Muitos cristãos se sentem temerosos de buscar na Ciência
apoio para sua fé, principalmente ao perceberem que a academia,
predominantemente, defende uma visão de ciência baseada no naturalismo, que
nega a necessidade do sobrenatural para explicar a natureza. Por outro lado,
inúmeros acadêmicos que trabalham com ciência sentem-se indispostos a dar algum
crédito a qualquer explicação sobre origens que não inclua somente causas e
leis naturais, acreditando que isso seria apelar para magia e superstição. Para
abordar esse dilema é necessário que primeiro tenhamos uma ideia bem definida
do que é ciência e dos vários sentidos em que essa palavra tem sido usada. Ter
essa consciência nos ajudará a decidir qual desses sentidos é mais útil para os
que querem encontrar respostas da realidade objetiva. Isso para os que
acreditam que existe uma realidade objetiva, que determina que as coisas
funcionem de uma forma e não de outras, por exemplo: normalmente na superfície
da Terra as coisas caem para baixo e não para cima.
Tendo-se em mente os vários sentidos em que a palavra
“ciência” tem sido utilizada, podem-se avaliar melhor algumas questões que têm
sido levantadas. Questões sobre mudança de paradigmas ou relacionadas à revisão
de conceitos que dizem respeito à fragilidade de afirmações que precisam ser
corrigidas de tempos em tempos, enfim, da mutabilidade da ciência e da
possibilidade de se confiar nela.
Uma outra questão é se seria relevante para os cristãos
entenderem algo do funcionamento da natureza. Se esse tipo de conhecimento
seria útil na compreensão de Deus e de Sua forma de agir. E se, sim, como as
Escrituras consideram essa questão: como algo opcional que pode reforçar ou não
nossa fé ou como algo essencial, sem o qual alguma coisa ficaria faltando em
nossa experiência.
Deparamo-nos, ainda, com outras interrogações:
Seria verdade que durante a Idade Média Deus estava no
centro do pensamento do mundo ocidental e que a Revolução Científica tirou Deus
dessa posição?
Seria verdade que o descobrimento da Ciência ocorreu sob a
óptica naturalista?
Qual foi o tipo de visão que permitiu a fantástica explosão
de conhecimento e tecnologia que observamos hoje?
Foram os pioneiros da Ciência que motivaram os paradigmas
acadêmicos da atualidade?
O que as evidências históricas nos dizem sobre essas
questões?
O que podemos encontrar de evidências sobre Deus na
natureza?
É disso que esta série de artigos se propõe a tratar.
Ciência, significados da
palavra e confiabilidade
O sentido original de ciência (do latim scientia) é
conhecimento ou conhecer.[1] Ao longo da história e em muitos contextos atuais
ela tem sido usada com esse sentido. Outro sentido em que tem sido usada
frequentemente, especialmente em contextos acadêmicos, escolares e de
publicações especializadas, é o definido pelo protocolo que inclui observação,
formulação de uma hipótese, experimentação, interpretação dos resultados e conclusão.
Em sua forma básica, esse protocolo já era utilizado desde Aristóteles.[2, 3,
4, 5] De forma que, ainda incipiente, observação, formulação de uma hipótese,
experimentação, interpretação dos resultados e conclusão é uma forma de
investigação que já era utilizada desde a Grécia Antiga e
continua até nossos dias.
A definição da National Academy of Science (NAS) é a
seguinte: “O uso de evidências para construir explicações e predições testáveis
dos fenômenos naturais, bem como o conhecimento gerado por meio desse
processo.”[6]
Pioneiros da Revolução Científica, como Galileu, Newton, Leonardo
da Vinci e outros começaram a utilizar a palavra “ciência” com outro
significado, à medida que divisavam um método de conhecer de forma inovadora e
poderosa. A palavra original para essa nova ciência vem do grego μάθημα
(transliterando, máthema) [7], e
significa ciência, conhecimento, instrução. A diferença entre a ciência scientia
e a ciência máthema é que a primeira
é abrangente e inclui qualquer forma de conhecimento, desde a consciência que
se tem de alguma coisa, como um sinônimo de estar ciente, até conhecimento
adquirido por observação, experiência, indução, dedução e mesmo intuição;
enquanto a segunda é mais específica e se refere à natureza do conhecimento
objetivo.
Embora alguns elementos da Matemática já fossem havia muito
conhecidos, esses pioneiros utilizaram e/ou descobriram ferramentas matemáticas
que lhes possibilitaram lidar com leis que regem fenômenos da natureza. Eles se
deram conta de que é muito mais eficiente e seguro descobrir e utilizar métodos
matemáticos do que simplesmente confiar na capacidade mental humana, ainda que
auxiliada por sistematizações filosóficas.
