Quando pensa, o
homem pensa guiado por algum tipo de estrutura conceitual complexa e
abrangente. Por trás de suas ideias existe um pano de fundo, certo ponto de
partida na forma de dogma, nem sempre fácil de explicar ou definir, mas
fortemente poderoso, que lhe serve de orientação existencial. Por intermédio
dessa lente, o homem enxerga a si mesmo, a realidade e o mundo,
interpretando-se e interpretando o exterior mediante o instrumento da
linguagem. Em outras palavras, “todo pensamento teórico tem como ponto de
partida pressupostos fundacionais indemonstráveis, designados como axiomas,
modelos, paradigmas, matrizes discursivas, epistemas, mundividências (ou
cosmovisões), crenças, ideologias, etc.”. Evocando Blaise Pascal, no centro e
no recôndito do pensamento humano pulsa um coração que “tem razões que a
própria razão desconhece”.
Na esfera
filosófico-científica, dois “corações” batem com vigor, cada um impactando o
mundo de maneira diferente. Um deles pulsa concedendo vida a teses que concebem
o Universo e a humanidade como resultados do mero acaso, acidente ou sorte,
excluindo o propósito cósmico e pessoal do cenário da vida: este é o
evolucionismo na sua forma mais radical. Outro “coração”, o criacionismo,
insiste em bater com base no fato da Criação especial, imprimindo significado
transcendente a tudo que existe e não excetuando de suas considerações o
problema do mal e do sofrimento. Se ambos podem ser classificados como modelos
ou estruturas conceituais, qual deles bate no ritmo certo da realidade e possui
maior poder explanatório perante os fatos da história, as leis da natureza e as
anomalias e absurdidades do mundo? Outra pergunta de grande importância: Como
tais modelos podem estar relacionados com o anseio por esperança que o ser
humano traz no íntimo?
Para Nancy Pearcey, estudiosa das cosmovisões, “todo sistema de
pensamento inicia-se em algum princípio último. Se não começa com Deus, começa
com uma dimensão da criação – o material, o espiritual, o biológico, o empírico
ou o que quer que seja. Algum aspecto da realidade criada será ‘absolutizado’
ou proposto como base e fonte de tudo o mais – a causa não causada, o existente
por si mesmo”. Dessa forma, conforme Langdon Gilkey, “quer o deseje, quer não,
o homem como criatura livre deve moldar sua vida de acordo com algum fim
último, deve centrar sua vida em alguma realidade última escolhida e deve
submeter sua segurança a algum poder de confiança. O homem é, portanto,
essencialmente, não acidentalmente, religioso, pois sua estrutura básica, como
dependente e, todavia, livre, inevitavelmente enraíza sua vida em algo último”.
Enquanto na mentalidade cientificista as leis naturais são consideradas
o fato bruto e último do Universo - concorrentes de Deus -, o pensamento
criacionista aponta em direção à Causa pessoal não causada - o Criador eterno.
Aqui há enorme diferença de concepções, pois, metafisicamente, o criacionismo
sustenta-se sobre uma base supranatural não reducionista, conferindo à
existência o sensus divinitatis. Entretanto, em sua visão limitada e
encantados pelas leis da natureza, os cientistas materialistas acham
inadmissível qualquer Presença pessoal por trás do cosmos. Por quê? Porque
as leis naturais realmente nos causam espanto, a ponto de querermos torná-las os
“deuses da matéria”. Aqueles que têm o privilégio de estudá-las a fundo ficam
assombrados com a linguagem matemática dessas leis. Quem sabe o maravilhamento
para com o Universo tenha sido o elemento responsável para conduzir alguns
homens ao processo de “divinização” da natureza. Assim, a postura de muitos
cientistas indica que, sutilmente, a natureza é “deificada”, mas de maneira bem
diversa daquela do passado mitológico. O endeusamento atual é consequência do
deslumbramento humano em face das leis físicas, químicas e biológicas,
“adoradas” pela maioria daqueles que investigam os misteriosos e grandes
segredos da vida. Nesse processo de investigação, infelizmente, o Legislador
vem sendo ostracizado e desconsiderado por uns, e até zombado pelos mais acérrimos
inimigos da ideia de um Deus pessoal – indivíduos competentes em sondar e
descobrir coisas incríveis que olhos não treinados não são capazes de enxergar.
Admiram-se diante da maravilha, mas olvidam o Maravilhoso; ou, como expressou
A. W. Tozer, “o cientista moderno perdeu a Deus no meio das maravilhas do mundo
de Deus”.
