A baleia fake da Science |
“Estivemos
ansiosamente antecipando alguma descoberta desse tipo, mas não estávamos
preparados para uma evidência tão convincente da estreita relação faunal entre
a Ásia oriental e a América do Norte ocidental, tal como é revelado por esse
diminuto espécime.”[1] Essas palavras aparecem logo na quinta linha do artigo
publicado por Henry F. Osborn em 1922 na revista Science, no qual ele descreve o famoso homem de Nebraska. A
evidência tão convincente à qual ele se referia era um dente de cerca de 1 cm.
Apenas isso. No artigo, Osborn discute detalhadamente as características do
dente que o levaram a concluir que ele havia pertencido a um ancestral do
homem. Em 1927, a Science se
viu obrigada a publicar uma retratação com o título “Hesperopithecus apparently
not an ape nor a man” (Hesperopithecus, aparentemente nem macaco nem homem).[2]
O restante do esqueleto ao qual pertencia o dente havia sido encontrado.
Tratava-se de um javali extinto!
Mas
a ciência vive de erros e acertos e, naturalmente, o tipo de abordagem que
levou ao homem de Nebraska seria revisto no futuro para que não se repetisse
tamanho vexame. Certo? Errado. As baleias que o digam.
A
capa da edição de 22 de abril de 1983 da Science, 61 anos depois da publicação do homem de Nebraska,
estampava um animal meio mamífero terrestre, meio baleia.[3] Na ilustração, o animal
saía da margem de uma praia e mergulhava para buscar comida na água. Tratava-se
do Pakicetus, nome dado à estranha criatura encontrada no Paquistão.
O
Dr. Philip D. Gingerish, líder da pesquisa que apresentou o Pakicetus à
comunidade científica, declarou na época que “o Pakicetus e outros
cetáceos do início do Eoceno representam um estágio anfíbio na transição
evolucionária gradual das baleias primitivas da terra para o mar.”[3] Mas o que
era realmente conhecido a respeito do Pakicetus? Apenas fragmentos dos
ossos do crânio. A partir deles, todo o crânio foi reconstruído e nele foram
adicionadas características que não podiam ser deduzidas apenas com base nos
fragmentos. Supôs-se que o Pakicetus possuísse olhos nas laterais da
cabeça, como as baleias, e um respirador no topo do focinho. Esse respirador
estaria a meio caminho da posição dos respiradores das baleias modernas.
Supôs-se, ainda, que o Pakicetus possuísse nadadeiras, que não
tivesse um pescoço visível (como nas baleias) e que podia tanto caminhar em
terra como nadar no mar, como as baleias.
Dezoito
anos depois de o Dr. Gingerich ter encontrado os fragmentos do crânio do Pakicetus,
outros quatro crânios parciais e 150 ossos de Pakicetus foram descobertos,
permitindo que os cientistas construíssem um esqueleto quase
completo.[4] Com base nas novas descobertas, pôde-se concluir que o Pakicetus não
se assemelhava nada ao animal que estampou a capa da Science em 1983. Ele, na verdade, possuía um nariz na extremidade
do focinho, não um respirador de baleia, pés preparados para correr (não
nadadeiras), pescoço longo e visível (não ausente, como nas baleias) e olhos no
topo da cabeça (não nas laterais). Não seria um exagero chamar o Pakicetus de
a “baleia de Nebraska”.
Mesmo
assim, nos dias de hoje, ainda se insiste em que o Pakicetus esteja
na linha de ancestralidade dos cetáceos modernos, com base em características
como uma suposta semelhança entre suas bulas auditivas. Os cetáceos modernos
possuem uma estrutura chamada de processo sigmoide, algo similar a um polegar
estendido. Segundo o Dr. Zhe-Xi Luo, especialista em evolução de mamíferos, o Pakicetus não
possuía um processo sigmoide na bula auditiva, mas simplesmente uma placa
plana. Placas como essa são encontradas em mamíferos terrestres.[5] Observe a
figura ao lado e tire suas próprias conclusões.
A
história toda de como esse animal acabou sendo chamado de baleia é um exemplo
muito interessante de como a visão de mundo de um cientista possui um peso
decisivo em suas interpretações, especialmente quando tentamos reconstruir a
história de um passado do qual sobraram apenas alguns vestígios. Os
fragmentos de crânio encontrados pelo Dr. Gingerinsh constituem os dados
experimentais dos quais ele dispunha. O significado que ele atribuiu àqueles
fragmentos foi pura interpretação baseada em sua visão de mundo evolucionista.
A
mídia científica muito frequentemente nos apresenta os dados fósseis e sua
interpretação evolucionista como um conjunto indissociável. Extrapolações e
inferências são apresentadas como fatos incontestáveis e se procura lançar ao
ridículo aqueles que se atrevem a olhar para os mesmos dados com uma visão de
mundo diferente. É preciso ter isso em mente quando nos forem apresentados os
próximos homens-macaco e baleias com pernas.
Concepção artística atual do Pakicetus |
Referências:
[1] H. F. Osborn, “Hesperopithecus,
the first anthropoid primate found in America”, Science (80-.). 55 (1922) 463-465. doi:10.1126/science.55.1427.463.
[2] W. K. Gregory, “Hesperopithecus
apparently not an ape nor a man”, Science
(80-.). 66 (1927) 579-581. doi:10.1126/science.66.1720.579.
[3] P. D. Gingerich, N. A.
Wells, D. E. Russell, S. M. I. Shah, “Origin of Whales in Epicontinental
Remnant Seas: New Evidence from the Early Eocene of Pakistan”, Science (80-.). 220 (1983) 403-406.
doi:10.1126/science.220.4595.403.
[4] J. G. M. Thewissen, E. M.
Williams, L. J. Roe, S. T. Hussain, “Skeletons of terrestrial cetaceans and the
relationship of whales to artiodactyls”, Nature.
413 (2001) 277-281. doi:10.1038/35095005
[5] C. Werner, “Evolution: The
Grand Experiment”, v. 1, 3rd ed., New Leaf Press, 2014.