"Consciência moral da humanidade" |
Quando se fazem experiências no Grande
Colisor de Hádrons, o acelerador de partículas ou LHC, a informação gerada e
capturada pelos computadores é tanta que os cientistas levam meses e até anos
para analisar a montanha de dados. De certa forma, a passagem do papa Francisco
pelos Estados Unidos foi como uma tremenda colisão de partículas. Em uma
semana, foi gerada tanta informação que chegou a deixar o mundo aturdido. Vai
levar um bom tempo para digerir tudo o que aconteceu, tudo o que foi dito.
Na Casa Branca, a convite do presidente
Barack Obama que o recebeu no aeroporto, honra concedida a pouquíssimos, o papa
Francisco disse que “a mudança climática é um problema que não
podemos deixar para as gerações futuras. [...] Estamos em um momento crítico.
Estamos a tempo de fazer a mudança de que necessitamos, de criar um mundo
sustentável.” Para o papa, somente um governo global poderá dar conta desse desafio.
No dia seguinte, falando no lotadíssimo Congresso
norte-americano, aplaudido de pé várias vezes, o primeiro papa a discursar ali
disse que é preciso combater o fundamentalismo em todas as suas formas, as
polarizações e promover a união pelo bem comum. Com isso todos concordam,
embora a maioria ignore as nuances delicadas desse discurso. O presidente da Câmara, o republicano John Bohener, é
católico, assim como a líder da minoria democrata, Nancy Pelosi. Bohener
derramou lágrimas ao ouvir as palavras do papa. Ao todo, Francisco foi
aplaudido 36 vezes.
Na sexta-feira, dia 25, diante dos líderes de 193 nações,
enquanto a bandeira do Vaticano tremulava pela primeira vez entre as bandeiras
dos países membros da ONU, no gigantesco “templo laico” da democracia
globalizada, nunca antes tão repleto de gente, Francisco apresentou outro
discurso fortemente aplaudido. O papa falou sobre a necessidade de se deixar
de lado ideologias e procurar o bem comum. Ele disse que “nenhum indivíduo ou
grupo humano pode se considerar onipotente, autorizado a passar por cima dos
outros”.
Mas
foi durante a missa em frente ao Independence Mall, na Filadélfia, no último
dia de sua visita aos Estados Unidos, que o papa disse aquela que talvez seja a
sua frase mais contundente: segundo o líder católico, é preciso que sejam
estabelecidas leis para criar “condições mínimas e
necessárias para que as famílias, especialmente as que estão começando, possam
se desenvolver”. Quem conhece um pouco as ideias e propostas de Francisco sabe
que ele já propôs que o domingo seja um dia para preservar a família, além de
ajudar a salvar o meio ambiente. É bastante significativo que ele tenha tocado
nesse assunto justamente em frente ao prédio em que foi assinada a Constituição
Americana, em 1787.
Seria difícil os Estados Unidos aprovarem uma lei que garantisse o descanso dominical? Bem, o recado já foi dado por Francisco. E se levarmos em conta que 31% dos congressistas norte-americanos são católicos, em comparação com os 22% da população do país, e que na Corte Suprema seis dos nove juízes são católicos, parece não ser muito difícil a aprovação de uma lei dessa natureza.
O fato é que a passagem do
papa Francisco pela maior nação protestante mostra que ele conquistou o planeta.
O jornal El
Mundo de hoje traz a manchete: “América proclama Francisco líder moral
planetário”, e diz que os Estados Unidos se renderam aos seus pés ao se
proclamar líder global.
E na Folha
de S. Paulo desta segunda-feira, o ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens
Ricupero, escreveu: “Que
outro líder mundial seria capaz, em uma semana, de conquistar o homem da rua e
os poderosos de dois países opostos em tudo, como Cuba e Estados Unidos? Qual é
o segredo de Francisco, única pessoa que consegue ser aplaudida por 193 países
da ONU e escutado com respeito pelo mais polarizado e rancoroso congresso da
história americana? [...] Em meio a um deserto
de líderes, de políticos medíocres, sem grandeza, que erguem muros contra gente
desesperada, ele brilha como a consciência moral da humanidade.”
Assim como a superlua foi
eclipsada pela sombra da Terra ontem à noite, Francisco vem eclipsando todos os
líderes do planeta, submetendo-os à sua influência e conquistando respeito e
espaço para contar com todos na aprovação de suas propostas.
Michelson Borges