Porém, é difícil
não perceber “o rumor de algo invisível por trás da Criação (...). Cada
descoberta traz consigo novas perguntas que têm multiplicado os mistérios que
nos cercam. O que está cada vez mais claro, porém, é que o movimento da
descrição para a explanação está além da esfera da pesquisa científica
unicamente. Do infinitesimal para o infinito, o design e a estrutura da
natureza apontam inexoravelmente para as maravilhas de coisas ainda não vistas.
A ciência continua a revelar a infraestrutura oculta da natureza. E com cada
nova descoberta, surgem mais evidências de um tecido supranatural, que não
somente abastece e anima o cosmo, mas também detém as derradeiras respostas acerca
do Universo e da realidade propriamente dita. (...) Há alguma coisa não
totalmente natural acerca da ‘natureza’”.
“No princípio,
criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1:1). O coração do criacionismo bate
nessa esperança fundamental. Crendo-se nas linhas iniciais de Gênesis,
renuncia-se a pseudoconcepções que só deixam o homem ainda mais perdido e
incompleto, entre as quais: “O ateísmo, inequívoca negação da existência de
Deus, é falso porque Deus é. O materialismo, que pretende explicar todas as
experiências da vida em termos das leis físicas, e nega a necessidade de crer
em Deus como a Causa eficiente de todas as coisas, é falso porque aqui se vê
que a matéria um dia começou a existir. O dualismo, ensinando que há dois
princípios eternos, até mesmo dois seres divinos – um mau e outro bom – em
oposição mútua, é falso porque no princípio havia Deus somente. O panteísmo,
que afirma que tudo é Deus e Deus é tudo, identificando Deus e natureza,
insistindo na eternidade da matéria, e asseverando que a matéria pode de si
própria originar vida, é falso porque Deus estava fora de Sua criação. O
politeísmo, que é culto a muitos deuses, é falso porque só havia um Deus
criando. O evolucionismo, definido como a teoria de que, mediante processos
naturais e por transformação gradual, todas as coisas derivam de materiais
preexistentes, é falso porque céus e terra foram criados.”
Encontrar a
verdade nos discursos mais extraordinários constitui uma possibilidade aberta
ao teste da investigação histórica e científica. Afirmações suprarracionais que
parecem não fazer sentido por causa de leituras enviesadas e interpretações
enganosas, conhecimento fragmentário, pressupostos filosóficos, limitações do
pensamento ou preconceito, podem ser encaradas como antigas verdades que ainda
encontram correspondência na mente científica. Na procura por nossas origens,
pela "ancestralidade comum universal", teremos de adotar algum
discurso extraordinário, admitir certa metanarrativa, crendo e vivendo pelas
evidências buscadas em todos os campos do conhecimento. É assim que formamos
nossa visão de mundo, a qual precisa ser testada no laboratório da experiência
humana.
Talvez para
aqueles que analisam superficialmente as teses criacionistas, aos seus olhos
estas não passem de obscurantismo alimentado pela superstição e arrogante
pretensão dogmática. Nada mais equivocado! Visto mais de perto sem o olhar do
preconceito e da ignorância, o criacionismo não só permite decifrações mais
consistentes diante do enigma de “por que existe algo ao invés de nada?”, mas
também incute fôlego cognitivo ao ser humano desejante de respostas que o
salvem do seu “peso existencial”. Dessa forma, se a crença na evolução
mecanicista causa incertezas e o desencantamento do mundo, aceitar os
fundamentos essenciais do criacionismo significa receber um impacto de
esperança: esperança que se traduz no passado originado pelo fiat divino,
na realidade presente guiada pela Providência e no futuro em que a criação será
renovada e revestida de glória inimaginável. Assim, o criacionista sente-se
amparado pela benevolente Consciência supervisionadora que se encontra além da
natureza e de suas leis. Para ele, explicar regularidades e fenômenos não é
suficiente; constitui apenas uma parte do processo de investigação que começa
com o mundo material, mas prossegue em trajetória até Deus. Nesse percurso, o
visível e o invisível se entrelaçam, e o mundo da ciência encontra-se com o
universo da fé. Logo, o criacionismo é uma cosmovisão permeada de esperança,
porquanto, através de suas lentes, toda a realidade é observada e estudada sob
o enfoque da criação e da redenção.
Como bem disse
João Calvino: “O que seria de nós se não nos apoiássemos na esperança, e se
nossos sentidos não se dirigissem para fora deste mundo, no caminho iluminado pela
Palavra e pelo Espírito de Deus em meio a essas trevas?” O caráter
extraordinário do criacionismo constitui um tremendo desafio à mente que
procura por luz e sentido, e não somente por ciência e explicações. De mãos
dadas com a fé, o criacionismo abre uma janela de perspectivas capaz de
direcionar nossos pensamentos e afetos para além do mundo contingente; ele é
uma ponte de esperança que une o “como” ao “porquê”.
(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)
(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)