O
Brasil tem passado por uma mudança na composição da religiosidade de sua
população e a vinda dos papas ao país não interrompeu esse processo, ao
contrário, tem acelerado. João Paulo II, com apenas dois anos de pontificado,
foi o primeiro papa que pisou no território brasileiro. Ele chegou em 30 de
junho de 1980 e realizou o gesto célebre de ajoelhar-se e beijar o chão,
saudando a terra do maior país tropical do mundo. Ele levou uma multidão de
cerca de cinco milhões de católicos e não católicos às ruas e mexeu com o
Brasil. Em 1980, os católicos representavam 89% da população nacional. A
segunda visita do papa João Paulo II ao Brasil – no auge da sua fama e logo
após o fim da União Soviética e a queda do Muro de Berlim – foi entre 12 e 21
de outubro de 1991, sendo recebido em Brasília pelo então presidente Fernando
Collor de Mello, visitou a Irmã Dulce, em Salvador, percorreu dez capitais e
fez 31 pronunciamentos, também beatificou Madre Paulina. Em 1991, os católicos
representavam 83% da população nacional.
A
terceira visita do papa João Paulo II ao Brasil foi entre 2 e 6 de outubro de
1997, quando foi recebido pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Nessa visita o papa participou do II Encontro Mundial com as Famílias,
realizado na cidade do Rio de Janeiro, ficando por quatro dias na cidade.
Naquele ano, os católicos representavam cerca de 74% da população nacional.
Pesquisa
divulgada em 21 de julho de 2013 pelo Instituto Datafolha mostra que, quando o papa
Bento XVI veio ao Brasil, em 2007, os católicos representavam cerca de 64% da
população e agora, na visita do papa Francisco, os católicos representam apenas
57% da população nacional.
Ou
seja, embora o Brasil nunca tenha presenciado tantas vindas papais na história,
o percentual de católicos tem diminuído na impressionante cifra de 1% ao ano.
Será que o papa Francisco, com sua pregação de aproximação com os mais pobres, vai
mudar essa realidade? Certamente, o papa Francisco tem carisma e em sua visita ao
Brasil evitou os temas polêmicos da Igreja e passou uma mensagem de esperança e
de defesa das comunidades pobres. Ele fez discurso contra a corrupção e disse:
“Nunca desanimem, não percam a confiança.”
Mas
será que a Igreja Católica no Brasil vai encontrar forças para virar o jogo? Os
dados da pesquisa Datafolha lançam alguma luz sobre a participação dos
entrevistados nas igrejas.
Entre
os católicos, 28% costumam ir à missa uma vez por semana e 17% costumam ir à
missa e outros serviços religiosos mais de uma vez por semana. 21% dizem ir à
igreja uma vez por mês e 7% assumem que não a frequentam. Os números também
apontam que 34% deles têm o hábito de contribuir financeiramente com a Igreja,
com um valor médio mensal de R$ 23.
Porém,
entre os evangélicos pentecostais (que em média são mais pobres do que os
católicos), 63% vão à igreja mais de uma vez por semana, 52% contribuem
financeiramente, e o valor médio é de R$ 69,10 mensais. Entre os evangélicos
não pentecostais, 51% vão à igreja mais de uma vez por semana, 49% contribuem
financeiramente, e o valor médio é de R$ 85,90 mensais.
Segundo
o censo demográfico 2010, do IBGE, havia 123 milhões de católicos e 42 milhões
de evangélicos no país. Aplicando as percentagens mostradas na pesquisa
Datafolha chega-se ao número de 34,5 milhões de católicos que frequentam a
missa uma vez por semana e 26,6 milhões de evangélicos que participam dos
cultos com a mesma frequência. Mas como a contribuição financeira média é maior
entre os segundos, pode-se concluir que, entre os fiéis mais presentes nas
missas/cultos, as igrejas evangélicas arrecadam mais que o dobro do montante de
dinheiro em relação à Igreja Católica.
Além
de contribuir menos financeiramente com a igreja, os católicos também são os
menos sujeitos a seguir as orientações políticas dadas por sua igreja, segundo
o Datafolha. Apenas 5% dos entrevistados que se disseram católicos afirmaram
ter votado em um candidato recomendado pela Igreja, e 11% consideram importante
a opinião dos religiosos durante a campanha.
Todavia,
entre os evangélicos pentecostais, os números sobem para 18% e 21%,
respectivamente. Entre os evangélicos não pentecostais, 14% votaram em candidato
recomendado e o mesmo número considera a opinião dos religiosos importante.
