Macroevolução é ficção |
Está
em andamento, aqui no Brasil, mais uma tentativa de dar um verniz de
respeitabilidade científica ao velho criacionismo, a ideia de que os seres
vivos da Terra não evoluíram de forma natural,
mas foram magicamente criados pelo
Deus judaico-cristão-islâmico. Nas redes sociais, volta e meia pipocam convites
para eventos, em escolas e universidades, com palestrantes comprometidos com a tese. Para evitar confronto
direto, no caso de instituições públicas, com as leis que proíbem o uso de
recursos do Estado para a promoção de ideias religiosas – e, também, para mais
facilmente seduzir os incautos – os
organizadores costumam evitar menções explícitas ao criacionismo, a Deus ou à
religião em seu material de divulgação, mas as entrelinhas sempre revelam o verdadeiro objetivo: promover o ideário
criacionista como uma “alternativa científica” à Teoria da Evolução.
Em
termos espirituais, é claro que cada um é livre para crer no que quiser. Mas quando
ideias religiosas tentam se passar por
ciência, um pouco de ceticismo vem a calhar. Em ciência, uma “teoria” é um
conjunto articulado de explicações bem
testadas que dá conta de uma ampla série de fenômenos. Por exemplo, a Teoria da Relatividade Geral explica
coisas como o movimento dos planetas em torno do Sol e a expansão do universo.
No
parágrafo acima, é importante dar ênfase especial à expressão “bem testadas”:
toda teoria nasce como hipótese – uma proposta de explicação para algum fato
conhecido – e se consolida à medida que permite entender coisas que, para as
hipóteses concorrentes, são mistérios; e também à medida que faz previsões que
se confirmam.
A Evolução das Espécies
é um caso clássico de teoria bem consolidada: ela não só dá
conta dos fatos tal como eram conhecidos no tempo de seus autores, Darwin e
Wallace – por exemplo, a adaptação das
espécies a seus ambientes – como ainda permitiu entender fenômenos sem
explicação clara naquela época, como extinções. E previu, certeira, não só que
a Terra deveria ser muito mais velha do que se imaginava no século 19, como
também que todos os seres vivos têm um
ancestral comum, algo magistralmente confirmado
mais de cem anos depois, graças aos avanços da biologia molecular no século
20.
Em
comparação, o criacionismo, quaisquer que sejam seus méritos como doutrina
religiosa, funciona muito mal como hipótese científica: ou ele não prevê nada
(afinal, supõe-se que Deus pode fazer o que quiser do jeito que quiser,
enquanto que a ciência, para prever, pressupõe
causas naturais amarradas por leis e limitações) ou só faz previsões
fracassadas (como a de que a Terra teria surgido há poucos milhares de anos).
A vacuidade científica
da tese criacionista leva seus cultores a atacar a evolução.
É uma manobra típica de quem, sabendo que não tem nada a oferecer, tenta dar a
impressão de que o adversário também é vazio, estabelecendo, assim, uma falsa
equivalência.
Mas
a evolução não é uma hipótese vazia: é uma teoria bem consolidada, que
sobreviveu a inúmeros testes e que, se estivesse errada, teria sido desmentida,
nos últimos 150 anos, pela geologia, pelo registro fóssil, pela biologia
molecular. Só que não foi.
(Carlos Orsi, Galileu)
Nota:
Carlos Orsi é conhecido entre os leitores de ficção científica (lembro-me dele
dos tempos da Isaac Asimov Magazine)
e contos de terror. Os anos se passaram e, pelo jeito, ele continua ligado à
ficção – o texto acima parece exatamente isto: uma peça de ficção científica. É
impressionante como, em tão poucos parágrafos, ele consegue escrever tantas
impropriedades e reforçar estereótipos repetidos ad nauseam pelos evolucionistas mal informados. Vamos por partes:
1.
Dizer que o Universo e a vida teriam surgido de forma “natural” (informação a
partir do nada, vida da não vida, matéria da ausência de matéria, etc.) não
equivale a dizer que tudo surgiu de forma “mágica”? Sinceramente, não vejo
diferença.
2.
Orsi pinta um quadro sombrio (ao estilo “terror”) dos criacionistas, como
“agentes obscuros” defensores de ideias medievais e que procuram se infiltrar
aqui e ali para disseminar suas crendices e fazer discípulos. Sinceramente, não
me vejo dessa maneira (será que sou tão míope a ponto de não perceber?). Orsi
caricaturiza os criacionistas e, mesmo que um ou outro por aí seja meio “doido”
(e “doidos” há em todos os lugares, sob todas as “bandeiras”), ele erra ao
tomar o todo pela parte. Os criacionistas que eu conheço e com os quais convivo
são amantes da ciência, do conhecimento e da verdade. Tudo o que querem é ser
respeitados, não a despeito de suas crenças, mas exatamente porque creem de
forma racional e razoável, e essa sua subjetividade não os impede de fazer boa
ciência, muito pelo contrário, os motiva – como aconteceu com os “pais da
ciência” Newton, Galileu, Copérnico e outros.
3.
