Ondas que deformam o espaço-tempo |
Em
setembro de 2015, o esforço coordenado de muitas equipes de pesquisadores
finalmente deu frutos significativos: foram detectadas pela primeira vez ondas
gravitacionais com uma chance de equívoco de ordem de 1 a cada 203.000 anos.
Traduzindo, isso é muito mais provável do que a grande maioria do que as
pessoas consideram como absolutamente certo no cotidiano, mas está apenas
ligeiramente acima (5,1σ) do mínimo aceito pelos físicos para aceitar uma
confirmação experimental (5,0σ) oficialmente. Para
entender o significado disso é necessário conhecer o contexto. No século 19,
James C. Maxwell reuniu diversas evidências experimentais e encontrou um padrão
matemático. Ele expressou esse padrão na forma de um modelo matemático bastante
abrangente, isto é, uma teoria científica: a Teoria Eletromagnética, que hoje
em dia é comumente baseada em quatro equações diferenciais, embora possa ser
expressa em apenas uma (F+J=0). A maior parte da tecnologia atual foi possível
de desenvolver graças a esse conhecimento.
Para termos uma ideia da abrangência desse assunto, a existência de átomos e moléculas, sólidos e líquidos, toda a Química, a luz, o Sol aquecendo a Terra, a Biologia, o cérebro funcionando, tudo isso são manifestações de fenômenos eletromagnéticos.
Isso
foi e continua sendo um grande sucesso, mas havia algo perturbador: uma das consequências
dessa teoria é que a velocidade da luz é a mesma para todos os observadores.
Imagine que um raio de luz passe por você a quase 300.000 km/s e você o persiga
a 99% dessa velocidade em uma nave espacial super-rápida. Você esperaria que
ele se afastasse de você a 3.000 km/s, mas o que ocorre é que mesmo do seu
ponto de vista, ele continua se afastando de sua nave a 300.000 km/s. Mesmo
assim, esse raio de luz estaria viajando ainda a 300.000 km/s em relação à
Terra. Isso parecia absurdo. Maxwell propôs a ideia de que essa velocidade
absoluta gerada pelas equações seria em relação a algum meio que permearia todo
o espaço, ao que ele chamou de éter luminífero. O experimento de Michelson-Morley, bastante semelhante ao usado em
2015 para detectar as ondas gravitacionais, indicou que o tal éter luminífero
não existe, e que a velocidade da luz é mesmo absoluta em relação a todos os
observadores, não apenas a algum referencial privilegiado.
Um
físico chamado Hendrik Lorentz mostrou matematicamente algumas implicações
ainda mais perturbadoras desse fenômeno: dilatação do tempo e encurtamento do
espaço. Seria possível, por exemplo, viajar para o futuro.
Ainda
resistindo à Matemática, os físicos tendiam a considerar isso apenas como uma
excentricidade da teoria, algo que só valia para o eletromagnetismo, mas não
para o restante dos fenômenos físicos. Estavam errados. Albert Einstein aceitou
a possibilidade de as consequências de Teoria Eletromagnética serem reais e
universais e construiu um modelo matemático abrangente (teoria científica)
baseado nas leis de Newton acrescidas de dois princípios: (1) a velocidade da
luz é a mesma para todos os observadores, e (2) todos os sistemas inerciais são
equivalentes, isto é, qualquer laboratório que seja montado em uma situação em
que não exista aceleração obterá os mesmos resultados ao estudar leis físicas.
A partir dessas cinco leis, a teoria resultante chama-se Relatividade Especial.
Também foi e é um grande sucesso em termos de fornecer resultados acurados para
uma infinidade de fenômenos, alguns desconhecidos previamente.
Mas
faltava um ingrediente importante: a gravidade frequentemente tem um papel
relevante em diversos fenômenos de interesse nessa área, porém, a Relatividade
Especial ignora a gravidade. Como levar a gravidade em conta? Einstein
trabalhou nisso durante anos. Finalmente, usou o famoso princípio da ação
mínima, que se baseia na ideia de que tudo o que Deus faz, incluindo leis
físicas, é otimizado, e ainda conceitos da teoria geométrica de Riemann e do
cálculo tensorial de Ricci, conseguiu deduzir uma equação diferencial tensorial
que mostra uma relação entre energia, quantidade de movimento, tensões e
curvatura do espaço-tempo. Essa equação é o fundamento de uma teoria científica
chamada Relatividade Geral.
