Mais desrespeito no país do deboche |
Diz
a sabedoria [sic] popular que há três coisas que não devem ser discutidas, para
se manter a paz em qualquer ambiente: política, religião e futebol.
Infelizmente, os três assuntos parecem estar intimamente ligados uns aos
outros, especialmente aqui o Brasil, onde para muitas pessoas o futebol é uma
religião. Mais ou menos como mostra o comercial criado pela Grey para
a Cerveja Foca. No Brasil, a Lei de Liberdade Religiosa permite que
qualquer fiel saia em horário de trabalho para “professar seus credos”,
desde que a religião seja reconhecida pelo governo brasileiro. Foi aí que, com
a ajuda de um advogado, a Cerveja Foca resolveu oficializar em um cartório o
futebol como a religião com mais seguidores no país – e a bebida quer se tornar
sua água benta. Para facilitar a vida dos torcedores, digo, fiéis, a marca
criou um site em que os usuários informam qual o jogo que querem assistir e quando.
Na data, um e-mail é enviado à empresa, informando que a lei obriga o
funcionário a ser dispensado. [...]
Nota:
Que o futebol arregimenta legiões de fanáticos em nosso país, isso não é
novidade. Mas o que essa cerveja e esse advogado fizeram é um absurdo total e uma
tremenda falta de respeito para com aqueles que lutam para ter seus direitos
religiosos preservados. É o tipo de reconhecimento (o do cartório) que só dá
certo num país que debocha de tudo e não leva nada a sério. Em muitos países,
liberdade religiosa (e de expressão, também) é conquistada a preço de sangue,
mas no Brasil o assunto vira piada e estratégia de marketing. A campanha ironiza também um símbolo católico – a água
benta –, comparando-o à cerveja. Como a maioria da população brasileira é
católica, isso significa que a maioria dos aficionados por futebol e
consumidores de cerveja pertence a essa denominação religiosa. Eles deveriam
boicotar essa marca. Irreverência, desrespeito, deboche, comparações absurdas –
é isso ou se apela para o lugar comum da mulher objeto. A cerveja Foca ficou
com a primeira opção de desrespeito, e tenho a impressão de que, como sempre
acontece, o povo ainda vai achar graça da piada de mau gosto. [MB]
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