Desserviço à história da ciência |
Ernst
Haeckel, um zoólogo alemão e forte defensor do darwinismo, propôs novas noções de descendência evolutiva dos
seres humanos para a sua época.[1] Haeckel usou seus desenhos falsificados para apoiar não só a teoria da evolução,
mas também sua própria “teoria da recapitulação”, segundo a qual os embriões
passam pelos estágios adultos de seus ancestrais no processo de desenvolvimento. Nas palavras de Haeckel, a “ontogenia
[desenvolvimento] recapitula a filogenia [evolução]”. Em outras palavras, isso significa que os
estágios adultos de antepassados seriam repetidos durante o desenvolvimento
dos descendentes. A versão de Haeckel, com uma
visão verdadeiramente evolucionista, foi inspirada em A Origem das
Espécies (1859), de Charles Darwin,
traduzido para o alemão em 1860.[2]
Haeckel postulou a teoria da recapitulação, a qual se tornou
conhecida como a “lei biogenética”. O curioso
em relação a essa lei reside no fato de que 38 anos antes da publicação
de Haeckel, o anti-evolucionista e embriologista Karl Ernst von Baer
publicou sua obra (1828), que foi ignorada por Haeckel.[3] Sua quarta lei dizia: “Os primeiros
estágios no desenvolvimento de um animal não são como os estágios adultos de
outros animais inferiores na escala, mas são como as primeiras fases daqueles
animais.”[4: p.40, 52] Assim, vemos que a pressão exercida pela teoria
evolutiva sobre a teoria de Haeckel fez com ela prevalecesse sobre a de von
Baer.
Darwin, é claro, também
acreditava na recapitulação. Ele escreveu em A
Origem das Espécies que a evidência embrionária
parecia mostrar que “os embriões das mais distintas espécies pertencentes à
mesma classe são mais aproximadamente similares, mas se tornam, quando
plenamente desenvolvidos, amplamente dissimilares”, um padrão que “revela a comunidade
da descendência”.[5: p. 386-96; 6: p.
79] Ele pensou que os embriões em seu estágio inicial “nos mostram, mais ou
menos completamente, a condição do progenitor de todo o grupo no seu estado
adulto”.[7: p. 395] Dito de
outra forma, Darwin acreditava que a semelhança de embriões de
vertebrados nos seus estágios iniciais revelava sua suposta ancestralidade
comum.
Devido ao fato de não ser embriologista,
Darwin se apoiou no trabalho de alguns biólogos. Ele citou, por exemplo, von Baer acerca da
suposta ideia de que os embriões são mais parecidos em suas primeiras fases: “Os
embriões de mamíferos, de aves, lagartos e cobras, provavelmente também de
chelonia [tartarugas], estão em seus estados primários extremamente semelhantes
entre si, ambos como um todo e no modo de desenvolvimento de suas partes;
tanto, de fato, que muitas vezes podemos distinguir os embriões apenas pelo seu
tamanho.”[8: p. 387-8] Entretanto, essa citação está totalmente fora de seu
contexto original, visto que von Baer minimizava em seus textos a similaridade desses animais durante a ontogenia.
Nesse sentido, é possível
perceber que a recapitulação defendida por Darwin e Haeckel foi uma tentativa de aplicar a semelhança
embrionária (homologia) em apoio da descendência comum. Apesar da falta de consistência da lei biogenética, e das muitas
críticas fundamentadas de muitos renomados embriologistas contra essa suposta
teoria, ela se popularizou, pois
era muito atraente para os evolucionistas.
Em seu livro Natürliche Schöpfungs-geschichte
(A História Natural da Criação), publicado em alemão em 1868[9] e em inglês em
1876,[10] Haeckel usou uma série de
desenhos que sustentavam sua teoria. Dentre esses desenhos estava um do 25º dia
de um embrião de cachorro que tinha sido anteriormente publicado por T. L. W.
Bischoff, em 1845, e um desenho da 4ª semana de um embrião humano, publicado em
1851-59 por A. Ecker.[11] Se não bastasse, Haeckel havia somado 3,5 mm ao
desenho da cabeça do embrião de cachorro, desenhado por Bishoff, e subtraído 2
mm do desenho da cabeça do embrião humano desenhado por Ecker, dobrou a duração
do posterior humano e alterou substancialmente os detalhes do olho humano.
