A arte de descrever a realidade |
Em
meados do segundo milênio da Era Cristã, duas revoluções ocorreram, as quais
são de grande interesse para nós. Uma foi a revolução teológica chamada de
Reforma Protestante. Redescobriu-se o quão perigoso é confiar em tradições e
interpretações filosóficas humanas e quão importante é estudar a Bíblia
diretamente com uma metodologia adequada. A outra revolução foi a científica.
Não que a ciência estivesse sendo inventada, mas, sim, descoberta. Ao longo de
alguns séculos, na primeira metade do segundo milênio da Era Cristã, vários
pensadores aos poucos chegaram à conclusão de que a verdadeira filosofia não
deveria ser baseada na autoridade de acadêmicos, revisão por pares ou meramente
na intuição humana, mas na Matemática, que seria a forma pela qual Deus criou
tudo o que existe.
Roger
Bacon (século 13) concluiu que a Matemática é a base de todas as áreas do
conhecimento. Leonardo da Vinci falou das vantagens de se usar métodos
matemáticos e da importância da experimentação para validar ideias. Sugeriu
também que seria vantajoso iniciar essa classe de estudos pela Mecânica, por
ser mais acessível. Galileu Galilei denunciou a filosofia humana – ainda que
revisada por pares e por autoridades – como falha e mencionou a verdadeira
filosofia como estando escrita no grandioso livro do Universo em caracteres
matemáticos. Também se referiu à ciência como uma forma de conhecer e
representar com base na Matemática.
A
proposta que ganhou forma e força com o tempo foi a de usar métodos matemáticos
obtidos do estudo da natureza para representar e estudar tudo, a começar pelo
mundo físico. A verdadeira ciência seria composta por esses métodos matemáticos
para obter, representar e testar conhecimentos, o que inclui, mas não se limita
a planejar observações e experimentos e processar os resultados.
Um
dos pré-requisitos mais importantes para que a ideia de Darwin seja aceita como
se fosse uma teoria científica é voltar aos conceitos anteriores à revolução
científica, confundir filosofia (paradigmas e cosmovisões) com ciência e
eliminar referências à Matemática da definição de ciência. Hoje em dia se fala
em experimentação, mas é politicamente incorreto associar fortemente ciência
com métodos matemáticos, mesmo sendo isso óbvio para um grande número de
pesquisadores. Cada especialista teme que sua área deixe de ser considerada uma
ciência e perca credibilidade. Mas nenhuma área deveria ser chamada de ciência.
A ciência pode ser usada em qualquer área e há pesquisas que podem ser feitas
corretamente sem uso explícito da ciência.
Isaac
Newton, estudioso da Bíblia e da natureza, colocou em prática as sugestões de
Galileu e da Vinci e tentou descobrir as leis da Mecânica usando métodos
matemáticos. Percebeu, entretanto, que não possuía conhecimentos matemáticos
suficientes para a empreitada. Levando em conta, porém, que essas leis
matemáticas estão escritas na própria natureza, tratou de lê-las e com isso
descobriu uma área da Matemática que até então era desconhecida: o Cálculo
Diferencial e Integral. Com isso, ele foi capaz de entender algumas leis
básicas da Mecânica.
Independentemente
de Newton, Leibniz também percorreu esse caminho e descobriu o Cálculo. Criou,
porém, uma notação mais elegante do que a de Newton, mais semelhante à que
usamos hoje. Isso abriu o caminho para que leis físicas possam ser percebidas,
estudadas e utilizadas para se descobrirem coisas novas e também para gerar
novas tecnologias.
Estudos
como esse levaram a avanços cada vez maiores, aumentando a experiência humana
no uso da Matemática para descrever cada vez mais coisas: movimentos, forças,
ondas (século 18), luz, leis em geral com o princípio da ação mínima, fluidos
(século 18), fenômenos eletromagnéticos em geral, novos tipos de geometrias e
universos (século 19), Relatividade e suas aplicações à Cosmologia, Mecânica
Quântica e suas especializações como a Teoria Quântica de Campos, no âmbito da
qual se começou a descobrir a Teoria das Cordas (século 20).
Em Física, não se inventam teorias, descobrem-se. A descoberta da Teoria das Cordas, ainda em andamento, é um exemplo bastante interessante de como funciona o processo. Como há diversos pesquisadores envolvidos em um processo colaborativo, fica mais fácil analisar o processo de surgimento dessa teoria e fica particularmente claro que não se trata de invenção, mas de descoberta. Grandes avanços já foram feitos, mas ainda há um bom caminho a percorrer. No fim sempre se descobre que a resposta final era simples e que não era necessário ter percorrido um caminho tão longo. Mas, no caso da Teoria das Cordas, os físicos ainda estão percorrendo o caminho longo.
(Eduardo Lütz é físico)