Dessa
forma, a pesquisa Datafolha mostra que o processo de mudança de hegemonia
religiosa continua em ritmo acelerado e os católicos podem perder a posição de
maioria absoluta da população em um prazo mais curto do que o previsto
anteriormente. Os pentecostais são mais ativos no processo de evangelização e
no uso das mídias na conquista dos fiéis. Eles crescem entre os pobres e com o
dízimo dos pobres.
Em
entrevista ao portal IG, em 26 de julho, Frei David disse: “O carreirismo é uma
doença que contagiou muito a Igreja Católica do Brasil. Os novos padres não
revelam garra para servir aos pobres. Há exceções, graças a Deus. Ao serem
ordenados, querem paróquias ricas, nas quais entra muito dinheiro. Querem carro
do ano, reformar sua casa paroquial, comprar os últimos equipamentos
eletrônicos. Querem ocupar cargos e sonham em ser bispos. Há uma perigosa perda
de foco.”
Os
evangélicos, por outro lado, engrossam suas fileiras por quatro motivos: (a)
porque estão mais bem posicionados nos grupos demográficos mais dinâmicos da
sociedade brasileira; (b) porque promovem a migração inter-religiosa, atraindo
fiéis das hostes católicas; (c) formam pastores em tempo mais curto e que estão
mais presentes junto às comunidades em geral, especialmente as pobres; e (d)
customizam o discurso evangélico para as diversas camadas da população, para os
diversos estabelecimentos do comércio da fé e para os inúmeros segmentos do
mercado religioso.
Na
última década, houve perda, não só relativa, mas também absoluta de católicos.
Não existem dados longitudinais, mas tudo indica que a migração tenha se dado
tanto entre os católicos praticantes quanto entre não praticantes, mas não
necessariamente na mesma proporção. Há inclusive diversos exemplos de padres
católicos que viraram crentes, como o do pastor Nivaldo Lisboa Soares, da
Assembleia de Deus.
Segundo
Hélio Schwartsman, da Folha de S. Paulo:
“A pesquisa Datafolha feita às vésperas da chegada do papa ao Brasil mostra que
os católicos estão se tornando menos numerosos, menos fiéis (vão pouco a
missas) e menos obedientes (são tolerantes para com temas que o Vaticano
considera tabu).”
As
maiores perdas dos católicos acontecem entre as mulheres e os jovens. O Rio de
Janeiro é a Unidade da Federação com menor percentual de católicos e o maior
percentual de pessoas que se declaram sem religião. Nesse sentido, a realização
da Jornada Mundial da Juventude e a presença do papa Francisco constitui uma
tentativa de estancar a perda de fiéis. Mas, enquanto os católicos tentam se
aproximar dos pobres, setores dos evangélicos reforçam o discurso da teologia da
prosperidade, que, sem juízo de valor, tem, na prática, prevalecido tanto sobre
os princípios da teologia da libertação quanto em relação às pregações dos
carismáticos.
Segundo
o professor Reginaldo Prandi (2013), do departamento de sociologia da USP, os
evangélicos estão na trilha de se tornar a força religiosa dominante no país: “Depois
de trocar o discurso do desapego material pela apologia do consumo, o
pentecostalismo brasileiro se vê instado a afrouxar sua moral conservadora para
conquistar segmentos mais abastados e escolarizados.”
Parece
que a maioria das igrejas pentecostais se adaptou melhor às mudanças na
sociedade capitalista que abandonou o ascetismo do trabalhador produtivo (tipo
calvinista) para o capitalismo keynesiano com centralidade no consumo. A
teologia da prosperidade tem sido a ponte para o mundanismo reformado.
Segundo
Prandi: “A nova teologia promete que se pode contar com Deus para realizar
qualquer sonho de consumo. Em suma, já não se consegue, como antes, distinguir
um pentecostal na multidão por suas roupas, cabelo e postura. Tudo foi ajustado
a novas condições de vida num país cujo governo se gaba do (duvidoso)
surgimento de certa ‘nova classe média’.”
Na
nova conjuntura econômica e política do país e em uma sociedade cada vez mais
secularizada, dificilmente o papa Francisco, mesmo com sua tentativa de se
aproximar dos pobres, terá muito êxito em conseguir mudar o rumo das
transformações religiosas, inclusive o crescimento da parcela que se declara
sem religião. Entre os próprios evangélicos cresce a percentagem daqueles não
praticantes.
Dessa
forma, as diversas religiões vão se adaptando às exigências da cultura secular.
