Mais uma hipótese que muda |
Uma
questão que tem recebido bastante atenção dos paleontólogos é a origem de um
grupo de vertebrados que alcançou um sucesso muito grande ao longo de sua
história evolutiva. Trata-se dos gnatostomados, animais que possuem as arcadas
superior e inferior bem individualizadas. Esse interesse dos cientistas não é
para menos. Basta olhar ao redor para encontrar um integrante dos
Gnathostomata. Peixes – desde os tubarões e raias até os ósseos –, aves,
anfíbios, lagartos e mamíferos, incluindo a nossa própria espécie (Homo sapiens), todos pertencemos a esse
agrupamento. Pensando apenas nos peixes
cartilaginosos e nos peixes ósseos, havia uma teoria que acabou ficando
enraizada na mente dos pesquisadores. Acreditava-se [acreditava-se, mas
falava-se como se fosse fato] que o ancestral desses gnatostomados deveria ter
sido predominantemente cartilaginoso e ter tido um aspecto geral bem semelhante
ao dos tubarões.
Com
isso, veio a noção de que diversas características dos peixes ósseos, como a
existência de placas ósseas na cabeça e nas arcadas dentárias, formariam um
conjunto de novidades evolutivas. Devido à falta dessas características, os
peixes cartilaginosos como o tubarão seriam formas muito primitivas. Mas uma
descoberta feita por Min Zhu (Institute of Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology,
Pequim) e colaboradores publicada com destaque na Nature mostra que talvez não tenha sido
bem assim.
Sempre
que enfocamos um grupo muito diversificado e que possui uma história geológica
bem antiga, acabamos esbarrando em um monte de termos e nomes de agrupamentos
que não fazem parte do nosso cotidiano, nem mesmo o de muitos pesquisadores. O
caso dos Gnathostomata é assim: há diversas espécies e grupos extintos que a
maioria das pessoas nunca ouviu falar.
De
uma forma simplificada, os gnatostomados são divididos em quatro grupos
principais. Os mais conhecidos e que possuem representantes atuais são os
Chondrichthyes, onde são classificados os tubarões, as raias e as quimeras, e
os Osteichthyes, que são os peixes ósseos – além, é claro, dos tetrápodes
(animais com quatro membros). Também fazem parte dos Gnathostomata os
placodermos, que são peixes com uma armadura óssea bem típica, e os Acanthodii,
peixes cujo crânio e as arcadas dentárias são formados por dezenas de pequenas
placas ósseas.
Quanto
aos peixes, as relações de parentesco tradicionais apresentavam os placodermos
na base, seguidos pelos acantódeos, depois pelos tubarões e formas aparentadas,
e, finalizando, pelos peixes ósseos. Dessa forma, segundo essa teoria, as
placas dérmicas encontradas nos placodermos não seriam as mesmas presentes nos
peixes ósseos. Assim, primeiro teriam surgido
os placodermos com placas ósseas que vieram a ser perdidas nos acantódeos e
novamente adquiridas pelos peixes ósseos de forma independente. Uma das
conclusões dessa hipótese é que os peixes cartilaginosos seriam formas muito
primitivas.
Já
há alguns anos, Min Zhu e colegas trabalham coletando fósseis na região de
Yunnan, na China, mais especificamente em depósitos da Formação Kuanti. Essas
rochas representam um mar que existia na região há 419 milhões de anos [segundo
a cronologia evolucionista], um tempo que chamamos de Siluriano. Essas camadas
já revelaram muitos fósseis importantes, incluindo os mais antigos peixes
ósseos, que também foram estudados pela equipe de Min Zhu em outro trabalho publicado na Nature.
Entre
o material coletado estavam alguns exemplares que Min Zhu e colegas denominaram
de Entelognathus primordialis. Após
um primeiro olhar no crânio dessa espécie, se tem a nítida impressão de que se
trata de um placodermo, com grandes placas ósseas formando uma armadura bem
típica do grupo. Como o material é muito completo, o achado por si só já seria
digno de destaque, particularmente quando se pensa na idade bem antiga das
rochas [lembra-se do velho pensamento circular? Os peixes são antigos porque as
rochas em que estão são antigas; e as rochas são antigas porque contêm esses
peixes antigos].
Porém,
a surpresa maior vem quando se observa a parte lateral da cabeça de Entelognathus.
Ao contrário das grandes placas da arcada inferior típica dos placodermos, a
nova espécie apresenta placas menores totalmente integradas com outros ossos da
face lateral do crânio, bem parecidas com o que se observa nos peixes ósseos.
Ou seja: o Entelognathus tinha a cabeça de um placodermo e as arcadas
dentárias de um Osteichthyes, algo totalmente inesperado.
O impacto da descoberta
sobre o entendimento da evolução dos peixes gnatostomados é tremendo.
Primeiramente, a relação de parentesco estabelecida no estudo de Min Zhu e
colegas demonstra que os acantódeos não
estão mais na base da evolução dos peixes, mas sim proximamente
relacionados aos tubarões e demais peixes cartilaginosos.
A
posição basal de Entelognathus e o estabelecimento de que pelo menos
algumas placas ósseas dos placodermos eram compartilhadas pelos Osteichthyes
necessariamente leva à conclusão de que, na realidade, o ancestral dos
gnatostomados não deveria ter um
aspecto similar ao do tubarão, mas sim ter sido revestido por placas ósseas que
foram perdidas ao longo do tempo nos peixes cartilaginosos. Ou seja, o tubarão passou de um animal mais basal e
primitivo para uma forma bastante evoluída.
As
consequências do novo achado ainda estão sendo “digeridas” pelos pesquisadores.
Muita coisa na história evolutiva dos
gnatostomados terá que ser revista. Mas uma coisa é
certa: Entelognathus demonstra, mais uma vez, a importância do estudo
dos fósseis para tentar entender a evolução e diversificação da vida no nosso
planeta [ou seja, as evidências mudam, os golpes vêm, mas a teoria da evolução
permanece em pé, sustentada por escoras epistêmicas insistentemente colocadas
por seus defensores].
Outro
ponto que merece destaque é a constatação de que a China continua surpreendendo
o mundo científico com novas descobertas, desde as mais midiáticas, como os
dinossauros com penas e outras partes de
tecido mole excepcionalmente bem preservadas [o que sugere que foram
sepultados de forma instantânea sob água e lama], até peixes e invertebrados de
todos os tipos [que catástrofe os teria soterrado?]. Esses resultados figuram
nas principais revistas científicas do mundo, como Nature e Science.
[...]
Nota:
Interessante notar como as hipóteses evolutivas vêm sendo alteradas pela
pesquisa de campo, como aconteceu com os “homos” (confira) e agora com os
peixes. E alguns ainda têm a pretensão de achar que sabem muito sobre essa estória...
[MB]