Joseph Mengele |
A
fim de estabelecer se um determinado sistema é invalidado por ações erradas,
precisa-se questionar se os princípios definidos por tal sistema, seja
religioso, político, científico ou filosófico, se harmonizam com as ações
condenáveis praticadas por um ser que o representa. Portanto, ao avaliar o caso
de cristãos e até líderes religiosos, de serem acusados de roubo, estupro,
assassinato, etc., é necessário compreender se os princípios do cristianismo lhes
dão suporte lógico, permissão moral ou até motivação.
O cristianismo – Mesmo
um leitor superficial e até um não cristão, ao ler o relato dos evangelhos,
notará a diferença abissal entre os princípios promulgados por Jesus e o
comportamento daqueles cristãos que realizam práticas tão espúrias que são
condenáveis pela maioria esmagadora da sociedade.
Para
ser mais clara a discrepância, basta observar os dois princípios da fé cristã
como resumidos por Cristo (Mt 22:37-39):
1.
Amar a Deus acima de todas as coisas.
2.
Amar o próximo como a si mesmo.
É
como uma decorrência lógica de tais princípios que Jesus recomenda que os
desabrigados sejam acolhidos, o cuidado com as viúvas e órfãos, e que os
famintos sejam alimentados (Tg 1:27 e Mt 6:1-4).
Portanto,
não é uma conclusão correta e justa supor a inveracidade do cristianismo com
base nos escândalos e crimes envolvendo cristãos conhecidos, ou anônimos, pois essas
ações apenas explicitam a incoerência desses indivíduos com o sistema de
valores e verdades que representam.
O caso do nazismo –
Nesse momento, com uma perspectiva mais amadurecida, seria interessante e
esclarecedor analisar as ações do Dr. Mengele, frente aos princípios defendidos
pelo nazismo, e não mais com aqueles presentes na medicina, pois a incompatibilidade
é explícita, e então perguntar se havia ou não coerência com as ideologias
nazistas.
Segundo
a compreensão nazista da supremacia ariana, haveria apenas uma raça superior,
que poderia invadir e tomar países, bastando que julgasse esse ato benéfico
para a manutenção e fortalecimento da raça. Desenvolvimento e aprimoramento da
espécie, eis os princípios norteadores das ações do governo de Hitler, como
proclamado por ele próprio, e qualquer semelhança com os mecanismos evolutivos não é coincidência. Portanto, torturar, matar
ou fazer experimentos com outros seres humanos – de outras “raças”, é claro –,
segundo a definição nazista, eram atitudes aprovadas e promovidas, conquanto resultassem
no fortalecimento da supremacia alemã. Deduz-se, então, que as práticas cruéis
e atrozes do Dr. Mengele nos campos de concentração eram perfeitamente lógicas,
com respeito aos princípios nazistas, pois, para estes, qualquer ser que não
pertencesse ao corpo dos alemães não deveria ter qualquer consideração, e,
segundo eles, esses experimentos serviam para purificar a raça.
No
livro Em Guarda,
de William Lane Craig, há alguns relatos dos experimentos realizados pelo
médico nazista. Uma sobrevivente contou que o Dr. Mengele havia suturado seus
mamilos para que ela não amamentasse o seu recém-nascido e, dessa forma, ele
pudesse observar em quanto tempo o bebê morreria. Em desespero, ela tentava
alimentá-lo com pedaços de pão molhado, mas não obteve resultado. Dia após dia,
o bebê perdia peso, sendo sempre monitorado pelo médico. Certo dia, uma
enfermeira, secretamente, ofereceu uma saída para que a mulher sobrevivesse,
porém, ela deveria aplicar uma injeção de morfina na criança, o que a mataria.
