Vivemos
em um mundo complexo, profundamente marcado por problemas variados e difíceis
de ser resolvidos. Desafios éticos e religiosos e demandas nas áreas política e
econômica se agigantam diante de nós. Não só isso: testemunhamos também a
crescente problemática no âmbito da segurança, educação e saúde. Como se não
bastasse, o mundo natural, com sua crise ecológica, parece ameaçar a própria
existência da humanidade e dos demais seres vivos. Um “fantasma” multifacetado
paira sobre a atmosfera terrestre e, com isso, o clamor da sociedade pede uma
solução daqueles que detêm o poder, os recursos, o saber e os métodos. A
natureza e o volume de tais problemas confrontam as mentes mais hábeis e
inteligentes, desafiando-as a agir com prontidão e conhecimento, mas, sobretudo,
com sabedoria – esta última, o elemento-chave que deve estar presente na vida
de toda pessoa chamada para dar sua contribuição a uma sociedade cada vez mais
conturbada. Todavia, as grandes necessidades humanas são numerosas em
comparação com as poucas mentes privilegiadas. Há cada vez mais carência de seres
humanos sábios.
Alguém
acertadamente refletiu: “Nosso mundo contemporâneo tem produzido gigantes
intelectuais, mas anões em sabedoria.” Isso significa que a inteligência e o
progresso tecnológico não estão sendo suficientes para enfrentarmos as crises
deste planeta. É necessário o plus da
sabedoria. Precisamos de pessoas diferentes, que enxerguem além das aparências
e contemplem o invisível. Não que a inteligência e as habilidades técnicas
sejam desprezadas, mas que as pessoas guiem-se por ações entremeadas de
sabedoria. No entanto, o que é a sabedoria? Como adquiri-la? Onde encontrá-la?
Na busca de respostas, não recorreremos nem a definições dicionarizadas nem a
conceitos filosóficos que tornam a sabedoria uma abstração. Consultemos a
Bíblia, o Livro da mais elevada sabedoria, o qual nos mostra a natureza, o valor
para a vida prática e a Fonte dessa virtude. Vamos nos reportar à incrível história
bíblica de Salomão, registrada no livro de 1 Reis, capítulo 3.
Com
a morte de seu pai, o rei Davi, Salomão assume o trono de Israel. O novo
monarca estava apreensivo e muito preocupado diante da grandiosa tarefa que lhe
cabia: governar uma nação inteira marcada por conflitos internos e crises. Diante
da responsabilidade enorme, sentia-se inexperiente e impotente. Foi quando,
certa noite, falou-lhe Deus em sonhos, concedendo-lhe a oportunidade de fazer o
pedido que desejasse. Salomão, de pronto, agarrando a chance áurea, respondeu a
Deus: “Teu servo está no meio do Teu povo que elegeste, povo grande, que nem se
pode contar, nem numerar, pela sua multidão. Portanto, dá ao Teu servo um
coração entendido para julgar o Teu povo, para prudentemente discernir entre o
bem e o mal” (1Rs 3:8, 9).
O
relato continua dizendo que o pedido de Salomão pareceu bom aos olhos de Deus.
Por causa disso, o Senhor lhe deu não só um coração sábio, mas até mesmo o que
não havia solicitado: riquezas, fama, glória, poder e inteligência singular.
Fascinante, não? Quem não gostaria de receber de Deus algo assim? É possível a
história desse rei se repetir em nossa experiência? O pedido de Salomão ficou
imortalizado na Bíblia por um motivo: indicar a chave que abre as portas de
todos os demais tesouros do mundo. Seguindo os passos do rei, caminhemos em
busca dessa mesma sabedoria que ele alcançou.
Primeiro
ponto: em que constitui a sabedoria? A sabedoria que vem do alto é claramente
definida na Bíblia como “primeiramente pura, depois pacífica, moderada,
tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem
hipocrisia” (Tg 3:17). Na história de Salomão, que pode ser a nossa, ele
especifica seu pedido: “Dá a teu servo um coração entendido, [...] para
prudentemente discernir entre o bem e o mal” (1Rs 3:3). Aqui se encontram,
resumidamente, as características de uma pessoa sábia. Não é aquela que possui erudição
destacada ou conhecimento enciclopédico, mas a que, mesmo humilde e sem ser
notada, é capaz de perceber o bem e a verdade, discernindo o mal e evitando-o. No
pensamento de Alister McGrath, professor de Oxford, a sabedoria está
caracterizada assim: “Os autores do mundo antigo [...] faziam uma distinção que
nossa era moderna parece ter esquecido – a distinção entre ‘conhecimento’ e ‘sabedoria’.
