Na visão de mundo bíblico-criacionista estão embutidos
valores preciosos não encontrados em qualquer cosmovisão concorrente, os quais
marcam a existência com as digitais do Criador. Originados no Ser Supremo, eles
apontam para dimensões significativas da vida, imprimindo sentido, propósito,
segurança e o senso de eternidade sobre nossa finitude e contingência. Somos
constantemente lembrados, por meio do quarto mandamento, do mais alto
desses valores sagrados: a devida adoração ao Deus invisível em espírito e em
verdade.
A primeira semana do mundo encerra-se com a
instituição do sábado, o sétimo dia separado,
abençoado e santificado pela grandiosa Trindade. De um tempo de caos para um
tempo de ordem, o mundo sai da solidão escura do primeiro dia para o sábado
luminoso quando Deus, homem e natureza comungam para “descansar”. Nesse
momento, “as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de
Deus rejubilavam” (Jó 38:7): em enaltecimento ao Criador de obras perfeitas e belas,
uma explosão de louvor percorre o Universo admirado. O Céu, os mundos gloriosos
e a Terra recém-formada dão as boas-vindas ao sétimo dia - o monumento temporal
da criação e memorial de eterna lembrança da majestade, poder e amor do Ser
infinito.
“Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus, a terra,
o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou” (Êxodo 20:11). Embora
quase universalmente esquecido, o sábado permanece como um mandamento ainda a
ser observado, abrangendo a dimensão física, psicológica e espiritual do ser
humano. No aspecto espiritual, ele é um símbolo da graça, pois sendo o
“santuário no tempo” está disponível a todos, vindo ao encontro das criaturas
onde quer que estejam. Não há limitações geográficas, pois “o significado do sábado
é celebrar o tempo em vez do espaço. Durante seis dias por semana vivemos sob a
tirania das coisas do espaço; no sábado procuramos estar sintonizados com a
santidade no tempo. É um dia no qual somos chamados a participar do que é
eterno no tempo, de nos volvermos dos resultados da criação para o mistério da
criação; do mundo da criação para a criação do mundo”.
Deus atua no espaço-tempo; está em todos os lugares e
épocas, sendo uma constante e benévola presença. No sétimo dia, Ele Se revela
de forma especial como o Pai da criação, o “Pai nosso”; contudo, nos círculos
esotéricos e místicos, vê-se muito a expressão “Mãe Natureza”. Mesmo que tal
expressão seja uma metáfora para indicar a relação próxima mantida entre o
homem e o mundo natural, no perspicaz pensamento de Gilbert Keith Chesterton, “apenas
o sobrenatural pode assumir uma visão sadia da natureza. A essência de todo
panteísmo, evolucionismo e religião cósmica moderna está realmente nesta
proposição: que a natureza é a nossa mãe. Infelizmente, se você considerar a
natureza como mãe, vai descobrir que ela é madrasta. O ponto principal do
cristianismo era este: que a natureza não é a nossa mãe [...]. Podemos sentir
orgulho de sua beleza, uma vez que temos o mesmo pai; mas ela não tem
autoridade sobre nós”. Concordando com Chesterton, em linguagem imbuída de
profundo sentimento religioso, Ellen G. White acrescenta: “Poetas e
naturalistas têm muito o que dizer acerca da natureza; mas é o cristão quem
mais sabe apreciar as suas belezas, porque reconhece a obra de seu Pai,
percebendo Seu amor em cada flor, arbusto ou árvore. Ninguém pode apreciar
plenamente o significado de montes e vales, rios e lagos, se não os vê como uma
expressão do amor de Deus aos Seus filhos.”
Por meio do sábado, o pensamento criacionista confere
valor à natureza, indicando que toda a criação tem Pai, o Ser pessoal que a
criou e a mantém protegida do controle destrutivo e avassalador do mal. Nesse
sentido, sendo originalmente uma revelação perfeita do amor de Deus aos Seus
filhos, a natureza, hoje vitimada pelo pecado, emite uma mensagem ambígua na
qual o bem e o mal lutam em guerra incessante. No seu estado atual, a natureza nos
fala com língua bifurcada: beleza e feiura, altruísmo e seleção natural, ordem
e catástrofe, vida e morte. Na realidade, “quando observamos o pacífico cenário
da planície ou os vales das montanhas envoltos no mágico encanto da tarde,
vemos a aparência de uma harmonia que é quase edênica. Mas o estudante da
natureza sabe muito bem que debaixo desse manto de paz, a batalha horrível de garra
e pata se está travando. [...] No mundo natural Deus prefere contender com
Satanás de modos naturais. [...] Um conhecimento deste equilíbrio dinâmico na
natureza fortifica a confiança do homem na providência e no cuidado de Deus. Ele
vê a operação de um Ser todo-sábio e todo-poderoso, que permite a desobediência
para demonstrar sua insuficiência e futilidade, mas que cuida dos Seus enquanto
essa demonstração está em processo, e torna suave a vida para Seus adoradores,
embora eles vivam nas horas finais de um mundo terrivelmente maculado e
desorganizado.”