A pobre mãe estava resistente, mas a enfermeira a convenceu, afirmando que não
havia chance para o bebê, porém, ela poderia sobreviver. Dessa forma, uma mãe
foi obrigada a tirar a vida do próprio filho. O médico ficou furioso com o
ocorrido e em seguida vasculhou os corpos para encontrar o bebê, com o objetivo
de fazer uma última pesagem. Na enciclopédia virtual Wikipédia, é apresentada a
seguinte descrição:
“Em
suas experiências com seres humanos em Auschwitz, ele injetou tinta azul em
olhos de crianças, uniu as veias de gêmeos, deixou pessoas em tanques de água
gelada para testar sua resistência, amputou membros de prisioneiros e coletou
milhares de órgãos em seu laboratório.”
Um
questionamento se faz necessário: Como entender ou aceitar que um sistema que
tenha gerado tanta dor e sofrimento possa almejar o status de verdade, sendo que esses atos podem ser deduzidos de seus
princípios?
E o ateísmo? –
Finalmente, deve-se analisar quais as consequências advindas, caso se parta de
uma visão de mundo desarraigada de quaisquer crenças, sejam religiosas ou
filosóficas, pois essa é a proposta, segundo seus defensores, do ateísmo. Sob esse
ponto de vista, o homem é produto do acaso, ou seja, não há qualquer razão para
sua existência, sendo assim, não há qualquer valor absoluto para a vida humana.
Segundo
o professor Richard Dawkins, um dos maiores representantes do movimento ateu,
“no final, não há nenhum designo, nenhum propósito, nenhum mal, nenhum bem,
nada mais do que uma insípida indiferença. [...] Somos máquinas para a propagação
do DNA. [...] Essa é a única e exclusiva razão de cada ser vivo existir” (Em Guarda, p. 38).
Muitos,
ao defender o ateísmo, declaram que essa posição levará o ser humano à
libertação. Segundo eles, o homem será livre da opressão de sistemas
ideológicos que o escravizam, tal como a religião. Mas há uma consequência a
mais: liberta a todos de quaisquer códigos de conduta absolutos, permitindo a
cada ser humano agir segundo julgar ser o melhor para preservar sua vida, ou o
seu DNA. O historiador Stewart C. Easton declara em seu livro:
“Não
há nenhuma razão objetiva para que o homem tenha moral, a menos que a
moralidade traga alguma recompensa para a vida em sociedade ou o faça se sentir
bem. Não há nenhuma razão objetiva para que o homem faça qualquer coisa, a
menos que isso lhe traga algum prazer” (The
Western Heritage, p. 878).
Portanto,
tal como no nazismo, embora as ações condenáveis de um ateu possam ser repudiadas
pela sociedade, possuem suporte moral e a motivação na base conceitual de seu
sistema ideológico. De certo que, se definirmos que tal forma de viver é
impraticável e perigosa, pode-se concluir que sua visão de mundo não pode ser
verdadeira.
Deve
ser notado que não se está afirmando que um ateu, necessariamente, agirá como
um infrator ou criminoso. Existem muitos que, mesmo não crendo em qualquer forma
de entidade superior, são excelentes cidadãos. Mas, caso resolvessem agir
apenas conforme sua vontade e seu interesse, independentemente da felicidade
dos outros membros dessa sociedade, estariam perfeitamente respaldados por essa
ideologia.
A melhor escolha –
Em resumo, é muito precipitado e nada lógico negar a veracidade de um sistema
com base em ações generalizadamente condenáveis, mas é necessário avaliá-las a
fim de determinar se são coerentes, ou não, com os princípios norteadores de
tal sistema.
Especificamente
no caso do cristianismo, graças à valorização da vida humana, bem como do amor
mútuo, é evidente a incoerência de qualquer um que se declare cristão agir de
forma a prejudicar ou explorar a vida de outro ser humano. Portanto, além de
condenar as más ações, o cristianismo promove uma convivência de mútua
felicidade, definindo de forma absoluta o sentido, o valor e o propósito da
vida humana, demonstrando com isso tanto sua eficácia como relevância para uma
sociedade carente como a atual.
(Rafael Christ de C. Lopes, professor do Instituto Federal do Maranhão, campus Santa Inês)
(Rafael Christ de C. Lopes, professor do Instituto Federal do Maranhão, campus Santa Inês)