A galáxia A1689-zD1 |
Há
algo muito estranho com o Universo jovem. Ao mergulharem nas entranhas do tempo
e do espaço, astrônomos investigaram uma galáxia cuja luz foi emitida quando o
Universo tinha “apenas” 700 milhões de anos de idade. E ela parece velha demais
para aquela época remota. A descoberta foi feita combinando observações do
conjunto de radiotelescópios Alma e do VLT, complexo pertencente ao ESO
(Observatório Europeu do Sul). A galáxia em si, nomeada A1689-zD1, é pequena e
modesta – como se esperaria de uma das mais antigas a existirem no Universo,
que hoje tem cerca de 13,8 bilhões de anos. Aliás, ela só pôde ser observada
porque entre ela e nós existe um aglomerado de galáxias chamado Abell 1689. A
gravidade desse amontoado galáctico é tão poderosa que age como uma “lente”,
magnificando a luz dos objetos que estão mais afastados. Os astrônomos estimam
que seu brilho tenha sido aumentado em nove vezes, após sua luz passar em meio
ao aglomerado de galáxias, antes de chegar até nós. Embora sua luminosidade e
baixa massa sejam compatíveis com o que se espera de uma galáxia antiga, o que
os cientistas acharam intrigante é o fato de que a quantidade de poeira
presente nela é similar à observada em galáxias maduras, como a nossa Via
Láctea.
O
que isso quer dizer? Em essência, que o Universo atingiu um estágio maduro mais
depressa do que se costumava pensar. Para produzir a poeira detectada, é
preciso que várias gerações de estrelas de alta massa já tenham nascido e morrido,
explodindo como supernovas. É esse processo que produz o tempero que dá graça
ao cosmos. Sem elas, nós não existiríamos.
Por
quê? Em essência, porque o Big Bang só levou à produção de hidrogênio (75%),
hélio (25%) e uma pitadinha de lítio. E, com esses três elementos apenas, não
temos muitas peças para formar coisas interessantes, como planetas terrestres
ou vida. Nesse estágio inicial, nem algo bem simples, como água, poderíamos ter
– faltariam os átomos de oxigênio. Em suma, o Universo nasceu bem sem graça.
Mas
então as primeiras estrelas e galáxias começaram a se formar. E o que começamos
a descobrir agora é que esse processo de “temperar” o Universo aconteceu com
relativa rapidez, uma vez iniciado [leia também esta notícia]. A análise da galáxia A1689-zD1, publicada
ontem na revista científica Nature, é
uma das peças desse quebra-cabeça. Mas não é a única.
Essa
noção de que o Universo amadureceu bem depressa para se tornar amigável à
complexidade tem sido evidenciada em várias pesquisas desconectadas entre si,
todas com resultados recentes. Na semana passada mesmo, ganhou destaque outro
trabalho publicado na revista Nature que
reportava sobre a descoberta de um quasar muito brilhante no Universo jovem. Já
falamos deles recentemente, mas não custa lembrar que quasares são
essencialmente buracos negros gigantescos que moram no coração de cada galáxia
e estão num momento particularmente ativo – deglutindo matéria, por assim
dizer. É o que os torna brilhantes.
O
quasar descoberto por cientistas da Universidade de Pequim, na China, e da
Universidade do Arizona, nos EUA, ganhou o nome SDSS J0100+2802, e sua luz
partiu dele quando o Universo tinha apenas 900 milhões de anos – praticamente
um contemporâneo da galáxia A1689-zD1, só um pouquinho mais novo. Com massa
equivalente a 12 bilhões de sóis, ele intrigou os cientistas – como ele
conseguiu juntar tanta matéria em tão pouco tempo?
Essa
época crucial do Universo é chamada de “era da reionização” – um nome chique
dado ao período em que as primeiras estrelas começaram a brilhar no Universo e
delinear as primeiras estruturas galácticas. Ao observar objetos como esses,
estamos investigando justamente a velocidade e a dinâmica dessa era crucial em
que o cosmos começou a ganhar seus elementos mais pesados – coisas muito caras
a nós, como carbono, enxofre, nitrogênio e oxigênio.