Conhecimento é a acumulação de fatos; sabedoria é ser transformado com base no
que é verdadeiro e realmente importante. Na linguagem da tradição clássica, a
sabedoria é afetiva, isto é, ela muda quem a procura ao colocá-lo em sua órbita
e sob sua influência transformadora. A sabedoria muda as pessoas. ‘O
conhecimento vem, mas a sabedoria perdura’ (Tennyson).”
Não
é estranho pensar que Deus Se aproxima de nós quando estamos, assim como
Salomão, aflitos por uma resposta diante de um grande problema. Em nossos
“sonhos”, talvez perturbados pelas preocupações, Deus pode Se apresentar e
dizer: “Pede-Me o que queres que Eu te dê”, com o intuito de oferecer a dádiva
mais preciosa – um coração cheio de entendimento. Assim como Ele Se revelou ao
filho de Davi, deseja Se manifestar a cada pessoa. Apelando ao nosso
livre-arbítrio, oferece a oportunidade de escolha. Logo, se você se sente como
Salomão, um menino pequeno, que não sabe como sair nem como entrar nas mais
diversas situações, aproveite a oportunidade de Deus e faça sua súplica. É Ele
mesmo quem garante na Palavra: “Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça a
Deus, que a todos dá liberalmente” (Tg 1:5). Pedir, portanto, é a primeira
atitude sábia.
Depois
de compreender o que é a sabedoria e de solicitar a Deus esse dom, precisamos
praticá-la em cada momento da vida, principalmente naqueles mais complicados,
quando teremos de realizar julgamentos, proferir sentenças, fazer escolhas
delicadas, decidir entre vários caminhos. Nesses instantes, o olhar sábio verá
o que ninguém consegue enxergar, proporcionando saída quando aparentemente não existe
solução.
Voltando
ao caso de Salomão, perceba como ele conseguiu resolver uma causa bastante
complexa entre duas mulheres que se diziam mãe da mesma criança (1Rs 3:16-28).
Sabiamente, o monarca conseguiu penetrar na questão com discernimento e
profundidade, alcançando o resultado esperado: a vitória do bem e da justiça.
Que habilidade! De igual modo, onde estivermos – seja no lar, no exercício da
profissão ou sob qualquer circunstância – teremos que nos defrontar com
questões das quais desejaremos fugir. Nesses instantes, a sabedoria divina será
bem-vinda e, de forma bastante prática, salvará a situação de um desastre ou de
uma injustiça.
Foi
o que ocorreu nesta brevíssima narrativa, contada por Salomão: “Houve uma
pequena cidade em que havia poucos homens, e veio contra ela um grande rei, e a
cercou e levantou contra ela grandes tranqueiras. Ora, vivia nela um sábio
pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria. Mas ninguém se lembrou mais
daquele homem. Então eu disse: Melhor é a sabedoria do que a força” (Ec
9:13-15).
Não
se podem resolver os problemas, por maiores que sejam, fazendo mero uso da
força ou de outros expedientes. Seja no ataque ou na defesa, nossa arma mais
eficaz é a sabedoria provida por Deus. Com ela, você é apto a salvar uma
“cidade inteira” dos invasores mais temíveis, trazendo salvação quando não há
expectativa alguma. O sábio, embora pobre, frágil e desconhecido, não foge
diante dos gigantes ameaçadores da vida. Enfrenta-os e vence-os!
Quem
é sábio converte a morte em vida e o mal em bem; aponta a saída do labirinto e
é a luz no meio das trevas. Pois neste mundo de loucura, quando a maioria age
com insensatez, “o coração do sábio discernirá o tempo e o modo, embora o mal
do homem seja grande sobre ele” (Ec 8:6). A sabedoria não se limita ao mundo
teórico das ideias. Por isso, praticá-la é a segunda atitude de um sábio.
Uma
certeza que precisamos pôr em mente é que a sabedoria é pessoal, está
representada em um Ser divino; possui identidade. Esse Ser – não os livros, a
Filosofia ou os grandes homens e mulheres do mundo – é a Fonte da sabedoria. Observe
a Sabedoria Se apresentando nesta belíssima alegoria, expressa em Provérbios 8:
“O Senhor Me possuía no início de Sua obra, antes de Suas obras mais antigas.
Desde a eternidade fui estabelecida, desde o princípio, antes do começo da
Terra. Antes de haver abismos, Eu nasci, e antes ainda de haver fontes
carregadas de água. [...] Ainda Ele não tinha feito a Terra, nem as amplidões,
nem sequer o princípio do pó do mundo. Quando Ele preparava os céus, aí estava
Eu; quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; quando firmava as nuvens
de cima; quando estabelecia as fontes do abismo; quando fixava ao mar o seu
limite, para que as águas não traspassassem os seus limites; quando compunha os
fundamentos da Terra; então Eu estava com Ele e era Seu Arquiteto.”
