Sim, a possibilidade é real de que
neste exato momento possa haver milhares de “invasores” minúsculos sobre a
superfície lunar. Apesar de a aparência causar muita estranheza, esse ser de
oito patas, que aparenta usar um traje espacial, é, na verdade, um animal
terrestre chamado tardígrado, e essa “invasão” foi decorrente de um acidente
espacial.
Tardígrados, também conhecidos como
“usos-d’água”, são animais microscópicos segmentados, relacionados
com os artrópodes. Foram inicialmente descritos por J.A.E. Goeze em 1773.
O nome do filo, Tardigrada, foi dado por Spallanzani em 1776. A
maioria é fitófaga, mas alguns espécimes são predadores, como o Milnesium tardigradum. Com
aproximadamente um milímetro de comprimento, são famosos no meio científico por
sua elevada capacidade de resistência. Há quem os considere “indestrutíveis”
por suportarem condições extremas, como alta radiação, frio e calor intensos,
do zero absoluto (-272,15 °C) até os 150 °C, a pressões de seis
mil atmosferas e 5000 Gy de radiação, cerca de mil vezes mais
que um ser humano pode suportar, além de conseguir sobreviver anos sem
alimentos e água.
Justamente por isso, conseguem viver
nos mais diversos ambientes – do deserto do Saara ao topo de uma montanha
coberta de neve, ou nos musgos do jardim da sua casa.
Apesar de apresentarem todas essas
“vantagens”, os animais descobertos no século 18 apresentam como característica
mais interessante, de fato, uma habilidade incrível: quando secos, retraem
a cabeça e as oito patas, encolhendo-se em uma minúscula “bola”; produzem um
revestimento extra no corpo que os protege de elementos que poderiam matá-los, entrando
num estado profundo de “animação suspensa” ou latência, que se assemelha à
morte. Eles perdem quase toda a água do corpo e seu metabolismo diminui para
0,01% da taxa normal; mas se reintroduzidos na água, mesmo décadas mais tarde,
eles podem ser reanimados. Cientistas já reviveram tardígrados que passaram até
dez anos nesse estado desidratado, embora em alguns casos possam sobreviver por
muito mais tempo sem água.
A sonda Beresheet carregava a
primeira biblioteca lunar da Arch Mission Foundation, organização sem fins
lucrativos cujo objetivo é criar “um backup
do planeta Terra”. O carregamento continha um arquivo com 30 milhões de páginas
de informações. Para conseguir juntar todo esse material num “arquivo”, Spivack,
o fundador da fundação escolheu Bruce Ha, cientista que desenvolveu uma técnica
para gravar em níquel imagens em nanoescala, de alta resolução. A técnica
usa lasers para gravar uma imagem em vidro e depois deposita níquel, átomo por
átomo, em uma camada no topo. As imagens no filme de níquel resultante
parecem holográficas e podem ser visualizadas usando um microscópio com
capacidade de ampliação de 1000 x – tecnologia que está disponível há várias
décadas.
Assim, o carregamento consistia em 25
camadas de níquel, cada uma com apenas alguns mícrons de espessura. As
primeiras quatro camadas contêm aproximadamente 60 mil imagens de alta
resolução de páginas de livros, que incluem iniciadores de linguagem, manuais e
chaves para decodificar as outras 21 camadas. Essas camadas contêm quase
toda a Wikipédia em inglês, milhares de livros clássicos e até mesmo os
segredos dos truques de mágica de David Copperfield.
Spivack tinha planejado enviar
amostras de DNA para a Lua em versões futuras da biblioteca lunar, não nessa
missão. Entretanto, algumas semanas antes de ter que entregar a biblioteca
lunar aos israelenses, ele decidiu incluir algum DNA na carga útil.
Bruce Ha e um engenheiro da equipe de
Spivack, então, adicionaram uma fina camada de resina epóxi entre cada camada
de níquel, um equivalente sintético ao âmbar. Nessa resina eles incluíram
folículos pilosos e amostras de DNA humano e tardígrados desidratados. Ainda,
além de fixados na resina citada, alguns milhares de tardígrados desidratados
extras foram espalhados em uma fita que foi anexada à biblioteca lunar.
Afinal, por que tardígrados? A
escolha vai muito além da capacidade de resistência dos animais: a ideia
fundamenta-se na hipótese de que eles possam ser “revividos” futuramente.
