Oposição ideológica |
Não
é de hoje que as teorias sobre a origem da vida são motivo de polêmica.
Trata-se de uma dúvida perturbadora, um mistério que atormenta os seres humanos
desde a Antiguidade. Com base em questionamentos sobre nossa existência,
apareceram, no decorrer dos anos, diversas teorias que tentam explicar a origem
da vida na Terra. Na segunda metade do século 19, o inglês Charles Darwin
apresentava ao mundo a teoria da evolução. Nessa teoria, o homem é visto como
um resultado de mudanças que ocorreram com o passar do tempo. Foram necessários
vinte anos de estudos e pesquisas em diversos ambientes para que Darwin
publicasse essa teoria, uma vez que, naquela época, as crenças religiosas
contrariavam suas descobertas. Desse modo, apenas em 1859, lançou o livro A origem das espécies através da seleção natural. Nessa obra o
naturalista defende que apenas os seres mais adaptados ao seu meio sobrevivem e
passam suas modificações para as próximas gerações. Essa ideia causou muitos
debates na comunidade científica e religiosa.
As
discussões ainda perduram nos dias atuais, já que a teoria criacionista é bem
aceita pela população em geral, principalmente por estar de acordo com os
relatos bíblicos. Quem segue uma religião cristã já se deparou com um dilema ao
estudar na escola a teoria da evolução, pois a crença tradicional é a de que
Deus criou o mundo e seus primeiros habitantes foram Adão e Eva, conforme
consta na Bíblia.
A
mestre em Biologia Marinha Natália Alves explica que a vida teria surgido da
água através de processos evolutivos e, posteriormente, a seleção natural. Essa
etapa, que compõe o início da teoria da evolução, é conhecida como evolução
molecular. “A partir de compostos inorgânicos como carbono, hidrogênio,
oxigênio, nitrogênio, dentre vários outros, foram realizadas combinações por
meio de reações químicas, dando origem a outras moléculas orgânicas com maior
complexidade”, afirma.
A
bióloga cita, por exemplo, as proteínas e os carboidratos e relata que essas
moléculas são essenciais para os seres vivos. As séries de reações químicas que
teriam ocorrido para dar origem à vida só teriam sido possíveis devido à
presença das moléculas de água no estado líquido.
Existe
uma terceira teoria que tem conquistado espaço na comunidade científica e
agradado alguns religiosos. Trata-se do design
inteligente, inicialmente proposta pelo teólogo William Paley, em 1831. Essa
teoria tenta provar que certas características da vida na Terra são mais bem
explicadas se considerarmos uma causa inteligente. A linha de pensamento aceita
alguns conceitos expostos por Darwin e procura evidenciar seus erros e acertos.
A vida teria sido criada por uma causa inteligente, a partir disso os seres
sofrem modificações chamadas de “microevoluções”.
No
livro Fique por dentro da evolução,
David Burnie afirma que a teoria de Darwin está sujeita a leis que podem ser
verificadas por experimentos. Contudo, os vários elementos do acaso, envolvidos
na evolução, fazem com que seus futuros passos nunca possam ser previstos. É
nessa brecha que os adeptos do design
inteligente encontram controvérsias. Eles afirmam que muitos aspectos da
evolução são expostos de forma teórica e filosófica, ou seja, uma série de
suposições que eles classificam como “naturalismo metafísico”.
Segundo
o coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente (NBDI) e mestre em
História da Ciência Enézio Eugênio de Almeida Filho, existem diferenças
fundamentais entre o criacionismo e o design
inteligente. Ele afirma que o criacionismo é baseado em relatos sagrados de
criação, enquanto o design
inteligente procura evidências na natureza [embora os criacionistas também façam
isso]. “A teoria do design
inteligente é simplesmente um esforço de detectar empiricamente se a
complexidade de tudo o que existe na natureza, fato reconhecido por todos os
biólogos, são designs genuínos ou
produtos do acaso, como a seleção natural”, explica.
A
doutora em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Liliane Amorim afirma que os fósseis, a diversidade biológica, a seleção
natural e as mutações são as principais evidências da evolução, mas não
descarta a possibilidade de acreditar em uma teoria criadora. “A força que rege
a evolução pode ser chamada de Deus, mas não seria o Deus humanizado que a
religião prega”, diz.
Sobre
o acalorado embate entre evolução e criacionismo, Liliane é categórica: “É
impossível mudar a fé das pessoas e não acredito que um dia isso vá acabar,
porém, acho que devemos respeitar. A teoria da evolução deve ser estudada, pois
é uma linha da Biologia.” Enézio Filho concorda, mas, com algumas ressalvas:
“Somos a favor de que a teoria da evolução de Darwin e os mecanismos
evolucionários sejam ensinados de forma objetiva e honesta.” Endossando o
debate, Natalia afirma: “Apesar de acreditar que a origem da vida está
relacionada com a criação e das várias polêmicas que rodeiam esse tema, a
evolução das espécies é um fato incontestável com inúmeras evidências científicas
que provam [sic] as mudanças dos seres vivos ao longo do tempo.”
Embora
haja divergências entre os adeptos do design
inteligente e do criacionismo em relação à evolução, essa teoria é aclamada
pela comunidade científica como “verdade absoluta”. Sobre o caráter científico
do design inteligente, Enézio Filho
diz: “A teoria do Design Inteligente ainda não chegou à mesa da academia para
ser considerada no seu caráter científico. A questão não é uma guerra cultural
entre criação versus evolução, é uma
questão estritamente científica. As especulações transformistas de Darwin são
corroboradas no contexto de justificação teórica? Acredito que a oposição feita
ao criacionismo é ideológica.”
(Maicon de Almeida,
Manaces Silva e Renan Freitas)