O
cenário seria suíço, não fosse pela simplicidade de parte das instalações, como
as cadeiras brancas de plástico do refeitório. Emoldurados por colossais
montanhas de pedra à beira da BR 040, em Petrópolis, os 600 mil metros
quadrados do Instituto Petropolitano Adventista de Ensino (Ipae) abrigam com
conforto 530 alunos, 300 em regime de internato. À primeira vista, a
descontração da meninada sugere tratar-se de uma escola comum. Mas a vida lá
não é muito fácil, principalmente para os hormônios da adolescência. Um beijo
flagrado é o suficiente para submeter o estudante ao Conselho de Disciplina,
que pode tirar três pontos no “sistema de ocorrências”, dependendo do ardor da
infração. Um cigarro aceso, menos três pontos, assim como o consumo de bebida
alcoólica. Com dez negativos, a saída é a “transferência compulsória”,
eufemismo para expulsão no vocabulário do pastor Ervino Will, 54 anos,
diretor-geral da escola.
“Se
alguém for pego fazendo sexo, usando drogas ou roubando, é transferido
compulsoriamente”, avisa o dirigente. Na infância, como interno, Ervino
conheceu a colega Luci, com quem se casou há 33 anos, teve dois filhos e três
netos. Há 23 anos dirigindo escolas adventistas, ele garante que aplicou, na
prática, o princípio que se esforça para introjetar nos pupilos. “Nós também
não podíamos nem pegar na mão. Me orgulho de ter casado virgem”, conta.
Embora
muita gente acredite que eles nem existam mais, os colégios internos continuam
como uma opção educacional para alunos do ensino médio. “É uma posição muito
pessoal, de cada família”, afirma Regina Vinhaes Gracindo, professora da
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e integrante do Conselho Nacional
de Educação. “Mas eu não vejo motivos, hoje, para uma família abdicar da
possibilidade de influenciar a educação do filho adolescente e delegar essa
responsabilidade para uma instituição.” A distância entre tanto rigor e os
costumes liberais do século XXI contribuiu para a redução do número de
internatos no Brasil. Mas é exatamente em busca da disciplina que não
conseguem aplicar em casa que os pais procuram colégios como o
Adventista. “Entrei para me enquadrar. Agora sei arrumar a cama e acabo de
tirar 10 em física”, resigna-se Lucas Gesualdo, 17 anos. Morador de Ipanema,
zona sul do Rio de Janeiro, Lucas foi para Petrópolis após ter sido reprovado
no primeiro ano do ensino médio do Saint Patrick, no Leblon. “No Rio eu perco a
noção da hora porque pego onda e tem coisas demais para fazer.” O jovem se diz
acostumado, mas reclama da falta de carne nas refeições e de liberdade,
especialmente para namorar. [...]
Na
contramão do processo de extinção dos colégios internos, a Igreja Adventista
expande seus institutos e universidades pelo País. Presentes em todos os
Estados do Sul e Sudeste brasileiro, eles têm, entre outras, uma unidade em
Taquara (RS) [foto acima], inauguraram neste ano uma em Joinville (SC) e em 2009 chegam a
Belém (PA). “Sabemos que os internatos estão fora de moda, e eles nem são
viáveis como negócio. Investimos no modelo porque acreditamos na filosofia”,
afirma o diretor-geral de Engenheiro Coelho, José Paulo Martini. A igreja
subsidia seus 18 internatos no Brasil. A mensalidade-base dos alunos externos
dos colégios da instituição não chega a R$ 400 – no internato, é de
aproximadamente R$ 1 mil. [...]
Em
comum, os colégios internos remanescentes mantêm uma rotina britânica de
horários. No Ipae, ao toque de recolher das 22h, as luzes são desligadas e os
alunos despertam às 6h com uma sirene. Para as meninas da Unasp, uma boa
amizade com as “prepas” [preceptoras] (como são chamadas as monitoras responsáveis pela
fiscalização e o suporte pessoal aos alunos) é a chave para garantir algumas
regalias marginais ao regulamento, como momentos a mais de luz durante o black-out noturno.
As
“prepas” também formam a barreira a ser superada às portas dos dormitórios após
o pôr do sol todas às sexta-feiras, quando acontece o culto religioso para os
internos. Elas avaliam as roupas escolhidas pelas meninas para que não haja
exageros (como saias acima do joelho). “É um desfile de moda. Tem garota que
começa a se arrumar às quatro da tarde”, diz Camila Veríssimo, 17 anos, sobre a
noite mais esperada da semana. A companheira de quarto, Larissa De Benedicto,
endossa a importância social do evento. “A gente se produz mesmo, porque
‘bomba’. Não pode dar na cara que está paquerando, mas sempre rola um olhar”,
confessa.
Embora
o regulamento do internato proíba o contato físico – não é permitido nem andar
de mãos dadas –, há alguns artifícios para burlar a vigilância. “Quem quer
fazer algo mais vai para a mercearia”, diz Mateus Benvenutti, 15 anos. Ele se
refere à loja de conveniência instalada logo à entrada da Unasp.
Mesmo
dentro do campus a rígida disciplina é atenuada, ao menos em datas específicas.
Faz parte do calendário de alguns colégios adventistas a Festa dos Namorados,
evento no qual os casais têm direito a ambiente com velas e alguns minutos de
mãos dadas. Aluna do Ipae, a americana e filha de pastor adventista Lorraine
Castro faz graça da disciplina rígida nos internatos. Para ela, a falta de
contato físico “estimula a discussão da relação”. A companheira de quarto
Lilian Loura concorda. “Em nenhum lugar os namorados têm tanto tempo para
conversar como aqui”, diz, tendo ao fundo uma escrivaninha entulhada de livros,
em que os dizeres de um quadro de madeira dá o clima reinante de amizade.
“Bem-vindo ao nosso hospício: aqui somos loucos, uns pelos outros.”
(IstoÉ)
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