Essa
passagem se refere a Jesus, o Verbo por meio do Qual todas as coisas foram
criadas, o Logos de Deus. Acerca dEle é dito o seguinte: “O mundo tem tido seus
grandes ensinadores, homens de poderoso intelecto e vasto poder investigativo,
homens cujas palavras têm estimulado o pensamento e revelado extensos campos ao
saber; tais homens têm sido honrados como guias e benfeitores do gênero humano;
há, porém, Alguém que Se acha acima deles. Podemos delinear a série dos
ensinadores do mundo, no passado, até ao ponto a que atingem os registros da
História; a luz, porém, existiu antes deles. [...] Cada raio de pensamento,
cada lampejo do intelecto, procede da Luz do mundo.” Estando no princípio de
todas as coisas, criando o mundo e estendendo os céus, o Deus-sabedoria quer
estar também presente no princípio de nossa vida para construir em nós um mundo
belo, harmonioso, cujos fundamentos jamais sejam abalados. Daí Salomão
recomendar: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Pv 9:10).
Diferentemente
dos gregos, que a mantinham bem distanciada da humanidade, quase inatingível –
algo muito abstrato –, a Sabedoria do pensamento hebraico, embora altíssima e
grandiosa, procura manter conosco um relacionamento. Deseja ser conhecida de
perto por todos nós. Assim como Ela foi pessoalmente a Salomão em sonhos,
procura-nos onde estamos: “Não clama, porventura, a Sabedoria, e o Entendimento
não faz ouvir a Sua voz? No cimo das alturas, junto ao caminho, nas
encruzilhadas das veredas Ela Se coloca; junto às portas, à entrada da cidade, à
entrada das portas está gritando: A vós outros, ó homens, clamo; e a Minha voz
se dirige aos filhos dos homens.” Este Ser que nos chama é o próprio Deus.
Durante
a fase da vida em que Salomão manteve comunhão com Deus, tornou-se afamado e
reconhecido como um homem extremamente sábio. Afastando-se, porém, perdeu o
discernimento espiritual e moral. Transformou-se num insensato, despertando bem
mais tarde de sua loucura.
Não
invertamos as nossas necessidades pedindo primeiramente riquezas, glória, poder
e honra. Quem age dessa maneira jamais será uma pessoa sábia. Retomando a
recomendação do próprio Salomão, não devemos jamais nos esquecer de que “o
temor do Senhor é o princípio da sabedoria”. Logo, permitir que Deus ocupe o
primeiro lugar em nossa vida, relacionando-nos com Ele, é a terceira atitude
sábia.
“Deus
dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que Lhe agrada” (Ec 2:26). Em
outras palavras, o Senhor deseja nos alimentar diariamente com sabedoria, provendo-nos
a refeição que nos susterá em um mundo carente de valores, de amor, de justiça
e de paz. Deus tenciona suprir nossa mente com pensamentos elevados e
transformadores. Este é o banquete da sabedoria que já está preparado para
aquele que pedir e for em busca de Sua morada, nas alturas: “A Sabedoria
edificou a Sua casa, lavrou as Suas sete colunas, sacrificou os Seus animais,
misturou o Seu vinho e arrumou a Sua mesa. Já deu ordens às Suas criadas e,
assim, convida desde as alturas da cidade: Quem é simples, volte-se para aqui.
Aos faltos de senso diz: Vinde, comei do Meu pão e bebei do vinho que misturei.
Deixai os insensatos e vivei; andai pelo caminho do entendimento.”
Viver
inteligentemente é alimentar-se de sabedoria. Se assim procedermos nesta breve
existência, a sabedoria será para nós sombra sob o sol causticante (Ec 7:12),
brilho na escuridão mental (Ec 8:1), felicidade na tristeza (Pv 3:13) e esperança
de vida (Ec 7:12; Pv 8:35).
Ao
pedir sabedoria a Deus, talvez Ele não lhe dê a riqueza, glória e o poder
concedidos a Salomão. Contudo, a promessa para quem se comportar e pensar
sabiamente é um lauto banquete no futuro, bem mais abundante do que aquele que
é servido aqui. Por enquanto, peçamos a entrada, pois o prato principal está
reservado para a hora certa. Não nos esqueçamos de que o melhor de um homem
sábio sempre vem depois.
Se
você encontrou a sabedoria, achou um tesouro. Se ainda não, se sente falta
dela, faça da oração de Salomão a sua prece: “Senhor, concede-me sabedoria!”
(Frank de Souza
Mangabeira é membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)