta ainda a possibilidade de que, dependendo da maneira como forem ministradas, as aulas de religião podem incentivar a intolerância entre os estudantes. “Em vez de a educação fazer o seu papel formador, o seu papel de suprir, dentro das suas condições, as necessidades de formação da população, ela passa a ser também um campo de disputa política e doutrinária” (UOL, 23/08/2009).

O acordo está tramitando no Congresso e tem tudo para passar. A maioria dos políticos é católica, e, infelizmente, ao contrário de outros grandes políticos também católicos do passado (que rechaçaram mais de que categoricamente a mistura Igreja-Estado), não estão comprometidos com a sustentação da democracia plena; também estão em descompasso com a população, haja vista a corrupção endêmica que assola os meandros do poder.

Esses políticos também se recusam a analisar a má história de tais tratados. A primeira Concordata foi assinada em 1929, pelos ditadores Mussolini, Hitler, Salazar, Franco, Pinochet, entre outros, e agora Lula, que disse que a imprensa ocasionou o suicídio de Getúlio Vargas, incomodou o Collor e agora atrapalha o Sarney...

Fazem vistas grossas para o fato de que o atual papa devolveu os direitos religiosos a Williamson, religioso declaradamente antissemita, que não abdicou de suas mal-intencionadas crenças, sendo por isso expulso da Argentina, onde morava. Também homenageou o ditador espanhol Franco, o que despertou a ira dos espanhóis.

Por isso, se você está preocupado com a gripe, preocupe-se dez vezes mais com o fim da religião e o fim do Estado, pois essa mistura vai tirar todo o poder do Estado de servir materialmente à população e tirará o poder da religião (ou das religiões) de cumprir(em) sua função de ser guia moral independente; de ser uma voz corajosa e forte a despertar a consciência da nação, enfrentando a corrupção política custe o que custar, jamais comprometendo-se com ela.

(Sílvio Motta Costa, professor em Campinas, SP)