Ritmos da vida |
Já
é conhecido que o corpo humano mantém seu próprio relógio biológico. Ele possui
um “ritmo circadiano” interno de 24 horas que impulsiona o aumento e a diminuição
de muitas moléculas. Esse relógio também afeta a forma como reagimos à
medicina. Por exemplo, a cisplatina, medicamento contra o câncer, é mais eficaz e menos tóxica se
for administrada à noite. Adriamicina, por outro lado, é potencializada se
for administrada de manhã. Ademais, também é verdade que o ser humano precisa
descansar. Diante disso, cientistas cronobiólogos comprovaram o chamado “ritmo
do sétimo dia”, ou “ciclo circaceptano”. Esse ciclo é um descanso que se repete
a cada sete dias, sendo considerado um ritmo inteligente devido ao descanso ser
uma necessidade biológica. Esse assunto é abordado pela Cronobiologia, uma
novidade dentro da Biologia, em que os especialistas se aventuram em percorrer os
caminhos dos ritmos biológicos, seus movimentos oscilatórios, sua ligação com o
ambiente externo, como essas informações são recebidas e transmitidas através
de um mundo pulsante para uma melhor abordagem da verdadeira natureza humana. A
cronobiologia tem documentado o quanto os seres humanos são altamente rítmicos.
A maioria dos muitos tique-taques de relógios é difícil de detectar; eles
operam logo abaixo da consciência humana. Inatos e escondidos na estrutura
celular, os mistérios do tempo biológico têm esperado que o poder de resolução
dos computadores modernos os revele.
Jeremy
Campbell diz em seu livro: “O ritmo circaceptano é uma das grandes surpresas que
surgiram pela Cronobiologia moderna. Há [alguns anos], poucos cientistas teriam
esperado que ciclos biológicos de sete dias viessem a ser tão difundidos e
estabelecidos [...]. Eles são de origem muito antiga, aparecendo em primitivos
organismos unicelulares, e são pensados para estar presentes mesmo em
bactérias, a forma mais simples de vida agora existente” (p.75).[1]
Uma
das descobertas surpreendentes de Franz Halberg é a de um ritmo inato de cerca
de sete dias que ocorre em uma alga primitiva de supostos cinco milhões de anos
na linha evolutiva de tempo.[2] Devido a suas células microscópicas se assemelharem
a uma taça de champanhe graciosa, a alga (planta) é popularmente conhecida como
“copo de vinho da sereia” (Acetabularia
mediterranea). Quando essa alga “primitiva” está sujeita a horários
artificiais alternados de luz e pequenos momentos escuros ao longo de muitos
dias, essa única célula intacta é de alguma forma capaz de traduzir toda a influência
da luz e do escuro em medidas de uma semana de sete dias.
A
existência de tais ritmos circaceptanos endógenos precisos (incluindo a precisa
excreção de sete dias de 17-cetosteróides [metabólitos urinários] em homens
saudáveis) sugere que todos os ritmos circaceptanos são realmente endógenos − descritos
como um “built-in” (geneticamente
determinado) sobre o período exato de sete dias.[3] Parece, no entanto,
que esses ritmos endogenamente derivados são capazes, ao mesmo tempo, de
responder às influências externas (reflexos circadianos do dia e da noite ou
indução das marés lunares). [2-5]
À
primeira vista, pode parecer que os ritmos semanais (como a semana de sete dias)
foram impostos e herdados por uma cultura humana de milhares de anos atrás.[6]
No entanto, essa teoria não se sustenta quando se percebe que o ciclo
circaceptano ocorre em outros seres vivos, além de humanos. Portanto, a
Biologia, não a cultura, é, provavelmente, a fonte do ciclo semanal de sete
dias.[7] Aliás, a França (1793-1805) mudou a semana de sete dias para uma
semana de dez dias, e a União Soviética (1929-1940) a mudou para uma semana de
cinco dias, ambos os países acreditando que os sete dias fossem mera influência
religiosa. A experiência da mudança terminou em fracasso completo em ambos os
países, e a semana voltou ao seu modelo original.[8]
Para
Campbell, esse ritmo inato tem a ver com a lógica interna do corpo, não com a
lógica externa do mundo.[1] Mas não para por aí: experimentos envolvendo ratos,
moscas, plantas, artrópodes, abelhas, besouros e outras formas de vida
revelaram ritmos circaceptanos semelhantes ao do “copo de vinho da sereia”.[2,
4, 5, 9] Segundo Campbell, “a estrutura temporal interna, em algumas de suas
manifestações, parece determinar a estrutura do tempo exterior, em lugar do
contrário. Ritmos de cerca de sete dias surgiram em milhões de criaturas vivas
anos antes de a semana do calendário ser inventada, e pode ser a razão pela
qual ela foi inventada” (p. 83).[1]
Além
disso, um ciclo de sete dias foi encontrado em flutuações da pressão sanguínea,
no conteúdo ácido no sangue, em hemácias, no batimento cardíaco, na temperatura
oral, na temperatura da mama feminina, na química e no volume da urina, na taxa
entre dois importantes neurotransmissores – noradrenalina e adrenalina –, e no
aumento e diminuição de várias substâncias químicas do corpo, como o hormônio
de enfrentamento do estresse, o cortisol.[3, 7, 10] Para Perry e Dawson, “os
ritmos semanais parecem mais fácil de ser detectados quando o corpo está sob
estresse, como quando ele está se defendendo contra um vírus, bactéria ou outro
intruso prejudicial. Por exemplo, os sintomas do resfriado (que são realmente
sinais de que o corpo está se defendendo contra um vírus) passam em cerca de
uma semana” (p. 22).[6]
Outra
curiosidade diz respeito à associação entre o descanso no sétimo dia da semana
e a longevidade humana. Pesquisas afirmam que indivíduos que descansam no
sétimo dia da semana possuem uma expectativa de vida maior que outros que não o
fazem.[11, 12, 13] Os números apontam para um acréscimo de vida de 4 a 10 anos
a mais, devido ao descanso nesse dia representar uma forma cultural de gestão
do estresse e diminuição da pressão sobre o organismo humano.