Como
as anteriores, foi extremamente bem-sucedida, mesmo deixando alguns elementos
de fora (levada em conta a curvatura mas não a torção no espaço-tempo, por
exemplo).
Concepção artística de um buraco de minhoca |
Como
nos casos anteriores, as consequências dessa equação surpreenderam e
confundiram seu autor e colegas. Uma das primeiras consequências descobertas
foi a existência de buracos negros, juntamente com muitos detalhes sobre seu
funcionamento. Seguindo essa linha, encontram-se possibilidades de viajar tanto
para o futuro quanto para o passado. Outro resultado interessante são os wormholes, ou buracos de verme/minhoca,
nome inspirado em vermes de frutas que não precisam andar pela superfície de
uma maçã para chegar de um lado a outro, mas podem cavar um túnel e passar por
dentro da maçã. Buracos de verme permitiriam viajar de um ponto a outro do
espaço-tempo sem a barreira da velocidade da luz. Dominando essa tecnologia
poderíamos, em tese, viajar até uma galáxia a bilhões de anos luz em poucos
minutos.
Literalmente
milhões de experimentos têm sido feitos mostrando o quão acurada é a equação da
Relatividade Geral para uma grande variedade de tipos de fenômenos (alguns
autores falam em equações por se tratar de uma equação com entidades
representáveis por matrizes, possuindo muitas componentes, podendo-se decompor
a equação original em um sistema de várias equações mais simples).
Um
outro resultado perturbador da equação da Relatividade Geral é o de que o
Universo (o espaço mesmo, com ou sem matéria) não poder ter existido sempre,
pelo menos não da forma como o conhecemos. O Universo teve uma origem. Einstein
e outros não queriam aceitar esse resultado. Na década de 1920, Georges
Lemaître, um religioso católico que também era físico, estudou as soluções da
equação da Relatividade Geral, comparando-os com resultados da Termodinâmica e
com observações astronômicas. O resultado que obteve é essencialmente o que
hoje chamamos de Teoria do Big Bang, o
primeiro modelo matemático cosmológico criacionista, embora não tenha sido
apresentado dessa maneira. Com o tempo e com as evidências acumulando-se ao
longo do tempo, o modelo acabou sendo aceito e encaixado em uma visão
filosófica que abrisse espaço para doutrinas ateístas.
Esse
e alguns outros modelos cosmológicos criacionistas, como o do Dr. Humpheys e do
Dr. Gentry, baseiam-se na Relatividade Geral. A própria Teoria das Cordas,
usada em anos recentes para estudar a possibilidade de outros universos,
baseia-se na Relatividade Geral.
Assim,
confirmações da validade da Relatividade Geral apoiam a principal base desses
modelos, tanto criacionistas quanto evolucionistas. Para isso, procuram-se
confirmar previsões de fenômenos ainda não detectados. Um desses é o das ondas
gravitacionais.
Mas
o que são ondas gravitacionais? Imagine um pequeno lago e imagine-se jogando
uma pedra nesse lago. A partir do ponto de impacto entre a pedra e a água,
ondas propagam-se pela superfície do lago. A pedra causa uma deformação na
superfície da água, o que causa um movimento ondulatório que se propaga. A
gravidade é uma espécie de deformação do espaço-tempo. Alguns fenômenos que ocorrem
no espaço são particularmente violentos e, de acordo com a Relatividade Geral,
fazem com que o espaço-tempo “ondule” e essa ondulação se propaga pelo espaço,
possuindo certas características descritas em detalhes por soluções da equação
da Relatividade Geral. Sabemos exatamente o que procurar e de onde esperar que
essas ondas venham. A tecnologia para isso, porém, precisa ser muito sensível e
dependemos de fenômenos naturais que causem essas ondas. Esses fatores se
combinaram em 2015 e a detecção foi finalmente possível.
Mas
esses resultados são muito mais úteis do que simplesmente confirmar algo que já se sabia
teoricamente há muitas décadas. A tecnologia desenvolvida em pesquisas
avançadas frequentemente tem encontrado novos usos no cotidiano, beneficiando a
todos enquanto permanece desconhecida, funcionando nos bastidores para reduzir
os transtornos da vida. Além disso, se aperfeiçoarmos o processo a ponto de
formarmos uma espécie de “olho” para enxergar o Universo através de ondas
gravitacionais, teremos acesso a coisas que agora são invisíveis ou quase.
(Dr. Eduardo Lutz é astrofísico e reside em Porto
Alegre, RS)