Em 1874, os desenhos de
embriões de Haeckel foram provados falsos pelo famoso embriologista comparativo
e professor de anatomia na Universidade de Leipzig, Wilhelm His.[11] Ele havia
visto que os desenhos de Haeckel omitiam completamente os estágios iniciais,
que são muito diferentes, e começava em um ponto, na metade do caminho do
desenvolvimento, em que são mais similares. Em 1910, por sua vez, o jornal New York Times publicou uma reportagem
que expôs a fraude de Haeckel e a popularizou.[12]
Daí em diante, diversos
cientistas criticaram tanto a teoria quanto os desenhos de Haeckel. Em 1976, o
embriologista William Ballard escreveu que é “somente com o uso de truques
semânticos e seleção subjetiva da evidência”, ao “dobrar os fatos da natureza”,
que alguém pode argumentar que os estágios iniciais dos vertebrados são mais
semelhantes que seus adultos.[13] Embora os desenhos de Haeckel tivessem sido
denunciados como fraude pelos seus contemporâneos, e ele próprio tivesse
confessado que uma pequena porcentagem de seus desenhos eram falsificações e,
diante disso, condenado por um tribunal universitário (Universidade de Jena),[14]
os livros didáticos de Biologia os usaram, ou as suas versões redesenhadas, ao longo do século
20, para convencer os estudantes de que os humanos partilham um ancestral comum
com os peixes.
Então, em 1997, uma
publicação científica de autoria do embriologista Michael Richardson e
colaboradores trouxe novamente à tona o trabalho meticuloso e fraudulento de
Haeckel ao comprovar cientificamente a falsificação por meio da comparação de
fotos reais dos embriões vertebrados com os desenhos de Haeckel.[15] Em uma entrevista publicada na revista Science, o autor descreveu esse episódio
como “uma das mais famosas fraudes em Biologia”.[16] Em 2000, o paleontólogo evolucionista
de Harvard, Stephen Jay Gould, chamou os desenhos de Haeckel de “fraudulentos”
e escreveu que os biólogos deveriam “ficar atônitos e envergonhados pelo século
de reciclagem estúpida que resultou na persistência desses desenhos num grande
número, se não na maioria dos livros didáticos modernos”.[17: p. 45]
Apesar de toda essa exposição negativa, também
no século 21 essa fraude continuou sendo compartilhada em seus livros didáticos.[18-20]
Até recentemente, de igual modo, o Science Museum, em sua página virtual, resistia
em retirar os desenhos de Haeckel.[21] A seguinte frase acompanhava os diagramas:
“Parece que um eficiente processo de elaborar o plano corporal surgiu há
milhões de anos, e permaneceu virtualmente inalterado através da evolução
animal.”
Repare nas diferenças entre os desenhos de haeckel (acima) e as fotos |
Então, em 2006, devido à pressão da Truth in Science (organização inglesa
que apoia o design inteligente), enfim,
o museu alterou o texto (retirou o termo “virtualmente”), e substituiu os
desenhos de Haeckel por uma fotografia daquilo que parece ser um embrião. No
entanto, na opinião da Truth in Science,
eles deveriam sustentar o novo texto com fotografias atuais de embriões, de
humanos e de ratos, na mesma fase de desenvolvimento, permitindo aos visitantes
avaliar por eles mesmos as semelhanças e diferenças.[22]
Atualmente, já se sabe que
embriões de diferentes grupos de vertebrados não possuem semelhanças em suas fases
iniciais de desenvolvimento.[23] Ok, isso
está esclarecido! Mas como disse o biólogo evolutivo Walter Bock: “A lei biogenética
tornou-se tão profundamente enraizada no pensamento biológico que não pode ser
eliminada, apesar de ter sido demonstrado estar errada por numerosos estudiosos
subsequentes.”[24] De fato, essa afirmação é suportada por evidências recentes.
Uma versão moderna da
recapitulação escrita por Jerry Coyne, por exemplo, alega que embriões “se parecem com as formas
embrionárias de seus ancestrais”.[6: p.
78] Porém, uma vez que os embriões fósseis são extremamente raros,[25]
essa alegação é mais uma especulação acerca da suposta ancestralidade comum baseada
na suposição de veracidade da teoria de Darwin. É lamentável, mas o conto
continua vivo!
(Everton Alves)
Referências:
[1] Robinson G. Ernst
Haeckel. [Jul. 2014]. Encyclopaedia Britannica. Disponível em: http://global.britannica.com/EBchecked/topic/251305/Ernst-Haeckel
[2] Desmond A, Moore J. Darwin:
The Life of a Tormented Evolutionist. United Kingdom: W. W. Norton &
Company, 1991.
