Universidade realmente plural |
[Meus
comentários seguem entre colchetes. – MB] A Universidade Presbiteriana
Mackenzie, uma das mais tradicionais de São Paulo, acaba de inaugurar um núcleo
de ciência, fé e sociedade que tem como um de seus objetivos a realização de
pesquisas sobre a chamada teoria do DI (Design
Inteligente). Os defensores do DI, cujas ideias são rejeitadas pela maioria da
comunidade científica, argumentam que os seres vivos são tão complexos que ao
menos parte de suas estruturas só poderia ter sido projetada deliberadamente
por algum tipo de inteligência. O novo centro recebeu o nome de Núcleo
Discovery-Mackenzie, por causa da parceria entre a universidade brasileira e o
Discovery Institute, nos EUA. A instituição americana está entre os principais
promotores da causa do DI e já sofreu derrotas judiciais em seu país por
defender que a ideia fosse ensinada em escolas públicas em paralelo com a
teoria da evolução, hoje a explicação mais consolidada sobre a diversidade da
vida [note a confusão: tanto criacionistas quando teóricos do DI admitem que
exista “diversidade da vida” como fruto de diversificação de baixo nível, que
alguns também chamam de “evolução”; a matéria da Folha muda de assunto, deixando claro que o repórter não está bem
inteirado do assunto de que está tratando. O desafio do DI à evolução consiste
em questionar a insuficiência dos mecanismos evolutivos para explicar a origem
de sistemas complexos interdependentes e dependentes de muita informação
complexa e específica, coisa que realmente a teoria da evolução não explica –
nem a matéria da Folha.]
Tribunais
dos EUA consideraram que o DI seria, na essência, muito semelhante ao
criacionismo bíblico (a ideia de que Deus criou diretamente o homem e os
demais seres vivos) e, portanto, seu ensino violaria a separação legal entre
religião e Estado no país [o que é uma tremenda forçação de barra, já que o DI
nem se ocupa da natureza do Designer, por entender que esse assunto extrapola a
capacidade de pesquisa dos cientistas. A TDI apenas identifica evidências de um
design na natureza, mais ou menos
como fazem os cientistas forenses, por exemplo. Há entre os defensores do DI até
ateus e agnósticos. O próprio Michael Behe (que esteve na Mackenzie) não é
criacionista. Dizer que DI é um tipo de criacionismo trata-se de má-fé das
autoridades norte-americanas e do autor da matéria da Folha, na tentativa de evitar a discussão e blindar o evolucionismo].
“É
importante destacar que não é um núcleo de DI, e sim um núcleo de fé, ciência e
sociedade”, declarou à Folha o
teólogo e pastor presbiteriano Davi Charles Gomes, chanceler da universidade. “Nossa
instituição é confessional, o que significa que ela tem uma visão segundo a
qual o mundo tem um significado transcendente. E não existe ciência que, no
fundo, não reflita também sobre coisas transcendentes.”
Segundo
Gomes, o contato com o Discovery Institute já acontece desde a década passada,
quando a universidade começou a organizar o ciclo de simpósios “Darwinismo Hoje”,
trazendo biólogos defensores da teoria da evolução e palestrantes que
questionam o consenso científico. “Visitei o Discovery em Seattle e descobri
que eles aplicam a ideia de design
inteligente e complexidade irredutível a uma série de questões que vão além dos
seres vivos, como sistemas de trânsito.” [A Mackenzie está de parabéns, pois
está fazendo o que todas as ditas universidades
deveriam estar fazendo: dando voz e vez ao contraditório, permitindo que haja
discussão aberta e plural, oportunizando aos alunos a chance de ter contato com
várias facetas da discussão sobre a origem e o desenvolvimento da vida.
Palestrantes evolucionistas têm livre acesso aos eventos da Mackenzie. Por que
o mesmo não ocorre com os pesquisadores criacionistas e do DI em todas as
universidades não confessionais? Algumas até lhes fecham as portas. Confira
aqui e aqui.]