Uma
forma alternativa de estudar a reionização é por meio da análise da radiação
cósmica de fundo. E a principal fonte de dados a respeito desse “eco” do Big
Bang é o satélite europeu Planck. No mês passado, a equipe responsável pela
sonda publicou suas novas análises e fez uma descoberta importante: a
reionização começou um pouco mais tarde do que antes se imaginava, cerca de 550
milhões de anos após o surgimento [sic] do Universo como o conhecemos. Isso é
cerca de 100 milhões de anos depois do que se calculava anteriormente.
Em
compensação, apesar do início tardio, a reionização avançou muito depressa. “Se
muitas estrelas se formam logo de cara, elementos químicos mais pesados vão
contaminar o Universo bem cedo”, disse ao Mensageiro Sideral Diego
Falceta-Gonçalves, astrônomo da USP e da Universidade de St. Andrews, no Reino
Unido, que ajudou a desenvolver algumas das técnicas de análise da polarização
da radiação que foram aplicadas pela equipe do Planck.
O
resultado disso é que, apesar do início tardio, a transição da fase
desinteressante para a interessante do Universo acaba acontecendo bem depressa –
o que explica a presença de galáxias evoluídas como A1689-zD1 e de buracos
negros supermassivos como o SDSS J0100+2802 nos primórdios do Universo. Isso
também ajuda a explicar descobertas na área de exoplanetas, com a descrição de
sistemas planetários como o Kepler-444, com mais de 11 bilhões de anos de
idade.
Impossível não ter a
sensação de que o cosmos, de algum modo, parecia ansioso para atingir seu
estágio complexo. É no mínimo curioso que as leis da física estejam
precisamente reguladas para que o Universo não só atinja níveis de complexidade
significativos (o que não era de modo algum garantido) como também o fizesse
com relativa rapidez, menos de um bilhão de anos após seu surgimento inicial.
Essa “sintonia fina” cósmica é um dos maiores mistérios da cosmologia moderna,
e a verdade é que os cientistas ainda não tropeçaram numa resposta convincente
que explique o fenômeno.
Uma
segunda reflexão é o desdobramento do princípio copernicano a que essas
revelações nos submetem. Ao deslocar a Terra do centro do Universo, Nicolau
Copérnico nos divorciou da ideia de que ocupamos um lugar especial no espaço.
Agora, conforme notamos que o Universo se tornou complexo e amigável à vida
muito depressa, muito antes de estarmos aqui, fazemos outro deslocamento –
deixamos também de estar num lugar especial na linha do tempo. Aparentemente, a
julgar pelas recentes descobertas em cosmologia, astrofísica e ciência planetária,
o Sol e a Terra não surgiram numa época especial do Universo. Na verdade,
outros sóis e outras Terras com certeza surgiram muito antes de nós, e esses
mundos já tinham todos os componentes necessários para nutrir a existência de
vida.
A
essa altura, a arrogância humana precisa dar lugar à reverência. Convenhamos:
o Universo já era espetacular muito antes que os átomos que formam nosso
corpo tivessem chegado à nebulosa que deu origem ao Sol, 4,6 bilhões de anos
atrás. Eu fico a imaginar quantas entidades conscientes no Universo já chegaram
a essa conclusão antes de nós...
(Mensageiro Sideral,
Folha.com)
Nota:
Não tenho muito mais a dizer do que está grifado no antepenúltimo parágrafo do texto
acima. Mas a matéria me lembrou de outra, publicada na edição especial da Superinteressante “29 coisas que não
fazem sentido” (confira aqui),
e de uma frase de Winston Churchil, que diz mais ou menos o seguinte: De vez em
quando algumas pessoas tropeçam na verdade, se levantam e fazem de conta que
nada aconteceu. [MB]