Quem de fato ameaça a democracia? |
[Antes
do artigo preconceituoso publicado na Folha, o Carta Maior publicou
esta “pérola”. Atente para as expressões que eu grifei no texto. Meus
comentários seguem entre colchetes. – MB] Se Deus criou o mundo e se ele existe
é o que menos importa no debate sobre criacionismo. Fundamental, na crença de
que Deus criou o mundo em sete dias, são e devem ser as implicações
conceituais, históricas e políticas dessa caricatura
de aparência inofensiva [e começam os impropérios]. Em primeiro lugar, quem
acredita nisso não pode, por uma exigência lógica, acreditar que há evolução,
história e Política [comentário dos mais rasteiros que já li. Que “exigência
lógica” é essa? Por que alguém que não acredita na lenda da macroevolução
naturalista não poderia acreditar na história e na política? O que uma coisa
tem a ver com a outra? A história conta com registros escritos, documentos, evidências.
Agora pergunto: Que evidências existem de que a vida teria surgido numa “sopa
primordial”? De que uma célula, novos órgãos funcionais e planos corporais
teriam surgido a partir do nada, com
o aparecimento de informação genética
– em muita! – sabe-se lá de onde?]. A imagem caricatural do fanático que denega a existência
pregressa dos dinossauros tem veracidade: a existência e o processo de extinção
dos dinossauros se deram, comprovadamente, num lapso de tempo maior do que sete
dias. E os milhões de anos que separam a sua história da nossa, bem como a do
planeta, tampouco podem ser contados na arregimentação do velho testamento
feita pelos pentecostais. [Acreditar que os dinossauros foram extintos de
maneira repentina – e há muitas evidências disso – torna a pessoa fanática?
Basta discordar do fanatismo darwinista para se tornar um fanático religioso? E
quem disse que são apenas os pentecostais que acreditam na veracidade do Antigo
Testamento? Marina Silva é política e pentecostal. Entendeu a quem eles querem
atingir com essa reportagem preconceituosa?]
Na hipótese estapafúrdia de uma jabuticaba pentecostal, isto é, de igreja evangélica peculiar ao Brasil, que admita alguma narrativa metafórica na tese da criação das coisas neste mundo e que, portanto, aceite a existência pregressa de dinossauros (o que implica aceitar a possibilidade de extinção, evolução, progressão e regressão de complexidade dos organismos, mecanismos intrínsecos de maior ou menor velocidade evolutiva, entre outras coisas), restaria a ser esclarecido como a criação das coisas do mundo em sete dias (ou anos, ou semanas, digamos) tornam inteligíveis a história e a Política. [?!?]
O fato é que não tornam, nem podem tornar. E aí reside o seu conflito e a sua aversão à democracia. E é por isso que os representantes pentecostais, em qualquer parte do mundo, advogam uma política descarnada, dogmática e refratária ao esclarecimento. Rejeitar uma ordem temporal biológica [nada disso! Uma ordem temporal darwinista], portanto, não é tão inofensivo, nem conceitual, nem historicamente, como as nossas certezas estéticas e de classe podem dar a ver. Não é o grotesco do ignorante subletrado o que deve incomodar, pelo menos não somente. O problema é a presença das suas crenças na nossa vida cotidiana, reivindicando poder sobre ela [então quer dizer que, para a autora deste texto, criacionista é aquele que crê em coisas grotescas, como o “ignorante subletrado”? Numa só frase ela comete duas injustiças e manifesta dois preconceitos]. E é revelador da penúria do debate político brasileiro, bem como da tibieza de sua esquerda, não levar a sério o caráter destrutivo, niilista e repressor dessas expressões políticas que estão, em maior ou menor grau, invadindo as esferas de decisão, formulação e comunicação. [...]
Importa menos que Marina Silva minta, ao dizer que não é incoerente, do que acredite nos próprios delírios ou mentiras: as suas crenças são descarnadas o suficiente para que ela se veja como plenamente coerente e aí está a periculosidade do que ela representa. Ela, a horda evangélica e a banca que a apoia e defende acreditam numa coerência tão postulada como o são (não importa se os representantes da finança são ou não pentecostais, vai sem dizer) as suas teses sobre natureza humana, criação do mundo e funcionamento do Estado e da economia.
Essas crenças denotam um descompromisso genético com a experiência, com a vida encarnada, com as metáforas da vida cotidiana, com as contradições sociais e políticas. E deixaram, no mundo, um rastro de destruição pelo qual parte significativa do planeta paga, hoje, um alto preço, em desemprego, superendividamento, miséria e destruição ambiental. [Então a culpa por todas as mazelas do mundo agora é do criacionismo pentecostal? Será mesmo?]