Atualmente,
muitos hospitais estão evitando cirurgias eletivas no sétimo dia da semana,
isso porque o transplante de órgãos, por exemplo, também é afetado devido ao
repouso do sistema imunológico nesse dia.[3] Campbell explica: “Quando um
paciente humano recebe um transplante de rim, há um ritmo de cerca de sete
dias, um aumento previsível e queda na probabilidade de que o sistema imunológico
do corpo rejeitará o novo rim. Um pico principal de rejeição ocorre sete dias
após a operação, e quando um soro é dado para suprimir a reação imune, uma
série de picos ocorre, com o aumento do risco de rejeição, em uma semana, duas
semanas, três semanas e quatro semanas” (p. 76).[1]
Quanto
mais fundo se investiga o funcionamento interno da vida, uma ainda mais
complexa, intrincada e maravilhosa exibição de projeto começa a aparecer. O Designer
não apenas deixou Suas impressões digitais em tudo o que projetou, como também
deixou Seu “cartão de visitas” contido nas células vivas, dizendo aos seres
humanos o momento em que Ele projetou a vida: em uma semana de sete dias. Foi
quando Ele encerrou o relógio da vida e o definiu, assinalando em cada uma de
suas formas um ritmo de sete dias. É o ritmo do projeto ideal; uma sincronia
para viver e funcionar como planejado.
(Everton Alves)
Referências:
1. Campbell J. Winston Churchill’s Afternoon, Nap. New
York: Simon and Schuster, 1986.
2. Halberg F. Quo Vadis Basic and clinical Chronobiology:
promise for health maintenance. Am J Anat. 1983; 168(4):543-594.
3. Levi F, Halberg F. Circaseptan (about-7-day) bioperiodicity - spontaneous
and reactive -and the search for pacemakers. Ric Clin Lab. 1982 Apr-Jun;12(2):323-70. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7111982
4. Meyer-Rochow VB, Brown PJ. Possible natural circaseptan rhythm in the beach
beetle Chaerodes trachyscelides white. Acta Neurobiol Exp (Wars). 1998;
58(4):287-90. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9949556
5. Mikulecky M, Bounias M. Worker honeybee hemolymph lipid composition and
synodic lunar cycle periodicities. Braz J Med Biol Res. 1997; 30(2):275-9. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9239316
6. Perry S, Dawson J. The Secrets Our Body Clocks Reveal. New
York: Rawson Associates, 1988.
7. Haus E .Chronobiology in the endocrine system. Adv Drug Deliv Rev. 2007; 59(9-10):985-1014. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17804113
8. Zerubavel E. The Seven Day Circle. Chicago: Univ. of
Chicago Press, 1985.
9. Schweiger HG, Berger S, Kretschmer H, Mörler H, Halberg E, Sothern RB, Halberg F. Evidence for a circaseptan and a circasemiseptan
growth response to light/dark cycle shifts in nucleated and enucleated
Acetabularia cells, respectively. Proc Natl Acad Sci U S A. 1986; 83(22):8619-23. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3464973
10. Lee MS, Lee JS, Lee JY, Cornélissen G, Otsuka K, Halberg F. About 7-day (circaseptan) and circadian changes in
cold pressor test (CPT). Biomed Pharmacother. 2003; 57(Suppl 1):39s-44s.
11. Buettner D. The
secrets of long life. (Cover story). Nat
Geogr 2005; 208:2-27.
12. Buettner D. The Blue Zones: Lessons for Living Longer from
the People Who’ve Lived the Longest. Washington, D.C.: National Geographic
Society, 2009.