Ainda que espancada pelos efeitos do pecado, consegue
a natureza nos trazer à consciência a paternidade divina? Sim! Nela mesclam-se
as mensagens da criação e da redenção, porquanto “o mundo, embora caído, não é
todo tristeza e miséria. Na própria natureza há mensagens de esperança e
conforto. Há flores sobre as ervas daninhas, e os espinhos estão cobertos de
rosas”. Assim, semanalmente, observando o sábado, lembramos do “Pai Nosso” e,
esperançosos, aguardamos o mundo ser redimido e restaurado à glória original,
quando despontará o reinado pacífico em que “o lobo habitará com o cordeiro, e
o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal
cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará. A vaca e a ursa pastarão
juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi. A
criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão
na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o Meu santo monte,
porque a Terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o
mar” (Isaías 11:6-9).
O filósofo cético Bertrand Russel, em tom sinistro e
desprovido de qualquer esperança, reconheceu o absurdo da vida guiada pela
cosmovisão meramente científica. Ele declarou: “Ainda mais despropositado, mais
vazio de sentido, é o mundo que a ciência apresenta para que nele creiamos. Em
meio a um mundo assim, nossos ideais devem encontrar seu espaço daqui para a
frente. Que o homem seja o produto de causas que não previam o fim a ser
atingido; que sua origem, seu crescimento, suas esperanças e temores, seus
amores e crenças sejam tão só o resultado de combinações acidentais de átomos;
que nenhuma paixão, nenhum heroísmo e nenhuma intensidade de pensamento e
sentimento possam preservar uma vida individual após a tumba; que todos os
labores dos séculos, toda a devoção, toda a inspiração e todo o brilho
meridiano do gênio da humanidade sejam destinados à extinção na vasta morte do
sistema solar, e que o templo inteiro das conquistas do homem deva ser
inevitavelmente sepultado sob os escombros de um universo em ruínas – todas
essas coisas, se não são indiscutíveis, são, todavia, quase tão certas que
nenhuma filosofia que pretenda rejeitá-las pode ter a esperança de permanecer.
Somente junto aos andaimes dessas verdades, somente sobre o firme fundamento de
um desespero obstinado, pode a habitação da alma ser edificada com segurança
daqui para a frente.”
Contrariando essa desesperança de Russel está o sétimo
dia, a nos lembrar de que há sentido cósmico e individual. O sábado oferece
resposta para as três questões universais: De onde vim? Por que estou aqui? Para onde
eu vou? Na perspectiva sabática do descanso divino, o passado, o
presente e o futuro são instâncias do tempo circundadas pela esperança. Esse
fragmento do tempo nos traz não só a recordação constante de que somos amados
por Deus, mas também a promessa de dias melhores, dias eternos (Hebreus 4:9).
Mais do que um dia comum, o sábado nos transporta para o “viver no espírito” no
qual “o coração que ainda não se acha endurecido pelo contato com o mal está
pronto a reconhecer aquela Presença que penetra todas as coisas criadas. O
ouvido, ainda não ensurdecido pelo clamor do mundo, está atento à Voz que fala
pelas manifestações da natureza. E para os [...] que necessitam continuamente
dessa silenciosa lembrança das coisas espirituais e eternas, proporcionadas
pela natureza, será o ensino desta não menos uma fonte de prazer e instrução”.
Em suma, a fim de nos guardar do
vazio existencial e da filosofia do desespero, muito presentes no ser humano contemporâneo,
foi o sábado especialmente separado por Deus para reafirmar nossa filiação
divina e nos avisar de que não somos órfãos cósmicos, lançados na solidão da
vida sem qualquer vislumbre do horizonte eterno. Que importância e valor temos? O
sábado nos assegura de que não somos animais evoluídos descendentes de
ancestrais simiescos, mas que temos origem diferenciada e especial. Somos filhos
de Deus, formados à Sua imagem e semelhança. Por isso, o mandamento: “Lembra-te
do dia de sábado...” (Êxodo 20:8), já que na memória precisa ficar gravada a
história da criação, pois esquecer-se dela significa não perceber o sentido
transcendente de nossa presença no mundo.
Durante as vinte e quatro horas sagradas, o Criador
chama a atenção do ser humano, querendo-lhe, semanalmente, sinalizar a convicção:
“Você é Meu filho. Eu o criei. Jamais esqueça isso!” Portanto, guardar o
sábado vai além da abstenção de atividades seculares; observar o sétimo dia, na
letra e no espírito, é lembrar que temos um Pai que nos valoriza. Significa
estar selado como filho de Deus.
(Frank de
Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos,
Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Sergipe)