Outro
dia alguém me enviou pelo Twitter a seguinte pergunta: “Quando
vc era criança também acreditava em bicho-papão, porque deixou de acreditar?” Minha
primeira reação foi ignorar a pergunta, formulada em tom de crítica a um tweet que
postei testemunhando minha fé em Deus. Imaginei que o autor da pergunta não
esperava resposta, apenas pretendia sugerir a estupidez da minha fé. Tive a
mesma sensação que experimentei quando comecei a ler um texto sobre “razões por
que deixei de ser crente” e o autor logo na primeira página comparou a crença
em Deus à crença no Saci-Pererê. Mas, passado o ímpeto de deixar pra lá,
resolvi responder, pelo menos para mim mesmo.
Minha
resposta começaria afirmando que jamais acreditei em bicho-papão. O que me
aterrorizava na infância eram os ciganos e o “velho do saco”. Devo isso às
minhas avós, que diziam que esses homens malvados gostavam de raptar meninos
desobedientes. Registro que acredito em ciganos e velhos do saco, não
necessariamente como raptores de crianças, embora seja em parte verdadeiro. Mas
resolvi responder como se meu imaginário infantil tivesse sido ocupado por esse
tal de bicho-papão.
Eis,
portanto, algumas razões por que, embora continue acreditando em Deus, deixei
de acreditar em bicho-papão:
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Não conheço nenhum adulto que acredita em bicho-papão.
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Não conheço nenhuma civilização baseada em bicho-papão.
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Não conheço nenhuma religião que considere o bicho-papão um ser divino.
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Nunca ouvi uma pessoa dizer que foi transformada pelo bicho-papão.
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O bicho-papão não constitui o dilema existencial humano desde sempre.
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Nenhuma tradição de pensamento humano se ocupa com o bicho-papão.
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Nenhum gênio da humanidade viveu atormentado por causa do bicho-papão.
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O bicho-papão não se sustenta num texto considerado sagrado por mais da metade
da população mundial, escrito ao longo de 2 mil anos, por 40 autores diferentes.
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Não existe quem atribua a existência do Universo ao bicho-papão.
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Jamais alguém defendeu sua fé no bicho-papão com a própria vida.
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Nenhuma das virtudes humanas é associada ao bicho-papão.
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O bicho-papão não é uma crença universal e atemporal.
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O bicho-papão não ajuda a explicar o mundo em que vivo.
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O bicho-papão não ajuda a explicar a complexidade da raça humana.
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O bicho-papão não ajuda a explicar o homem que sou.