Os criacionistas não estão preocupados em “promover o ideário criacionista como
uma ‘alternativa científica’ à Teoria da Evolução”. Isso não existe. Já disse
aqui e repito: a Sociedade Criacionista Brasileira não
defende que se ensine criacionismo nas escolas públicas. Por quê? Porque
dificilmente se poderiam conseguir professores capacitados a expor devidamente (e
equilibradamente) as ideias dos dois modelos, e porque o criacionismo é um
modelo científico-teológico (se posso dizer assim), portanto, não adequado para
ser ensinado em escolas laicas. O que se deseja é que o evolucionismo seja
ensinado de forma crítica e não como uma verdade incontestável, como vem sendo
apresentado a alunos incapazes ainda de enxergar a realidade por si mesmos.
4.
Orsi diz que, “quando ideias religiosas tentam se passar por ciência, um pouco
de ceticismo vem a calhar”. Um pouco de ceticismo sempre vem a calhar, até mesmo – e principalmente – quando alguém
tenta dizer que uma coisa é de um jeito que não é. Não conheço nenhum
criacionista bem esclarecido que confunda ciência com “ideias religiosas”.
Conheço, sim, muitos evolucionistas – como Orsi – que confundem ciência com
cientificismo e com naturalismo filosófico. É com esse tipo de confusão que
surgem as “peças de ficção científica”. O naturalismo é uma cosmovisão que não
pode ser submetida ao método científico, no entanto, os evolucionistas
(especialmente os ateus) a priori a
abraçam avidamente como se fosse a única “explicação” possível para a origem de
tudo.
5.
O ficcionista explica que teoria “é um conjunto articulado de explicações bem
testadas que dá conta de uma ampla série de fenômenos”, e então menciona a
Teoria da Relatividade Geral (curiosamente, ele não mencionou a gravidade, como
é mais comum), que explica coisas como o movimento dos planetas em torno do
Sol. Ok, mas o que isso tem a ver com o conceito de macroevolução? O movimento
dos planetas nós podemos observar todos os dias, in loco (pois moramos no sistema solar), mas e a origem da vida? E
o processo de “transformação” de uma barbatana em pata ou do surgimento de
novos órgãos complexos, cujo processo nem consta no registro fóssil? Comparar a
Relatividade Geral e a gravidade com a macroevolução é um absurdo total; é mais
“forçação de barra” do que muitas ficções por aí.
6.
Num único parágrafo, Orsi transita de um conceito a outro, numa confusão típica
entre evolucionistas (por má intenção ou desconhecimento?). Ele diz que “a
Evolução das Espécies é um caso clássico de teoria bem consolidada”, depois
menciona “a adaptação das espécies a seus ambientes” e o “fato” de “que todos
os seres vivos têm um ancestral comum”. É mais uma evidência de que o termo
“evolução” pode ser usado a torto e a direito, dependendo do interesse de seu
usuário. Quando fala em “evolução das espécies”, Orsi não esclarece a que está
se referindo. Depois ele muda o discurso para tratar especificamente da
diversificação de baixo nível (chamada por alguns de “microevolução”), sim,
porque “adaptação das espécies a seus ambientes” se trata exatamente disso. E
todo mundo sabe (ou deveria saber, se os evolucionistas deixassem) que
adaptações (assim como mutações) não “criam” informação necessária para que
houvesse o surgimento de novos planos corporais e/ou órgãos complexos.
Adaptações são apenas isto: adaptações. Em seguida, o ficcionista muda de novo
o discurso para transformar a palavra “evolução” em macroevolução, ao dizer que
“todos os seres vivos têm um ancestral comum”. Cadê as provas disso? Aliás,
novas pesquisas parecem mostrar que a realidade é bem outra (confira).
7.
Ao contrário do que Orsi quer, “os avanços da biologia molecular no século 20”
têm é mostrado que a ideia de complexidade irredutível de Behe é fato, e que se
Darwin dispusesse dos equipamentos (como o microscópio) e dos conhecimentos de
hoje, talvez a história de sua teoria fosse outra.
8.
Orsi diz que o criacionismo ou não prevê nada ou só faz previsões fracassadas.
Falso. Os criacionistas previram que o registro fóssil apresentaria lacunas e
não transições graduais às milhares. Confirmado. Previram que os organismos do
passado seriam maiores, mais fortes e complexos que seus descendentes.
Confirmado. Previram que quanto mais a ciência avançasse, mais se perceberia
que a complexidade da vida aponta para um design
inteligente. Confirmado (a menos que se neguem os fatos). Previram que seriam
encontradas evidências de uma grande catástrofe hídrica que extinguiu quase que
completamente as formas de vida do mundo de então (incluindo aí os
dinossauros). Confirmado. Etc. Etc.
9.
Muito mais poderia ser dito sobre esse “conto” de Orsi, mas concluo com esta
pérola dele: “A vacuidade científica da tese criacionista leva seus cultores a
atacar a evolução.” Negativo. O que leva a maioria dos criacionistas (pelo
menos os que eu conheço) a “atacar” a evolução é a doutrinação materialista que
procura forçar os estudantes a aceitar um pacote ideológico (filosófico) como
se fosse ciência empírica. O que leva os criacionistas a “atacar” a evolução é
o desejo de que se compreenda o que é ciência e o que é naturalismo filosófico;
que se perceba que há um grupo de ateus tentando usar essa “teoria” como
alavanca para mover Deus para o lado e defender sua descrença; que se evidencie
o fato de que o evolucionismo se transformou numa verdadeira religião e que
seus defensores são tão fanáticos quanto o estereótipo de criacionista que eles
criaram.
De
qualquer forma, é bom saber que a revista Galileu
agora também publica contos de ficção científica travestidos de ciência. Não
faltava mais nada mesmo... [MB]