Eis alguns exemplos de como eles pensavam:
“A [verdadeira] filosofia está escrita neste grandioso livro
que está sempre aberto à nossa contemplação (refiro-me ao universo), mas que
não pode ser entendido sem que primeiro aprenda-se a língua, e conheçam-se os
caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em linguagem matemática,
e seus caracteres são triângulos, círculos, e outras figuras geométricas sem as
quais é humanamente impossível entender sequer uma de suas palavras; sem estes
[caracteres] fica-se a vagar por um escuro labirinto.”
“Deixando de lado as sugestões, falando abertamente e
tratando a Ciência como um método de demonstração e raciocínio humanamente
alcançável, sustento que quanto mais isso participa da perfeição, menor será o
número de proposições que prometerá ensinar, e menos ainda provará
conclusivamente. Consequentemente, quanto mais perfeita é [a metodologia],
menos atrativa será e menos seguidores terá.” Galileu[8]
“Nenhuma investigação humana pode ser chamada de científica
se não passar no teste das demonstrações matemáticas.” Leonardo da Vinci[9]
Newton, especialmente, conseguiu formular as leis da Mecânica
descobrindo uma nova ferramenta matemática, o Cálculo. Essa nova ferramenta
levou a investigações sobre calor, luz, eletricidade, magnetismo e átomos, que
levaram ao desenvolvimento da Química, Biologia, Geologia, Medicina,
Engenharias e tecnologias que alavancaram todas as áreas do conhecimento.[4]
Esse tipo de ciência que significou uma revolução do
conhecimento e possibilitou o subsequente desenvolvimento tecnológico e a Era
da Informática, pode ser entendido como um conjunto infinito de métodos
matemáticos que podem ser utilizados em investigações em qualquer área.
Outros sentidos populares em que a palavra tem sido
utilizada, inclusive por pesquisadores, incluem: áreas do conhecimento (Física,
Química, Biologia, etc.), pesquisas realizadas, resultados de pesquisas, conclusões
a partir de estudos, opiniões de cientistas, o consenso acadêmico baseado no
naturalismo filosófico, o ambiente acadêmico, entre outros.
Tendo em vista todos os significados acima para a palavra “ciência”,
podemos começar a entender por que se diz que os paradigmas dela mudam,
por que ela pode errar ou por que, de tempos em tempos, conceitos têm que
ser revisados. E, ainda, por que se acredita que paradigmas sociais determinam
o que vai ser descoberto pela Ciência.
O conhecimento adquirido de forma mais qualitativa é mutável
e passageiro, muda quando surgem novos dados. Isso diz respeito à consciência
que seres humanos têm das coisas, ou intuições, induções e deduções que tiveram
ou fizeram, ainda que de forma racional. As mudanças de paradigmas na sociedade
podem mudar as crenças filosóficas predominantes na academia, podem mudar os
tipos de estudos que acadêmicos se inclinam mais a fazer e mesmo as opiniões
que eles terão sobre os resultados de pesquisas.
Se o sentido em que for usada a palavra “ciência” se referir
ao protocolo composto pelas etapas observação, formulação de uma hipótese,
experimentação, interpretação dos resultados e conclusão, apesar de ele tornar
o estudo mais rigoroso e ser um grande avanço em relação ao uso do raciocínio puro
desarmado, ainda será passível de erros, pois estará sendo utilizado por seres
humanos falíveis, ainda que diminuindo a probabilidade de ocorrerem erros.
E quanto à Ciência, definida como conjunto infinito de
métodos matemáticos? Para responder como paradigmas, opiniões, preconceitos ou
erros acidentais podem afetar esse tipo de abordagem é necessário saber como
ele funciona.
O mais surpreendente na utilização de métodos matemáticos
não é nem o fato de que equações matemáticas podem descrever fenômenos físicos
nos mínimos detalhes, mas “que matemáticos desenvolvam ramos abstratos da
matemática sem nenhuma aplicação em mente; todavia, décadas ou algumas vezes
séculos mais tarde, físicos descubram que aquelas teorias forneciam os
fundamentos matemáticos necessários para os fenômenos físicos. [...] O
matemático Bernhard Riemann, por exemplo, discutiu na década de 1850 novos
tipos de geometria que se encontrariam em superfícies curvas como em uma esfera
ou sela (ao invés da geometria plana que aprendemos na escola). Então, quando Einstein formulou sua teoria da Relatividade Geral (em 1915), as geometrias de Riemann
acabaram por ser exatamente a ferramenta de que ele precisava!”[10]
Não há como paradigmas, opiniões ou preconceitos afetarem a
forma como a Matemática funciona. Por exemplo, alguém pode querer encontrar um
número real cujo quadrado seja negativo, mas isso não existe e não tem como
alguém fazer com que pareça que encontrou um número assim usando regras da
Matemática. Erros acidentais podem acontecer ao alguém esquecer de incluir
algum parâmetro importante numa equação ou utilizar uma ferramenta que não é
adequada ao problema que deseja abordar, mas esse tipo de erro é muito mais
fácil de ser detectado por quem examinar o modelo. Por outro lado, nas outras
abordagens popularmente chamadas de ciência é muito mais difícil de descobrir
os erros devido à quantidade de premissas implícitas.