É possível que Marina Silva diga hoje que jamais foi ambientalista, nunca foi de esquerda e, ainda assim, que não acredite que está mentindo, como claramente está. A sua visão de mundo autoriza essa conduta que, para quem é democrático, causa assombro, pela ausência total de qualquer respeito à alteridade, à memória e à experiência política. Não há coisa alguma de acidental nos pronunciamentos da candidata missionária. O criacionismo, como se pode inferir, denega o acaso, ao contrário do darwinismo, que o toma como constitutivo. [...]
É claro, para quem leu Darwin e leva o legado e as implicações do darwinismo a sério, que ambientalista criacionista é um círculo quadrado. Trata-se de algo impensável, tamanha a impossibilidade lógica. É nota característica da penúria de nossas escolas e da vida política da esquerda a negligência com esse debate, com o que está nele implicado. É assim que a candidata do PSOL à presidência, num rasgo de brutal ignorância, perdeu a melhor chance de expor Marina Silva, no debate da Band. A ignorância quanto às implicações do criacionismo tornam a exigência de respeito aos dissidentes sexuais, aos gays e às mulheres, uma luta frágil. [Será este tema – a questão dos homossexuais – a maior preocupação dos setores que se opõem ao criacionismo, uma vez que, segundo o Gênesis que eles criticam, casamento é unicamente a união entre um homem e uma mulher? Sim, a Bíblia condena o estilo de vida homossexual, mas orienta os cristãos a respeitarem a liberdade alheia e a separar o pecado do pecador. E que história é essa de que criacionismo não combina com ambientalismo? Desde quando? É a própria Bíblia que estabelece que o ser humano cuide da natureza, como administrador (mordomo) dela. E isso está justamente lá no Gênesis. Se essa recomendação divina tivesse sido seguida desde a origem, não teríamos que nos preocupar hoje com o esgotamento dos recursos naturais e com a poluição.] [...]
Não há compatibilidade conceitual entre criacionismo, fundamentalismo de mercado, por um lado, e democracia, por outro. Há um conflito. E deve haver, para a sobrevivência da democracia e da atual experiência democratizante, sem precedentes, já vivida por este país. [Quer dizer que, além de fanático, fundamentalista e otras cositas mas, o criacionista é também um inimigo da democracia? Será que a autora desta pérola se esquece de que as maiores ditaduras deste planeta foram praticadas justamente em países que baniram a religião?]
(Katarina Peixoto, Carta Maior)
Na hipótese estapafúrdia de uma jabuticaba pentecostal, isto é, de igreja evangélica peculiar ao Brasil, que admita alguma narrativa metafórica na tese da criação das coisas neste mundo e que, portanto, aceite a existência pregressa de dinossauros (o que implica aceitar a possibilidade de extinção, evolução, progressão e regressão de complexidade dos organismos, mecanismos intrínsecos de maior ou menor velocidade evolutiva, entre outras coisas), restaria a ser esclarecido como a criação das coisas do mundo em sete dias (ou anos, ou semanas, digamos) tornam inteligíveis a história e a Política. [?!?]
O fato é que não tornam, nem podem tornar. E aí reside o seu conflito e a sua aversão à democracia. E é por isso que os representantes pentecostais, em qualquer parte do mundo, advogam uma política descarnada, dogmática e refratária ao esclarecimento. Rejeitar uma ordem temporal biológica [nada disso! Uma ordem temporal darwinista], portanto, não é tão inofensivo, nem conceitual, nem historicamente, como as nossas certezas estéticas e de classe podem dar a ver. Não é o grotesco do ignorante subletrado o que deve incomodar, pelo menos não somente. O problema é a presença das suas crenças na nossa vida cotidiana, reivindicando poder sobre ela [então quer dizer que, para a autora deste texto, criacionista é aquele que crê em coisas grotescas, como o “ignorante subletrado”? Numa só frase ela comete duas injustiças e manifesta dois preconceitos]. E é revelador da penúria do debate político brasileiro, bem como da tibieza de sua esquerda, não levar a sério o caráter destrutivo, niilista e repressor dessas expressões políticas que estão, em maior ou menor grau, invadindo as esferas de decisão, formulação e comunicação. [...]
Importa menos que Marina Silva minta, ao dizer que não é incoerente, do que acredite nos próprios delírios ou mentiras: as suas crenças são descarnadas o suficiente para que ela se veja como plenamente coerente e aí está a periculosidade do que ela representa. Ela, a horda evangélica e a banca que a apoia e defende acreditam numa coerência tão postulada como o são (não importa se os representantes da finança são ou não pentecostais, vai sem dizer) as suas teses sobre natureza humana, criação do mundo e funcionamento do Estado e da economia.
