Blurred Lines: objetificação da mulher |
Quando
o tema é machismo, o quanto a vida imita a canção? Será que músicas com
mensagens agressivas contra as mulheres podem levar um ouvinte a ser ainda mais
violento contra elas na vida real? Podem sim, segundo pesquisas de Tobias
Greitemeyer, doutor em Psicologia Social e professor da Universidade de
Innsbruck, na Áustria. Os resultados podem contribuir com discussões cada
vez mais comuns sobre machismo em músicas, no Brasil e no mundo. O funk carioca
“Tapinha não dói” é alvo de um longo processo contra a produtora Furacão 2000 por
incitar a violência contra a mulher. Nos EUA, o hit “Blurred Lines”, de
2013, foi alvo da ira de feministas e chamado de “a canção mais
controversa da década” pelo jornal The
Guardian. Neste ano, o funk “Mais de 20 engravidou” foi citado em
investigação de estupro coletivo no Rio.
Greitemeyer
publicou os estudos entre 2006 e 2015. Nas pesquisas, voluntários eram
convidados a ouvir músicas que incluíam algumas letras consideradas misóginas,
como “Superman”, de Eminem, e “Self Esteem”, do Offspring. Durante a audição
das músicas, os participantes respondiam a algumas questões e realizavam
tarefas. Eles não sabiam que a pesquisa era sobre misoginia, e achavam que
estavam fazendo um desafio de ouvir músicas e fazer outras atividades ao mesmo
tempo. Os homens marcaram atributos mais negativos em perguntas sobre o sexo
feminino e expressaram mais desejo de vingança enquanto estavam ouvindo as
letras machistas, mostra artigo publicado por Greitemeyer e por Peter Fischer,
da Universidade de Munique. “Nossa pesquisa mostrou que músicas misóginas fazem
aumentar reações agressivas dos homens contra mulheres”, descrevem os autores
no artigo.
Uma
parte do estudo usou pimenta para indicar o comportamento dos ouvintes. Entre
tarefas aleatórias, foi pedido que eles temperassem o lanche de uma mulher.
Eles eram informados de que a mulher em questão não gostava de comida muito
apimentada. Quem estava ouvindo letras como a de Eminem colocou mais
molho de pimenta do que os outros.
Na
pesquisa, as mulheres também mostraram comportamento mais agressivo em relação
aos homens ao ouvir letras de cantoras com mensagens negativas sobre eles, como
“You Oughta Know”, de Alanis Morissette. Mas o aumento da agressividade foi
menor que o dos homens, cujo comportamento foi estudado com mais profundidade.
“A
pesquisa focou no impacto de músicas misóginas no comportamento agressivo de
homens em relação às mulheres porque esse tipo de agressão é um problema muito
mais sério e frequente na sociedade do que de mulheres contra homens”, explicam
os pesquisadores.
Os
psicólogos também indicam que pode haver um “efeito acumulado” nessa tendência
agressiva de homens acostumados a ouvir músicas com teor machista. “O que se
pode dizer sobre o efeito na vida real, onde homens provavelmente ouvem centenas
de canções misóginas ao longo da vida? O efeito pode ser ainda mais forte e
pode levar a um comportamento agressivo ainda mais severo contra a mulher, como
estupro e outras formas de violência”, dizem.
Outra conclusão, em estudos relacionados de 2015, foi a de que músicas com letras pró-igualdade de gênero têm efeito positivo no comportamento menos violento entre homens e mulheres. O artigo é de Greitemeyer junto com Jack Hollingdale, da Universidade de Sussex, na Inglaterra, e Eva Traut-Mattausch, da Universidade de Salzburg, na Áustria.
Nos
experimentos, semelhantes aos primeiros, voluntários ouviam músicas com letras
que exaltam a igualdade de gêneros, como as homônimas “Respect”, de Aretha
Franklin e da banda Train. Entre tarefas diversas durante a audição, eles
avaliavam atributos gerais do sexo oposto. Os resultados eram melhores quando
eles ouviam essas músicas.
A
exposição do ouvinte às letras, segundo as pesquisas, “pode não só piorar a
atitude e o comportamento em relação à mulher, mas também pode ser efetivamente
usada para melhorar a maneira como o homem percebe e trata as mulheres”,
concluem os autores.