“Complexidade
irredutível” é uma das palavras de ordem dos defensores do DI. O termo costuma
ser aplicado a estruturas biológicas que, em geral, têm escala celular ou
molecular e apresentariam organização tão intrincada que não poderiam ter
surgido de forma gradual e não guiada, contrariando, portanto, o que diz a
teoria da evolução. O grande exemplo seria o flagelo (grosso modo, “cauda”) de
certas bactérias. Embora biólogos já tenham apresentado indícios fortes de que o
flagelo bacteriano poderia ter sido
construído a partir de peças de “seringas moleculares” usadas pelos micróbios
para injetar toxinas, os adeptos do DI resistem à ideia. “Quanto mais a gente
estuda o flagelo, mais complexo ele fica”, argumenta o químico Marcos Eberlin,
pesquisador da Unicamp que coordenará o núcleo e é presidente executivo da
Sociedade Brasileira do Design Inteligente. [Depois de mais de vinte anos que
Behe publicou seu livro A Caixa Preta de Darwin, com seu desafio bioquímico à teoria da evolução, tudo o que os
evolucionistas têm a oferecer são “indícios fortes”?]
Eberlin
afirma que seu objetivo é promover a “avaliação crítica das duas possibilidades”
(teoria da evolução e DI), um debate que, segundo ele, estaria sendo barrado
pela maior parte da comunidade científica. “O problema é que a academia fechou
a questão e não abre brecha para nenhum debate: só existe matéria, energia e
espaço no Universo e acabou. Não é assim, os debates é que tornam a ciência
divertida”, diz.
Grande
parte dos defensores do DI são cristãos conservadores, interessados em mostrar
uma possível consonância entre os dados biológicos e o relato bíblico da
Criação, mas Eberlin afirma que o movimento não impõe uma linha religiosa ou
filosófica única. “Tem gente que acha que o design
vem dos ETs, outros falam de um Grande Arquiteto do Universo, como os maçons,
ou um espírito evoluído, como os espíritas.”
Para
especialistas [e os pesquisadores do DI não são especialistas?], o projeto tem
sabor de fracasso. “É triste e extremamente preocupante”, diz o paleontólogo
Mario Alberto Cozzuol, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). “As
premissas do DI foram derrubadas e expostas já faz muito tempo. Seus
proponentes não têm aportado nenhuma novidade para a discussão. O único motivo
pelo qual isso continua atraindo gente é a falta de educação em ciências.”
[Para mim, o projeto deixa na boca dos evolucionistas um sabor de desespero e
medo. Eles não suportam a ideia de a academia se abrir para o diálogo ou de ver
o evolucionismo ser contestado em bases científicas.]
“Sabendo
que o Mackenzie tem um curso de biologia que não compartilha, ou não
compartilhava, das ideias do DI, pode haver choque de interesses. De qualquer
forma, o peso simbólico é grande”, afirma o teólogo Eduardo Rodrigues da Cruz,
especialista na relação entre ciência e religião da PUC-SP. “Considero que se
trata de uma tremenda desonestidade intelectual”, diz Maria Cátira Bortolini,
geneticista da UFRGS. “As evidências, fatos, provas pouco importam – o que
importa é a narrativa, construída de forma que se coadune com a ideologia ou a
crença do sujeito.” [Desonestidade intelectual é uma instituição de ensino proibir
seus alunos de saber que existem outros modelos que estudam o assunto das
origens, e que o evolucionismo tem, também, aspectos filosóficos/metafísicos.
Desonestidade intelectual é não querer ver que a TDI não se baseia em livros
religiosos nem em crenças subjetivas. Desonestidade intelectual é não apresentar
argumentos e ficar no mi, mi, mi.]
Nota:
Após a solenidade de inauguração do espaço na Mackenzie, entrevistei o Dr.
Mikhael Behe (confira a entrevista na edição de junho da Revista Adventista) e entreguei-lhe dois livros: Por Que Creio, no qual há uma entrevista
com ele, e The Power of Hope (O Poder da Esperança), versão em inglês
do livro missionário para 2018. Ambos de minha autoria. [MB]