Novo mercado escravagista |
O
corpo das mulheres negras é constantemente hipersexualizado nas TVs: seja nas
propagandas, nas novelas, nos programas de esporte ou de auditório. A
mercantilização da nossa sexualidade é naturalizada para que as mulheres sejam
cada vez mais exploradas. Nesse concurso, tentam mais uma vez nos afirmar como
coisas, objetos sexuais, sendo assim, nulas de vontade, nascidas para atender
ao desejo masculino. Um lucrativo produto vendido nas propagandas, no Carnaval,
nas Copas do Mundo e esquinas das avenidas.
A
luta das mulheres contra a opressão e a exploração e pela liberdade é histórica
e cotidiana. Ao falarmos da formação social e econômica do Brasil, falamos de
uma história de resistência e enfrentamento de mulheres indígenas e negras
contra um sistema que estuprou, explorou e destruiu muitos povos. Para as
mulheres negras, que vieram na condição de escravizadas, inferiores e
subalternas, eram reservados três destinos: escrava sexual, reprodução de mão
de obra e exploração da força de trabalho. Além disso, a cultura, a beleza e
identidade do povo negro e indígena foram negadas, destruídas e criminalizadas.
Estamos falando de um sistema de dominação que tem no cerne da sua estrutura o
racismo e o patriarcado [anticristão] – anteriores ao capitalismo, mas muito
bem apropriados por ele – e que tem como um dos principais agentes de
manutenção os meios de comunicação hegemônicos.
A
mercantilização do corpo das mulheres é representado pela grande mídia como
valorização. O concurso para eleger a nova Globeleza foi um desses momentos em
que se afirmou em rede nacional: “Viram como não somos racistas? Estamos aqui
cultuando esses lindos corpos negros.” Eles querem que vejamos a exploração dos
nossos corpos como um elogio. Para nós, não é elogio, é exotificação. Quando
não somos objetos sexuais ideais, tornamo-nos as indesejáveis, por vezes
tratadas como feias e nojentas. Nossos corpos sofrem ojeriza quando não estamos
enquadradas no papel de “mulata” sensual e provocante, ou então, o lugar que
nos cabe é permanecer como empregadas domésticas, a serviço dos patrões no
quartinho dos fundos, senzala do século 21.
A
Globo, com seu discurso mentiroso de inclusão, atua na lógica da omissão e
naturalização da violência sistêmica que recai sobre o povo negro, sendo vetor
principal da criminalização e extermínio da juventude negra, da invisibilização
do trabalho doméstico e da culpabilização da mulher pela violência sofrida.
Quem ganha com tudo isso? Certamente não é a classe trabalhadora.
A
Globeleza é mais uma vez a reprodução de um lugar e de um papel que só acumulam
para a burguesia. Não é assim que queremos nos ver na televisão! A Globeleza
não representa os anseios das mulheres negras, trabalhadoras e lutadoras. A
Globeleza não é a afirmação da identidade, nem da cultura e muito menos da
beleza do povo negro. Nós identificamos e apontamos a Rede Globo e suas filiais
como inimigas das mulheres e instrumento da classe dominante patriarcal e
racista. Não é demais lembrar que o império das telecomunicações da família
Marinho – aqui na Bahia da família Magalhães, no Maranhão da família Sarney, e
por aí vai – foi construído principalmente na ditadura militar, roubando o
dinheiro do povo brasileiro e derramando o sangue de lutadoras e lutadores.
Compreendemos
que para desmontar e destruir esse sistema de exploração, a democratização dos
meios de comunicação é questão estratégica e fundamental. Queremos que as
trabalhadoras possam pensar e produzir seus próprios meios de
comunicação. Só assim seremos de fato representadas. Seguiremos em marcha
lutando contra a mercantilização dos nossos corpos e vidas! Nossa resistência é
a reação!
Pela
democratização dos meios de comunicação! O mundo não é mercadoria, as mulheres
também não!
(Anaíra Lobo, Gabriela
Silva e Maíra Guedes são Militantes do Núcleo Negra Zeferina da Marcha Mundial
das Mulheres da Bahia)
Nota:
Como bem destacou minha amiga Leila Lourenço, em post no Facebook, a foto acima
lembra muito aqueles anúncios que vendiam negros e negras escravizados. “Trata-se
de uma propaganda pós-moderna que remonta àquele tempo”, diz ela. Essa foto
(sem a tarja preta, evidentemente) foi postada no Twitter de Sheron Menezzes, com
a pergunta: “Qual delas você acha que deve ser a Globeleza 2014?” Como assim?
Não dá para ver o rosto das moças! Qual dos corpos sem rosto deve ser a nova
nua rebolativa da Globo? É isso? Se queriam coisificar e mercantilizar a mulher,
acertaram em cheio. [MB]