
Ardi e seus companheiros de espécie estariam entre os primeiros primatas a comprovadamente caminhar com duas pernas, tal como o homem. É o que argumentava a equipe liderada por Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley (Costa Oeste dos EUA).
Besteira, declarou à Folha Esteban Sarmiento, primatologista da Fundação Evolução Humana, em Nova Jersey. “O Ardipithecus é um quadrúpede palmígrado [ou seja, apoiava-se nas plantas das quatro patas], e não um bípede. Aliás, é muito difícil dizer se o fóssil [Ardi] era um macho ou uma fêmea.” [Eita!] Mais importante ainda: o animal seria, na verdade, um grande macaco africano primitivo [bem que a gente falou, mas quem ouve os criacionistas?], talvez anterior à separação entre as linhagens de humanos e chimpanzés. [Outra ficção que merece ser “destronada”.]
Até certo ponto, problemas de interpretação são naturais quando se trata de um fóssil como esse. [Agora é que dizem? Digam isso para milhões de pessoas que ainda acreditam que o “elo perdido” foi achado.] Embora fragmentos de outros indivíduos da espécie já tenham sido achados, Ardi é, de longe, a mais importante fonte para entender o A. ramidus, por causa de seu esqueleto relativamente completo.
Ocorre, porém, que os milhões de anos de preservação distorceram vários dos ossos do bicho, em especial os da pelve (quadril), importantes justamente no debate “dois pés versus quatro patas”. [Não são apenas os “milhões de anos” que distorcem a amostra – aliás, argumentozinho bem conveniente –, a filosofia por trás do pesquisador também distorce duas conclusões.]
Além disso, a idade remota, próxima do momento estimado para a separação evolutiva entre as linhagens do homem e do chimpanzé, também é fonte de confusão. Isso porque, em tese, quanto mais perto dessa divergência, mais difícil fica dizer quem é pré-humano e quem é apenas macaco. [Hmmm...]
Sarmiento aponta que White e companhia teriam errado feio na interpretação dos detalhes mais significativos do esqueleto. Em resumo, ele diz que traços dos dentes, da pelve e dos membros da espécie lembram mais os dos grandes macacos mais antigos, com uns 10 milhões de anos [sic].
O problema é que esses bichos mais primitivos só foram encontrados até agora na Europa e na Ásia. Há uma lacuna no registro deixado pelos fósseis na África, tanto que até agora ninguém reconheceu oficialmente a descoberta de um protochimpanzé ou protogorila.
Sarmiento aposta que a “mania” de achar apenas hominídeos na África, com idade de 7 milhões de anos para cima, pode ser explicada por um viés dos cientistas: ninguém quer afirmar que achou “apenas” um ancestral dos chimpanzés ou dos gorilas, critica ele.
Paleoantropólogos ouvidos pela Folha disseram que a crítica tem fundamento. “Embora o Dr. White e seus colegas tenham descoberto um fóssil fabuloso de grande macaco, tentaram forçar a mão e transformá-lo num hominídeo [!], coisa para a qual não há base nenhuma”, diz o americano Lee Berger, da Universidade do Witwatersrand (África do Sul).
“Creio que esse é só o primeiro de uma avalanche de artigos. Apesar da força considerável de personalidade do Dr. White, nem ele é capaz de forçar a área a aceitar o A. ramidus como hominídeo.” [...]
(Folha.com)