Pesquisa manipulada |
Um estudo publicado em abril
na revista científica International
Archives of Medicine chegou à conclusão de que comer chocolate “aumenta
significantemente” as chances de emagrecer durante uma dieta. Parecia bom
demais para ser verdade. E realmente era. Na quarta-feira (27), o autor
revelou, em um artigo publicado no blog “io9”, que tudo não passou de uma
farsa. Seu objetivo era mostrar como estudos de péssima qualidade científica na
área de dietas conseguem facilmente entrar para as manchetes de publicações da
área. As conclusões tendenciosas do estudo realmente tiveram destaque em
grandes meios de comunicação, entre sites, revistas e jornais de vários países.
O autor da farsa é o jornalista John Bohannon. Ele se juntou a um grupo que
incluía um médico e um estatístico e recrutou, pelo Facebook, 15 voluntários
para participar do experimento. Cada um recebeu 150 euros para participar da
pesquisa por três semanas. Eles foram divididos em três grupos. Cada um deveria
seguir uma dieta diferente. Uma delas incluía comer uma barra de chocolate com
alto teor de cacau por dia. No fim das contas, o grupo que comeu chocolate
perdeu peso 10% mais rápido.
O dado realmente foi
observado nos participantes, porém é insignificante do ponto de vista
científico. Isso porque o número de pessoas testadas - apenas 15 - é muito
baixo para se chegar a qualquer conclusão confiável. O grupo inventou um
instituto chamado “Institute of Diet and Health”, que seria a instituição onde
o estudo-farsa teria sido feito, e o submeteu à revista científica International Archives of Medicine. O
artigo foi aprovado sem questionamentos, apesar de a publicação alegar que “todos
os artigos submetidos à revista são revisados de maneira rigorosa”.
Bohannon conseguiu provar sua
tese de que pesquisas na área de dieta conseguem ser publicadas em revistas
científicas e ganhar destaque midiático mesmo se tiverem uma qualidade muito
ruim. “Se um estudo nem mesmo lista quantas pessoas participaram, ou alega que
é ‘estatisticamente significante’, mas não diz qual foi o efeito, você deve se
perguntar por quê. Mas, na maioria das vezes, não fazemos isso.”
Antes da farsa do chocolate,
Bohannon já tinha feito um trabalho para a respeitada revista Science [confira aqui] para provar que parte das
revistas científicas de acesso aberto, que alegam submeter seus estudos a um
rigoroso processo de revisão por pares, na verdade aceitava publicar pesquisas
de qualidade mais do que duvidosa.
Nota: Infelizmente, essa notícia do chocolate não é
um problema pontual. Confira neste artigo do site Notícias Naturais: “O Dr. Richard Horton, editor chefe da The Lancet, uma das revistas médicas
mais respeitadas do mundo, denunciou que grande parte das pesquisas médicas
publicadas não são confiáveis ou são até mesmo falsas. ‘Grande parte da literatura científica, talvez a metade, pode ser
simplesmente falsa. Afetada por estudos com pequenas provas, efeitos
minúsculos, análises exploratórias inválidas e flagrantes conflitos de
interesse, juntamente com uma obsessão por perseguir tendências de moda de
duvidosa importância; a ciência se voltou para a obscuridade.’ O mais
preocupante dessa denúncia é que todos esses estudos têm sido patrocinados pela
indústria, a qual os utiliza para desenvolver medicamentos e vacinas que
supostamente deveriam ajudar as pessoas, ajudar na formação do pessoal médico e
educar os estudantes de medicina. Horton continuou denunciando que os editores
das revistas médicas ajudam e apoiam os piores comportamentos, que a quantidade
de pesquisa de má qualidade é alarmante, e que os dados são manipulados para
que se encaixem com as teorias a serem defendidas. Segundo o Dr. Horton, as
confirmações importantes são muitas vezes rechaçadas e muito pouco é feito para
corrigir as más práticas.
“Outra das vozes prestigiadas que se somam às
denúncias foi a Dra. Marcia Angell, editora chefe da revista New England Medical Journal (NEMJ),
considerada outra das revistas médicas mais prestigiadas do mundo: ‘Simplesmente já não é possível acreditar em
grande parte da pesquisa clínica que é publicada, ou confiar no juízo dos
médicos de confiança ou nas diretrizes médicas autorizadas. Não me dá nenhum
prazer essa discussão, a qual entrou lentamente e com relutância ao longo das
minhas duas décadas como editora da New England Journal of Medicine.’”
O livro Imposturas
Intelectuais, sobre o qual comentei neste post, também trata desse
problema, mas na área da física. [MB]
Legal mesmo é a história por trás do paper, contada em detalhes aqui (em inglês).
Legal mesmo é a história por trás do paper, contada em detalhes aqui (em inglês).