Essas crenças denotam um descompromisso genético com a experiência, com a vida encarnada, com as metáforas da vida cotidiana, com as contradições sociais e políticas. E deixaram, no mundo, um rastro de destruição pelo qual parte significativa do planeta paga, hoje, um alto preço, em desemprego, superendividamento, miséria e destruição ambiental. [Então a culpa por todas as mazelas do mundo agora é do criacionismo pentecostal? Será mesmo?]
É possível que Marina Silva diga hoje que jamais foi ambientalista, nunca foi de esquerda e, ainda assim, que não acredite que está mentindo, como claramente está. A sua visão de mundo autoriza essa conduta que, para quem é democrático, causa assombro, pela ausência total de qualquer respeito à alteridade, à memória e à experiência política. Não há coisa alguma de acidental nos pronunciamentos da candidata missionária. O criacionismo, como se pode inferir, denega o acaso, ao contrário do darwinismo, que o toma como constitutivo. [...]
É claro, para quem leu Darwin e leva o legado e as implicações do darwinismo a sério, que ambientalista criacionista é um círculo quadrado. Trata-se de algo impensável, tamanha a impossibilidade lógica. É nota característica da penúria de nossas escolas e da vida política da esquerda a negligência com esse debate, com o que está nele implicado. É assim que a candidata do PSOL à presidência, num rasgo de brutal ignorância, perdeu a melhor chance de expor Marina Silva, no debate da Band. A ignorância quanto às implicações do criacionismo tornam a exigência de respeito aos dissidentes sexuais, aos gays e às mulheres, uma luta frágil. [Será este tema – a questão dos homossexuais – a maior preocupação dos setores que se opõem ao criacionismo, uma vez que, segundo o Gênesis que eles criticam, casamento é unicamente a união entre um homem e uma mulher? Sim, a Bíblia condena o estilo de vida homossexual, mas orienta os cristãos a respeitarem a liberdade alheia e a separar o pecado do pecador. E que história é essa de que criacionismo não combina com ambientalismo? Desde quando? É a própria Bíblia que estabelece que o ser humano cuide da natureza, como administrador (mordomo) dela. E isso está justamente lá no Gênesis. Se essa recomendação divina tivesse sido seguida desde a origem, não teríamos que nos preocupar hoje com o esgotamento dos recursos naturais e com a poluição.] [...]
Não há compatibilidade conceitual entre criacionismo, fundamentalismo de mercado, por um lado, e democracia, por outro. Há um conflito. E deve haver, para a sobrevivência da democracia e da atual experiência democratizante, sem precedentes, já vivida por este país. [Quer dizer que, além de fanático, fundamentalista e otras cositas mas, o criacionista é também um inimigo da democracia? Será que a autora desta pérola se esquece de que as maiores ditaduras deste planeta foram praticadas justamente em países que baniram a religião?]
(Katarina Peixoto, Carta Maior)
Nota: A
título de comparação: o Brasil tem enorme quantidade de evangélicos, muito mais
do que de homossexuais. Mas eleger a cidadã Marina Silva seria um ataque à
democracia, ao passo que ter eleito o deputado heterofóbico Jean Wyllys não foi (político para quem união civil
entre gays seria a mesma coisa que casamento de negros). Outra coisa: apenas imagine o que aconteceria se um articulista usasse a expressão "horda gay". Sai de baixo! Vai estender este país... [MB]
Nota da advogada
Michela Borges Nunes, de Criciúma, SC: “Lamentável... Muitos
se indignam com atos preconceituosos envolvendo raça ou sexo, por exemplo, o
que pode acarretar, inclusive, um processo judicial contra o agressor. Agora,
chamar de fundamentalista ou ofender uma pessoa a ponto de desqualificá-la para
um cargo por causa de suas crenças, ah, isso é permitido. E o direito
constitucional de liberdade religiosa? É um direito, assim como o de igualdade,
garantido pela Lei Maior do País. Logo, todos também deveriam se indignar com
tamanho preconceito da cidadã que se atreveu a escrever esse artigo.”
Leia também: “Marina costuma recorrer a versículos da Bíblia para tomar decisões” [E se ela consultasse o horóscopo ou fizesse despacho, seria notícia? Pelo jeito, a tendência agora vai ser desviar a atenção do eleitor para detalhes periféricos e esquecer as propostas de governo.]
Leia também: “Marina costuma recorrer a versículos da Bíblia para tomar decisões” [E se ela consultasse o horóscopo ou fizesse despacho, seria notícia? Pelo jeito, a tendência agora vai ser desviar a atenção do eleitor para detalhes periféricos e esquecer as propostas de governo.]