Tyson, o novo apresentador |
Eu
tinha menos de dez anos, quando Carl Sagan (1934-1996) levou ao ar sua
celebrada série de divulgação científica “Cosmos”. Não conseguia entender muita
coisa do que o apresentador falava, mas, mesmo assim, ficava fascinado ao ver
as imagens de galáxias, estrelas e planetas e a nave fictícia em que Sagan “viajava”
pelos sistemas planetários. Anos depois (acho que eu estava com 15), encontrei
num sebo o livro homônimo Cosmos, com
os capítulos correspondentes aos 13 episódios da série. A publicação era um
primor: capa dura, tamanho maior que o convencional, letras garrafais brancas
sobre o fundo escuro do espaço sideral e as páginas recheadas de fotos e
ilustrações interessantes. Apesar de usado, o livro estava em ótimo estado de
conservação. Não pensei duas vezes: comprei-o e o devorei naquelas férias de
verão. Foi amor à primeira vista. O livro aguçou ainda mais meu gosto pela
ciência, tanto que depois vieram outros autores que ajudaram a formar minha cosmovisão,
nomes como Isaac Asimov, Stephen Hawking, Arthur Clarke e outros – além de
Sagan, é claro, de quem li outros livros, como O Universo Assombrado Pelos Demônios e o póstumo Bilhões de Bilhões.
Sempre
admirei a vontade que Sagan tinha de popularizar a ciência; de levar as grandes
descobertas científicas ao conhecimento do público em geral. Embora não fosse
jornalista, o astrônomo realizou com maestria o trabalho de um verdadeiro
jornalista científico. Ele era ateu e evolucionista (para ele, o Universo é tudo o que existe, existiu e existirá), mas seu texto sempre foi
infinitamente mais respeitoso do que o de neoateus estridentes e belicosos,
como Richard Dawkins, que, para mim, não fica nem no chinelo de Sagan. Sagan
falava de ciência (sem deixar de “pregar” seu evolucionismo e criticar certas
crendices, é verdade). Dawkins parece usar a ciência para “pregar” seu ateísmo
e evolucionismo fundamentalistas. Mas deixemos isso tudo pra lá. Vamos à
novidade: a série “Cosmos” repaginada.
Lançada
nos Estados Unidos no domingo passado e no Brasil hoje à noite, pelo canal
National Geographic, a série tem como título “Cosmos –
Uma odisseia no espaço-tempo”, e tem como apresentador o astrofísico e
divulgador científico Neil de Grasse Tyson, diretor do Planetário
Hayden, do Museu Americano de História Natural, e figura conhecida nos meios de
comunicação. Outro nome forte na equipe do programa é o produtor
executivo Seth MacFarlane, um dos criadores de “Family Guy” (“Uma
Família da Pesada”), que é sucesso desde 1999.
Minha
única preocupação é com a militância ateísta de Tyson (conforme se pode ver
neste vídeo, neste, neste e também neste). Tyson faz uma apropriação indevida
de Galileu para atacar a religião, deixando de esclarecer que o cientista
religioso foi contra uma ideia aristotélica adotada pelo catolicismo. Galileu
nunca foi contra a Bíblia, que nada diz sobre o mito de que a Terra seria o
centro do Universo. Tyson fala também do “deus das lacunas”, que nenhum
religioso sensato adora, mas ele dá a impressão de que seria um deus bastante
difundido entre os crentes. A verdade é que os fundadores do método científico,
como Galileu, Copérnico e Newton, nos deixaram um bom exemplo a esse respeito:
a ciência pode nos ajudar a entender como Deus criou o Universo, e isso não tem
nada a ver com o comodismo de colocar Deus como resposta para aquilo que não
entendemos e cruzar os braços, deixando de pesquisar. O método experimental não
teria sido criado, se os primeiros cientistas (que criam em Deus) pensassem
assim. O “deus das lacunas” é um espantalho criado pelos ateus e, talvez,
inconscientemente adotado por crentes mal informados.
Tyson era fã da série original “Cosmos” e tem estado na mídia
constantemente. Até mesmo fazendo pontas em séries de TV, representando,
normalmente, ele mesmo, como foi o caso na comédia “The Big Bang Theory”. O poder
de persuasão e a influência dele são inegáveis, o que pode alçar essa nova
série “Cosmos” ao sucesso, como aconteceu com a primeira versão. Espero que
Tyson seja “discreto” como Sagan e não se empolgue ao expor suas subjetividades
teológico-filosóficas. Que a “ciência verdadeira” fale mais alto. Só assim o
público terá a ganhar e a memória de Sagan será honrada.
Michelson Borges
Detalhe: Tyson também
ficou conhecido entre os internautas por causa do meme criado com uma foto
dele.
Leia algumas reações ao primeiro
episódio (em inglês): "Casey Luskin’s blow-by-blow accountof the episode", "Jay Richards’ discussion of theshow’s materialist spin on the history of science" e "Luskin’s coverage of criticismsfrom sources that are decidedly not pro-ID"