Os pioneiros da Ciência entenderam que as leis da natureza
são relações matemáticas. Seria muito estranho acreditar que o ser humano
inventou a Matemática e que, apesar de ser uma invenção, ela seria capaz de
prever fenômenos e se ajustar tão perfeitamente à forma como a natureza
funciona. Como seria possível que uma construção arbitrária do pensamento
humano conseguisse prever em detalhes finos fenômenos jamais observados, como
tem acontecido frequentemente em áreas que fazem uso intenso de métodos matemáticos?
Seria isso a manifestação de habilidades humanas sobrenaturais ou seria o caso
de que essas coisas simplesmente refletem padrões que podem ser detectados no
mundo natural, padrões esses que fazem parte do que chamamos de Matemática?
Acreditar que a Matemática seja uma invenção induz ao misticismo. O ser humano
não inventou a natureza e não faz sentido ter inventado a Matemática, a não ser
no que tange aos símbolos que a representam. A forma como a Matemática pode ser
representada (linguagem) pode variar, mas os significados são os mesmos.
Alguns filósofos, matemáticos e cientistas têm diferido de
opinião com respeito a isto: se a Matemática teria sido descoberta ou
inventada. Aqueles que acreditam que a Matemática foi descoberta são chamados de
platonistas, pois Platão acreditava assim. Nunca li Platão, não tenho a menor ideia
do que ele pensava e, se ele acreditava assim, é um sinal de que ele também
percebeu isso na natureza. Por outro lado, um grande número de matemáticos,
cientistas e filósofos acredita que a Matemática foi inventada. Ao que parece,
pelo menos em alguns casos, como o do matemático Barry Mazur, eles pensam que
acreditar que a Matemática foi descoberta pode ter implicações indesejáveis: “Se
adotarmos a opinião platonista de que a matemática foi descoberta, estaremos
repentinamente em um território surpreendente, pois esta é uma posição completamente
teísta.”[11]
Comparando essa ideia com a alternativa, teríamos duas
opções: ou cremos que a Matemática é um invenção, crença essa que leva ao
misticismo, ou cremos que ela existe independentemente de nós, o que leva ao
teísmo.
Como veremos adiante, não é a Ciência que se opõe a Deus,
mas linhas filosóficas (mesmo apoiando-se em alguns resultados de pesquisas)
que costumam ser chamadas de ciência.
Ciência, depois da Revolução Científica, passou, então, a
ser definida como esse conjunto infinito de métodos matemáticos que podem ser
aprendidos e validados no estudo da natureza.
(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)
Referências:
[1] Online etymology dictionary. http://www.etymonline.com/index.php?term=science
[2] History of the scientific method. https://explorable.com/history-of-the-scientific-method
[3] Stanford encyclopedia of philosophy; scientific method. http://plato.stanford.edu/entries/scientific-method/#HisRevAriMil
[4] WILLIAMS, L. P. History of science. https://global.britannica.com/science/history-of-science
[5] FARIA, C. Método científico. www.infoescola.com/ciencias/metodo-cientifico/
[6] BAILEY, D. H. What is science? http://www.sciencemeetsreligion.org/philosophy/what-is-science.php
1/1/2017
[7] ISIDRO PEREIRA, S. Dicionário grego-português e português-grego.
Rua da Boavista, 591 - 4000 Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1969.
[8] GALILEI, G. Il saggiatore. 1624.
[9] MEYER, W. J. Concepts of mathematical modeling. Mineola,
New York: Dover Publications Inc., 1984.
[10] LIVIO, M. Math: Discovered, invented, or both? http://www.pbs.org/wgbh/nova/blogs/physics/2015/04/great-math-mystery
13/4/2015
[11] MAZUR, B. Mathematical platonism and its opposites.
http://www.math.harvard.edu/ mazur/papers/plato4.pdf 11/1/2008