Pais
tentam preparar os filhos para o futuro. Buscamos no presente indícios de como
será o futuro, imaginamos como será o ambiente em que nossos filhos viverão, e
tentamos prepará-los. A novidade é que os esquilos fazem a mesma coisa. Os
esquilos vermelhos (Tamiasciurus
hudsonicus) vivem no norte dos Estados Unidos e no Canadá, onde o inverno é
longo e frio. Cada esquilo vive em um território delimitado, onde coleta as
sementes de uma espécie de pinheiro (Picea
glauca). No centro do território está o ninho, onde o esquilo estoca as
sementes necessárias para sobreviver durante o inverno. Se o esquilo não
conseguir estocar alimento suficiente, ele não sobrevive ao inverno.
Um
grupo de cientistas vem acompanhando uma comunidade desses esquilos desde 1989.
Eles descobriram que a densidade de esquilos na floresta varia muito de ano
para ano. O mínimo é de um animal em cada 10.000 metros quadrados e o máximo é
de quatro animais na mesma área. A densidade de animais em um dado ano é
determinada pela quantidade de alimento disponível no ano anterior. Se em um
ano existe muito alimento, a densidade de esquilos aumenta no ano seguinte. Ao
contrário do que você pode imaginar, esse aumento não é causado por um aumento
no número de nascimentos nos anos em que o alimento é abundante. O aumento é
devido a uma diminuição no número de esquilos que morrem por falta de alimento
no inverno que se segue a um verão abundante. Imagine que o ano um foi de muito
alimento, o dois será de alta densidade, mas como será o ano três? Se houver
muito alimento, a densidade populacional pode se manter, mas se o alimento for
escasso, e os esquilos não conseguirem estocar alimento, grande parte da
população morre e a densidade populacional volta a ficar baixa.
Estudando
essa constante flutuação da população de esquilos, os cientistas descobriram um
fato que chamou a atenção. Sempre que a densidade da população era alta em um
dado verão, o peso dos filhotes ao nascer era maior. Acompanhando o peso dos
recém-nascidos por muitos desses ciclos eles descobriram que sempre que a
densidade dos esquilos era alta, mesmo quando naquele ano havia pouco alimento,
e o inverno iria ser de alta mortalidade, os filhotes eram mais pesados. Em
outras palavras o peso dos filhotes dependia somente da densidade da população,
e não da disponibilidade de alimentos.
Essa
descoberta levou os cientistas a investigar a razão do aumento de peso dos
filhotes quando a densidade populacional era alta. Eles descobriram, medindo a
quantidade de hormônio nas fezes das mães, que a razão pela qual os filhotes
eram mais pesados era porque as mães, em locais de alta densidade populacional,
produziam mais hormônios. Mas como essas fêmeas sabiam que estavam em uma área
de alta densidade populacional?
Foi
aí que os cientistas tiveram a grande ideia. Como os esquilos produzem sinais
sonoros, uma espécie de grunhido, os cientistas imaginaram que talvez a
quantidade de grunhidos ouvidos pelas fêmeas fosse a maneira usada por elas
para “saber” que a densidade populacional estava alta. Para testar a hipótese
os cientistas gravaram os grunhidos dos esquilos e espalharam alto-falantes em
toda a floresta. Em uma parte da floresta os alto-falantes tocaram pios de
pássaros durante todo o verão, em outra parte tocaram os grunhidos dos próprios
esquilos, simulando a presença de mais esquilos na região. Quando os filhotes
dessas duas regiões nasceram foram cuidadosamente pesados. Na área em que a
densidade era baixa e a “música” tinha sido o pio de pássaros, o peso dos
filhotes foi baixo. Nas áreas em que viviam as fêmeas que ouviram os
alto-falantes tocando os grunhidos dos esquilos, o peso dos filhotes era maior.
Quando os cientistas mediram os níveis de hormônios nas mães o resultado se
repetiu. As mães que ouviram pássaros tinham baixos níveis hormonais, as que
ouviram grunhidos de esquilos tinham altos níveis hormonais.
Esse
resultado indica que os esquilos “deduzem” que estão em um ambiente de alta
densidade populacional pelo aumento do número dos grunhidos que escutam na
redondeza. Se a densidade populacional é alta, eles produzem mais hormônios e
os filhotes nascem mais pesados.
Mas
por que produzir filhotes mais pesados? É simples e bem conhecido: filhotes
mais pesados têm maior chance de sobreviver em seu primeiro inverno. A
desvantagem é que eles vivem menos anos.
A
conclusão é de que os esquilos, “sabendo” que a densidade está alta, e que a
comida no ano que vem pode ser mais escassa, produzem filhotes mais pesados. Se
a densidade é baixa, e as chances de fome no ano seguinte são menores, eles
produzem filhotes mais leves, capazes de viver um número maior de anos.
Tal
como os seres humanos, as mães esquilo usam informações do presente para prever
como será o ambiente em que seus filhotes viverão. E ainda no útero preparam os
filhos para uma vida melhor. Os esquilos podem não ler jornal, mas tentam
entender o presente, imaginar o futuro, e se preparar para enfrentá-lo.
(Fernando Reinach,
Estadão)