[Tive a alegria de orientar o trabalho de conclusão de
pós-graduação da minha colega editora Anne Lizie Hirle. Pela relevância do
assunto pesquisado, pedi que ela escrevesse o pequeno artigo a seguir, pois ele
tem potencial de suscitar reflexões por parte dos pais e dos educadores. – MB.]
Quantas vezes você já disse frases como: “Isso não é
coisa para criança”, “Explico quando você crescer”? Essas “explicações” são frequentes
no diálogo entre adultos e crianças. Isso porque, nas mãos do adulto, está o
filtro que separa os assuntos que devem ou não ser conversados com os menores.
Na maioria das vezes, o que determina o veto é a ideia de que certos temas são inadequados
ou complexos demais para a mentalidade infantil. Os adultos têm razão nesse
sentido? Pesquisas mostram que é equivocada a ideia de que as crianças não têm
capacidade para compreender determinados assuntos. O que se afirma é que a
criança já conta com recursos cognitivos variados, como observação, formulação
e teste de hipóteses, e processos de generalização e abstração.
Obviamente, entender que a criança é capaz de
assimilar determinados conceitos não significa que ela esteja apta para lidar
com todo tipo de assunto. É preciso ter bom senso. O que deve ser repensando,
entretanto, é a ideia de que temas mais complexos serão sempre incompreendidos
pelos menores. Diante disso, o que dizer de assuntos científicos, como as teorias
de origem da vida? A partir de qual idade é possível explicá-las para as
crianças?
Diversos psicólogos e estudiosos já se detiveram a
estudar a problemática do desenvolvimento mental infantil. Vigostki, por
exemplo, cita o conceito de prazos ótimos de aprendizagem, que seria o período
mais adequado para determinado tipo de aquisição. Esse conceito remete ainda à
zona de desenvolvimento proximal (ZDP), definida como um período em que os
processos estão em fase de maturação na mente da criança. Assim, a fase mais
adequada para o progresso de uma função psicológica seria aquela em que essa função
se encontra em processo de maturação. Esses conceitos são importantes para
compreender que a criança precisa estar preparada para assimilar determinados
assuntos.
Seguindo as teorias que dividem o desenvolvimento
infantil em fases, formulou-se uma pesquisa comparativa entre duas etapas
específicas do progresso cognitivo infantil: antes e depois dos sete anos. Essa
idade não foi escolhida aleatoriamente. Tomei como base duas fontes teóricas: a
crise dos sete anos, de Vigotski, e os estágios do desenvolvimento intelectual,
apresentados por Piaget.
Durante o período de pesquisa, 200 crianças entre 4 e
11 anos foram entrevistadas. A entrevista consistia em quatro perguntas sobre a
origem da vida: (1) Você sabe como o mundo foi criado/surgiu? Onde você
aprendeu isso?; (2) E o ser humano (as pessoas), você sabe de onde ele veio?;
(3) Você já ouviu a palavra “evolucionismo/evolução”? Sabe o que significa?; (4)
E “criacionismo/criação”? Sabe o que é?
A análise dos dados coletados mostrou indícios do
crescimento cognitivo infantil entre as crianças de 7 a 9 anos, já que elas
apresentaram um pequeno avanço na compreensão dos assuntos relacionados à
origem da vida. As crianças dessa faixa etária demonstraram mais conhecimento
em alguns aspectos, quando comparadas com o grupo de 4 a 6 anos. Por exemplo,
ao serem questionadas sobre as palavras “evolução” e “criação”, foram capazes
de arriscar palpites, como dizer “evolução é algo que evolui”; “criação é
quando alguém cria alguma coisa”. Ao contrário, as crianças menores ficavam
confusas, e ainda que muitas tenham arriscado respostas, era nítida a diferença
das explicações fornecidas pelo outro grupo.
É importante destacar que, entre as crianças de 4 a 6
anos, nenhuma forneceu resposta adequada sobre as teorias evolucionista e
criacionista, enquanto entre o grupo de 7 a 9 anos o número começou a crescer
(5% souberam responder sobre a evolução, e 18% sobre a criação). Cabe salientar
que o fato de algumas crianças entre 7 e 9 anos terem sido capazes de responder
corretamente aos questionamentos propostos sem que estes tenham sido ensinados
a elas na escola (já que esse conteúdo é ministrado apenas a partir dos 10 ou
11 anos) mostra que houve um ensinamento anterior. Para essas crianças, o
ensino escolar veio para se somar a um aprendizado inicial. Nesse contexto,
fica claro que a realidade social em que a criança está inserida justifica o
fato de crianças da mesma idade estarem em diferentes estágios do
desenvolvimento mental.
Assim, os dados coletados e analisados confirmam as
ideias defendidas pelas teorias referentes ao desenvolvimento cognitivo entre
as crianças a partir de 7 anos. Mesmo que o índice mais significativo tenha
sido entre as crianças de 10 e 11 anos, foi possível perceber que algumas
crianças antes dessa faixa etária já se mostravam aptas para entrar em contato com
tais conceitos científicos. Os resultados da pesquisa mostram a importante
tarefa que está nas mãos dos adultos: fornecer conhecimento adequado para as
crianças a fim de que elas se desenvolvam mentalmente e conheçam suas origens.
Essa educação não pode ser negligenciada, pois é nos primeiros anos que o
caráter se forma. “Nunca será demais acentuar a importância da educação
ministrada à criança em seus primeiros anos. As lições que a criança aprende
durante os primeiros sete anos de vida têm mais que ver com a formação do seu
caráter que tudo que ela aprenda em anos posteriores” (Ellen G. White, Orientação da Criança, p. 119).
(Anne Lizie Hirle é
editora associada da revista Nosso Amiguinho e pós-graduanda em Teologia e
Estudos Adventistas)
Referências:
ARCE, A.; SILVA, D. A. S. M; VAROTTO, M. (Orgs.). Ensinando
Ciências na educação infantil. Campinas: Alínea, 2011.
COLINVAUX, Dominique. Ciências e Crianças: delineando
caminhos de uma iniciação às ciências para crianças pequenas. Contrapontos,
Itajaí, v. 4, n. 1, 2004.
VIGOTSKI, L. S. A crise dos sete anos. Traduzido de:
VIGOTSKI, L. S. La crisis de los siete años. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid:
Visor y A. Machado Libros, 2006. p. 377‐386.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. S. Paulo:
Martins Fontes, 1991.
WHITE, Ellen G. Orientação da Criança. Tatuí: Casa
Publicadora Brasileira, 2014.