Os fatos e a engenharia social |
Comentando
o episódio da carta-testamento de Getúlio, [...] vale a pena registrar algumas
estratégias de controle de opinião pública utilizadas na época. O objetivo da
máquina de propaganda que prosseguiria atuando até o golpe de 1964 era
minimizar o efeito extraordinário da carta, que tem intensidade dramática
enorme. Para isso, todo esforço concentrou-se numa pergunta insólita: “Quem
escreveu?” Na essência, foi Getúlio; texto manuscrito de um bilhete, com a
letra dele, repete suas principais formulações. Bacharel em direito,
ex-promotor de Justiça, dono de bom texto, nada impede que ele tenha escrito a
carta-testamento. Quem datilografou foi um assessor fiel, o jornalista José
Soares Manoel Filho, redator dos discursos formais da Presidência, que pode ter
dado redação final ou inserido alguma coisa, mas, certamente, por ordem e com
supervisão de seu chefe - claro - em documento tão tragicamente pessoal.
Mas,
já que não se podia mais apresentar Getúlio como ladrão ou ditador, era preciso
apresentá-lo como incapaz sequer de explicar seu suicídio. Para a laboriosa
reportagem investigativa da época, a carta de Getúlio foi “escrita por Manoel
Filho”, no dia tal, às tantas horas, em tal lugar. Um lead perfeito.
Também
foi preciso esconder o tamanho do impacto do suicídio, que foi enorme: jamais
vi coisa igual no Rio de Janeiro. A oportunidade veio quando Carmem Miranda
morreu de um ataque de coração, em agosto de 1955, nos Estados Unidos, e seu
corpo, trasladado, foi recebido por uma multidão comovida.
Bastou
um pouco de ênfase para igualar as coisas: a artista que morreu aos 42 anos
(faria ontem 106) e o estadista. Defunto por defunto, tanto faz para esse
povo...
Uma
terceira estratégia, que se incorporou à chamada “história oficial”, é atribuir
a Getúlio uma frieza tal que se teria suicidado por malícia, para virar o jogo
em uma partida perdida.
É ou não é forçar a barra?
(Nilson Lage, no
Facebook)
Nota:
Como já disse em outra ocasião, tive o privilégio de ter tido aulas com o
jornalista Nilson Lage, durante meu curso de Jornalismo na UFSC. Uma das
matérias que ele lecionou foi justamente “Controle de opinião pública”, aquele
tipo de conteúdo que vale por uma faculdade inteira e que ajuda a abrir os
olhos e a mente (leia aqui a resenha que fiz de um ótimo livro que o professor
Lage nos mandou ler na época). A propósito do que ele escreveu aí acima, fico pensando em quão conveniente
é o carnaval para a alcateia que governa este país. O combustível aumentou, a
comida está cara, os impostos são um verdadeiro roubo, falta água, falta
segurança, falta educação que preste. Escândalo após escândalo explode na mídia
(fora os que não explodem), deixando o povo entorpecido e até acostumado com
tanta roubalheira descarada. Mas as pessoas provavelmente vão deixar tudo isso
de lado. Vão cair na folia. Vão invadir as ruas, não para protestar, mas para
pular, beber e farrear. Massa de manobra. Rebanho conduzido pela engenharia
social. Rebeldes de Facebook. [MB]