Sociedade doente |
“Há
todas essas pessoas com ideias estúpidas, que derivam de Michel Foucault
(1926-1984), negando a existência dos gêneros. Dizem que o gênero é algo
imposto pela sociedade, que não há base biológica para a ideia de gênero. Essas
pessoas estão malucas? Elas não sabem que toda e qualquer pessoa que está na
face da Terra nasceu do corpo feminino? [...] Eu estou muito preocupada com
essa tendência cirúrgica para mudança do corpo. Isso está por toda parte nos
EUA. Dizem que a criança nasceu no corpo errado e já começam com hormônios até
chegar à intervenção cirúrgica. Se essa ideia estivesse no ar quando eu era
jovem, teria me tornado obcecada com isso. Eu teria sido convencida de que essa
seria a resposta para todos os meus problemas com a sociedade contemporânea e
sua rigidez sexual. E eu teria cometido um engano terrível.
“Transformar
o corpo cirurgicamente é uma ilusão. Há um número muito pequeno de pessoas
realmente intersexuais. É uma anormalidade congênita. A maioria dos casos não é
assim. Intervir no corpo, removendo o pênis ou os seios, é uma ilusão porque
todas as células do seu corpo permanecem sendo o que elas sempre foram.
Simplesmente não é verdade que você mudou de gênero.
“Eu
acredito que é preciso respeitar o desejo das pessoas de transformar seus
corpos, seja por motivos cosméticos, médicos ou de gênero. Cada um tem poder
sobre o próprio corpo e eu sou uma libertária nesse sentido. Por outro lado,
ninguém vai me convencer de que a Chaz Bono, a filha transgênero da atriz Cher,
é um homem. Ele precisa tomar uma injeção de hormônios todos os dias para ser o
que é, um transgênero, nunca um homem. Cada célula daquele corpo é uma célula
feminina.
“As
pessoas que olham para esse debate e pensam que estamos caminhando para um
futuro progressista estão enganadas. Nós vivemos em um período em que os
gêneros são fluidos e ninguém se identifica com os papeis de cada um dos
gêneros no passado. Mas a ideia de que isso é um sintoma de saúde social está
errada. É o caos.
“Estamos
numa fase tardia da cultura, como ocorreu com outras civilizações, em que as
definições dos sexos começam a se borrar e a se dissolver e surgem todos os
tipos de androginia e de brincadeiras com trocas de papéis entre feminino e
masculino. Eu adoro tudo isso, mas acho que não pode ser confundido com um
sintoma de saúde e de progresso. Sinto muito. É um sintoma de declínio
histórico da nossa cultura. E deveríamos nos preocupar porque isso indica
ansiedade e algo errado.
“Eu
não noto, a propósito, nenhum avanço no campo das artes. Ninguém está em um
período especialmente fértil. Pelo contrário, todos estão obcecados consigo
próprios. O ego se tornou um trabalho artístico. As pessoas têm dez conceitos
diferentes sobre o que elas são. Acho que a obsessão com gênero e com
orientação sexual se tornou uma doença.
“Eu
sou ateia, mas acredito no poder da religião e de sua visão do universo.
Vivemos essa transição da perspectiva religiosa para essa horrível perspectiva
centrada no indivíduo, com o apoio da mídia. Isso não são os anos 60, quando se
pregou o poder do indivíduo contra a autoridade, mas a destruição dessa ideia
cósmica do lugar de cada um no universo. E isso tudo convergiu para a obsessão
por gênero e orientação sexual. Isso virou uma loucura. É o novo narcisismo.”
(Fernanda Mena, “Mulher deve ser maternal
e parar de culpar o homem, diz Camille Paglia”, Folha de S. Paulo, 24/4/2015)