Por exemplo, mesmo o papa conclamando os jovens a irem para as ruas, os
participantes da JMJ tiveram que conviver com o “beijaço gay”, com o protesto
das feministas do movimento autodenominado “Vadias” e
das diversas manifestações reafirmando a laicidade do Estado, pedindo a
descriminalização do aborto, criticando os altos custos envolvidos na vinda do
papa, etc. As religiões hoje em dia, nas sociedades democráticas, são obrigadas
a conviver com manifestações pagãs e com críticas às práticas religiosas.
Mas
a ideia de “desencantamento do mundo”, de Max Weber, avançou conjuntamente com
o encantamento pelo consumo no capitalismo pós-moderno. A pluralidade religiosa
pode ser uma boa novidade em um país que passou quase 500 anos com monopólio de
uma única fé. Mas o crescimento de algumas denominações religiosas pode ser
apenas fenômeno temporário da atual conjuntura da sociedade brasileira. Como
disse Alves (2012), “o crescimento das correntes evangélicas pentecostais no
país tem sido compatível com o fato de que o sagrado está cada vez mais
comercializado e dessacralizado. É o Brasil cada vez mais desencantado”.
(José Eustáquio Diniz
Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos
Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas –
ENCE/IBGE; EcoDebate)
Referências:
ALVES,
JED, BARROS, LFW, CAVENAGHI, S. “A dinâmica das filiações religiosas no Brasilentre 2000 e 2010: diversificação e processo de mudança de hegemonia”. REVER
(PUC-SP), v. 12, p. 145-174, 2012.
PRANDI,
Reginaldo. “A conversão do pentecostalismo”, Folha de S. Paulo, 21/7/2013
ALVES,
JED. “A vitória da teologia da prosperidade”, Folha de S. Paulo, 06/7/2012
SCHWARTSMAN,
Hélio. “Uma era secular”, Folha de S.
Paulo, 26/7/2013
Nota:
Parece que o panorama religioso em nosso país não é muito promissor. Com a
superação da Teologia da Libertação e sua mensagem de cunho fortemente político
(que deixou hostes de órfãos secularizados ou mesmo sem fé), focada nos pobres
e nas lutas sociais, eis que desponta fortemente uma teologia ainda mais
perniciosa: a da prosperidade. O coração não convertido é terreno fértil para a
ganância. Enquanto os padres da Liberdade pregavam a revolução social com cores
marxistas, os pastores da Prosperidade enfatizam o ganho pessoal e o
enriquecimento; pregam o reino de Deus na Terra e parecem se esquecer do que
Jesus disse: que Seu reino não é deste mundo. Sai de cena a teologia focada na
comunidade (lembra-se das CEBs?) e entra no palco a teologia individualista, da
barganha com Deus e da alienação. São dois extremos que acabam passando longe
do verdadeiro evangelho.
É
verdade que Cristo deu atenção especial aos desfavorecidos, pois é da natureza
de Deus amar os que sofrem. Mas Ele jamais escorou Sua mensagem na subversão
social, na luta contra o império e as injustiças políticas. O cristianismo
acabou, sim, abalando o mundo, mas com a “arma” do amor, da pregação pacifista.
Foi a revolução da conversão, cujo poder é inigualável. Foi a pregação do reino
vindouro que sacudiu as bases dos reinos humanos.
Jesus
também não pregou sobre a prosperidade financeira como se ela fosse
consequência natural da aceitação de Seu reino. Na verdade, todos os discípulos
dEle foram desprovidos dos bens que este mundo tanto valoriza e tiveram uma
vida de privações e perseguições. A prosperidade financeira passou longe desses
homens, mas o nome deles está gravado nos muros preciosos da Nova Jerusalém.
Não
creio que o papa Francisco (nem mesmo ele) e os pastores evangélicos
conseguirão reverter o quadro que tanto assusta os cristãos pensantes e
verdadeiramente preocupados com a evangelização do mundo calcada nas páginas
das Escrituras. A moral cristã se afrouxa; “a teologia da prosperidade tem sido
a ponte para o mundanismo reformado”; a religião institucional dá lugar a uma
religiosidade descompromissada; dogmas pagãos e pluralismo religioso com sabor
pós-moderno substituem as verdades bíblicas.
Mas
tudo isso não nos deve assustar (embora entristeça), pois Jesus mesmo advertiu:
“Quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” (Lc 18:8). A fé
verdadeira será cada vez mais artigo raro. Cristãos de verdade se contarão nos
dedos. Mas a esperança permanece: Ele virá![MB]