De
acordo com o site Sputnik, o físico brasileiro Juliano César Silva Neves, da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), explicou que a origem do universo exclui a necessidade de
um Big Bang, aceito pela maior parte da comunidade científica como melhor
explicação para o início de tudo. “Antes da visão cíclica, nós temos que
resolver o problema da singularidade. Por Big Bang, eu quero dizer
singularidade inicial. O modelo cosmológico que eu propus aceita, claro, a
expansão do universo, aceita outros dados, como a radiação cósmica de fundo. A
minha questão principal é o Big Bang, o Big Bang como a chamada singularidade
inicial”, disse o cientista, explicando que essa singularidade consistiria em
um estado em que as grandezas físicas, geométricas, calculadas a partir da
Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, não têm um valor definido. “Como os
matemáticos falam, essas grandezas tendem ao infinito.”
Neves
conta que essa questão é encarada como um problema da relatividade, que a maioria
dos pesquisadores acredita poder ser resolvido com uma teoria quântica da
gravidade, que acabaria com a singularidade. No entanto, segundo ele, é
possível resolver a singularidade inicial sem recorrer a uma teoria quântica, que
foi exatamente o que ele fez em seu trabalho, publicado recentemente na
revista General Relativity and Gravitation.
Na
verdade, a ideia de que o universo se contrai até uma alta densidade para
depois se expandir até certo limite e repetir o ciclo não é novidade e tem sido
discutida há décadas. Por que não foi amplamente aceita? Porque gera
inconsistências. Mas antes de falar na principal dessas inconsistências, é útil
discutir um pouco o principal problema que a versão proposta pelo professor
Neves tenta resolver.
Conta
um mito popular que o modelo do Big Bang diz que o universo surgiu a partir de
uma singularidade inicial. Mas o que é uma singularidade? Seria um ponto em que
parâmetros de interesse, como densidade, tornam-se infinitos.
É
comum encontrarmos singularidades em estudos matemáticos. Por exemplo, a função
f(x)=1/x possui uma singularidade em x=0. Elas são úteis para resolver
problemas reais e existem métodos que utilizamos em áreas como a Teoria
Quântica de Campos que se baseiam em propriedades matemáticas das
singularidades. Entretanto, quando uma fórmula prevê uma singularidade física
associada a algo mensurável, isso é mau sinal. Tipicamente, indica que a
fórmula está sendo utilizada fora dos seus limites de validade.
Voltemos
agora ao referido mito. A Relatividade Geral (RG) é a teoria por trás tanto do
modelo do Big Bang quanto da descoberta dos buracos negros e suas propriedades,
das ondas gravitacionais e mesmo como parte integrante de soluções tecnológicas
como GPS e outras. Há quem diga que, de acordo com a RG, existe uma
singularidade no centro de cada buraco negro. Também há quem afirme que o
próprio universo teria nascido de uma singularidade, pois essa seria uma das
predições do modelo do Big Bang. Vamos tentar explicar por que essa concepção é
falsa.
Para esclarecer esse assunto, vamos tratar de outro mais fácil primeiro. No Ensino Médio (ou Segundo Grau), ensina-se aos estudantes uma fórmula que descreve um aspecto do comportamento dos gases: pV=kNT, sendo p a pressão de um gás, V seu volume, N o número de moléculas, T a temperatura absoluta e k uma constante (de Boltzmann). Essa fórmula foi deduzida a partir de algumas aproximações. Por exemplo, supõe-se que a distância média entre as moléculas é muito grande comparada com seus volumes. Isso é verdade em muitos casos, mas não em todos.
Podemos
usar a fórmula dos gases para, por exemplo, calcular a densidade de um gás em
função da temperatura se a pressão for constante. Reorganizando os elementos da
fórmula, obtemos a seguinte fórmula para a densidade (N/V): N/V = p/(kT).
O
que acontece quando a temperatura absoluta é zero? Densidade infinita, isto é,
uma singularidade. Podemos afirmar então que gases no zero absoluto formam
singularidades? De maneira nenhuma. O que realmente acontece nessa situação é
que tentamos usar a fórmula fora de sua região de validade. Com a redução da
temperatura a pressão constante, o volume diminui. Quando esse volume se torna
muito pequeno, pelo menos uma das hipóteses utilizadas para deduzir a fórmula
se torna falsa: o volume de cada molécula não é mais tão pequeno quando
comparado com a distância média entre elas. Isso invalida a fórmula.
Algo muito semelhante ocorre com a equação da RG a densidades muito altas. Ela perde a validade. Isso significa que as equações que constituem o modelo do Big Bang, que se baseiam na equação da RG, também se tornam inválidas a densidades muito altas. O que o modelo do Big Bang descreve é a expansão do universo, não sua criação. Ele nem mesmo pode ser usado para se afirmar que o universo veio de uma singularidade porque o modelo simplesmente não vale a densidades tão altas.
Como o modelo do Big Bang é incapaz de prever uma singularidade no início do tempo, quem tenta eliminar essa singularidade simplesmente tenta resolver um problema que não existe.
Agora
voltemos à questão da inconsistência principal gerada pela ideia de que o
universo sofre intermináveis ciclos de contração e expansão. Um dos motivos
pelos quais a RG não funciona a densidades muito altas está ligado à
instabilidade do próprio espaço-tempo nessas condições que levaria qualquer
flutuação quântica a gerar inúmeros miniburacos negros, cada um com sua linha
de tempo interna, fazendo o espaço-tempo parecer uma “espuma” sem uma direção
definida que pudéssemos chamar de tempo. Em outras palavras, o conceito de
espaço-tempo se perde nessas circunstâncias. Com isso, conceitos como “antes” e
“depois” deixam de ser válidos. Isso torna sem sentido afirmações do tipo “o
universo sofreu uma contração, chegou a uma situação de alta densidade e veio a
expandir-se em seguida”. Isso não faz sentido porque, além da descontinuidade
na validade da RG que acontece no meio do processo, perdem-se também
informações ligadas a identidade e causalidade, o que nos proíbe de dizer se o
universo que entrou em colapso é o mesmo que se expande. Além disso, não temos
como conectar o tempo clássico de um com o do outro.
Para
tratar propriamente desse tipo de questão é preciso utilizar uma teoria
consistente de gravitação quântica (M-Theory?) e mesmo assim é bem provável que
simplesmente se confirme que o tempo clássico realmente não existe nesse
regime.
(Eduardo Lütz é físico e
engenheiro de software)