[3] Kischer CW. “The Final Corruption of Human Embryology.” [Fev. 2007] Lifeissues.net,
2007. Disponível em:
[4] De Beer, Sir Gavin. Embryos
and Ancestors. 3 ed., Londres: Oxford University Press, 1962.
[5] Darwin CR. The origin
of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races
in the struggle for life. 6th edition. London: John Murray, 1872; with
additions and corrections. Disponível em: http://darwin-online.org.uk/content/frameset?viewtype=side&itemID=F391&pageseq=415
[6] Coyne JA. Why
Evolution Is True. New York: Viking Adult, 2009.
[7] Capítulo XIV: “Mutual
Affinities of Organic Beings: Morphology - Embryology - Rudimentary Organs,
Development and Embriology”, p. 395. In: Darwin CR. The origin of species by
means of natural selection, or the preservation of favoured races in the
struggle for life. 6th edition. London: John Murray, 1872; with additions and
corrections. Disponível em: http://darwin-online.org.uk/content/frameset?pageseq=423&itemID=F391&viewtype=side
[8] Capítulo XIV: “Mutual
Affinities of Organic Beings: Morphology - Embryology - Rudimentary Organs,
Development and Embriology”, p. 387, 388. In: Darwin CR. The origin of species
by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the
struggle for life. 6th edition. London: John Murray, 1872; with additions and
corrections. Disponível em: http://darwin-online.org.uk/content/frameset?viewtype=side&itemID=F391&pageseq=415
[9] Haeckel E. Natürliche
Schöpfungs-geschichte. Berlin:George Reimer, 1868; os desenhos podem ser vistos na página 240. Disponível
em:
[10] Haeckel E. The
History of Creation, or, the development of the earth and its inhabitants by
the action of natural causes. New York: D. Appleton and Co, 1876, two volumes.
Disponível em: http://catalog.hathitrust.org/Record/009549162
[11] Grigg R. “Ernst
Haeckel: Evangelist for evolution and apostle of deceit.” Journal of Creation
1996; 18(2):33-36.
[12] “Accused of Fraud, Haeckel Leaves the Church.” [Nov. 1910]. The New York Times,
1910, Part V, p. 11. Disponível em: http://query.nytimes.com/mem/archive-free/pdf?_r=1&res=9A0DE6DF153BE733A25754C2A9679D946196D6CF&oref=slogin
[13] Wells J. “Survival
of the Fakest.” American Spectator 2000; 33(10):18-26. Disponível em: http://www.unz.org/Pub/AmSpectator-2000dec-00018?View=PDF
[14] Ferrel V. “The Evolution
Cruncher.” Altamont, TN: Evolution Facts, Inc., 2001.
[15] Richardson MK. Hanken
J, Gooneratne
ML, Pieau
C, Raynaud
A, Selwood
L, Wright et
GM. “There is no highly conserved embryonic stage in the vertebrates:
implications for current theories of evolution and development.” Anatomy
and Embryology 1997; 196(2):91-106.
[16] Pennisi E. “Haeckel’s
Embryos: Fraud Rediscovered.” Science. 1997; 277 (5331):1435.
[17] Gould SJ. “Abscheulich!
Atrocious!” Natural History 2000; p. 42-49.
[18] Raven P, Johnson GB,
Mason KA, Losos JB, Singer SS. Biology. 9 ed., New York: McGraw-Hill, 2011.
[19] Mader S. Inquiry
Into Life. 13 ed., New York: McGraw-Hill, 2011.
[20] Prothero DR. Bringing
Fossils to Life: An Introduction to Paleobiology. 3 ed., New York: Columbia
University Press, 2013.
[21] Science Museum. Seção
“Who am I?”, Londres, 2015. Disponível em: http://www.sciencemuseum.org.uk/on-line/lifecycle/24.asp
[22] “Science Museum
takes down fake pictures.” [Dez. 2006]. Truth in Science, 2003. Disponível em: http://www.truthinscience.org.uk/tis2/index.php/news-blog-mainmenu-63/215-pictures-down.html
[23] Bininda-Emonds OR, Jeffery JE, Richardson MK. “Inverting the hourglass: quantitative evidence against the phylotypic
stage in vertebrate development.” Proc Biol Sci. 2003;
270(1513):341-6.
[24] Bock WJ. “Evolution
by Orderly Law.” Science. 1969; 164(3880):684-685.
[25] Morris SC. “Fossil
Embryos.” p. 703-711. In: Stern CD (ed.). Gastrulation: From Cells to
Embryos. Cold Spring Harbor, NY: Cold Spring Harbor Laboratory Press, 2004.