A sonda israelense deixou a Terra em
22 de fevereiro, mas, quando se aproximou da superfície lunar em 11 de abril,
uma falha no computador causou o mau funcionamento do motor principal da
espaçonave e caiu na Lua, viajando a aproximadamente 500 km por hora.
Apesar disso, Beresheet conseguiu
ejetar a biblioteca lunar da Arch Mission Foundation durante o impacto e
provavelmente esteja em alguma parte da Lua, próximo do local do acidente. Spivack
diz que, mesmo que a biblioteca se partisse em pedaços, a análise mostraria que
esses fragmentos seriam grandes o suficiente para recuperar a maioria das
informações analógicas nas primeiras quatro camadas.
Os tardígrados podem estar intactos? A
verdade sobre isso é uma incógnita, mas Lukasz Kaczmarek, especialista em tardígrados e
astrobiólogo da Universidade Adam Mickiewicz, disse, em entrevista ao The Guardian, que a queda de um
módulo espacial não é suficiente para matar esses animais: “Os tardígrados
podem sobreviver a pressões comparáveis àquelas criadas quando os asteróides
atingem a Terra, então um pequeno acidente como esse não é nada para eles.”
Mesmo assim, Spivack ressalta que não
há razão para se preocupar com os “ursos-d’água” tomando conta da Lua. Todos
os tardígrados lunares encontrados pelos seres humanos futuros terão de ser
trazidos de volta à Terra ou levados a algum lugar com uma atmosfera, a fim de
reidratá-los. Se isso será o suficiente para trazê-los de volta à vida, no
entanto, é um mistério.
Em 2007, diversos exemplares de duas
espécies de tardígrados foram enviados ao espaço e expostos não apenas ao
vácuo, onde a respiração é impossível, mas também a níveis de radiação capazes
de incinerar qualquer ser humano. Por incrível que pareça, ao regressarem à
Terra, um terço deles ainda estava vivo, mostrando-se assim os únicos animais nativos
do planeta, de que se tem conhecimento, capazes de sobreviver às condições
do espaço extraterrestre sem o auxílio de equipamentos. Ainda
verificou-se que cerca de 10% dos animais sobreviventes foram capazes de se reproduzir
com sucesso.
Já em maio de 2011, os tardígrados
foram incluídos na missão STS-134 do ônibus espacial Endeavour,
em seu último voo ao espaço.
Como a Lua é considerada sem vida, as
autoridades mundiais não desaprovam missões que “contaminem” a superfície desse
satélite com organismos da Terra. Inclusive os astronautas da Missão
Apollo 11 deixaram para trás seus próprios micróbios: 96 sacos de plástico
contendo “lixo humano” ainda estão na Lua, mesmo
após 50 anos.
Canais especializados em vida animal,
como o Animal Planet, abordam esses animais esporadicamente, porém, até
recentemente, esse filo era pouco conhecido pelo público em geral. O auge do
“sucesso”, por assim dizer, foi verificado no filme “Homem-Formiga e a
Vespa”, de 2018, em que esses animais aparecem com detalhes em algumas
cenas. Afinal, não é de se estranhar que o aspecto peculiar da morfologia dos
tardígrados atraia a atenção dos roteiristas cinematográficos. Ainda ouso dizer
que as recentes notícias são um solo fértil para a mente criativa dos cineastas
de ficção científica, não sendo improvável que nos próximos anos vejamos a estreia
de filmes intitulados como: “A invasão dos tardígrados mutantes”, ou algo assim.
Nota:
Quanto mais observo a natureza e a capacidade de adaptação dos seres vivos aos
mais diversos ambientes, percebo a intencionalidade de Deus no planejamento de
cada detalhe da criação. De fato, ainda temos muito a conhecer sobre os
mecanismos que conferem às criaturas microscópicas, como os tardígrados,
características tão fantásticas de sobrevivência.
(Liziane
Nunes Conrad Costa é presidente do Núcleo Cascavelense da SCB [Nuvel-SCB], bacharel
e licenciada em Ciências Biológicas com ênfase em Biotecnologia [UNIPAR],
especialista em Morfofisiologia Animal [UFLA] e mestranda em Biociências e
Saúde [UNIOESTE])
Referencias:
Revista Galileu: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2019/08/acidente-espacial-leva-animais-terrestres-indestrutiveis-lua.html
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