A palavra de ordem na mídia hoje é “transparência”,
resultado do discurso ideológico hegemonizado pelo partido vermelhinho, ora no
poder deste país que, segundo Lima Barreto, já no início do século 20 era “marasmado
pela imbecilidade”. Dentre as muitas mentiras propagandeadas e papagaiadas
pelos governantes, agora chega à luz essa da transparência. Pior: a presidente
exige transparência, inclusive, do setor privado. Ou seja, o Brasil está se
tornando insuportável para uma existência normal, pois as instituições públicas
se acham no direito de desconstruir o sujeito cidadão, eleitor da camarilha do
Congresso e do Poder Executivo. O Estado se insere em tudo, não deixa espaço
para o cidadão viver em paz, com dignidade e segurança. Na outra via, quando o
privado é quem exige do público transparência, este corre à imprensa para
protestar e ao conivente Judiciário para processar.
Estamos no limiar da história de
liberdade. Ouso me inserir nessa temática porque esse assunto faz parte de um
dos capítulos de minha pesquisa acadêmica e, hoje, ao ouvir a presidente Dilma
Rousseff discursar, confesso que senti ânsia. Em 1996, a filósofa belga Chantal
Mouffe chamava a atenção para os perigos da transparência: “As relações de
autoridade e de poder não podem desaparecer completamente e é importante
abandonar o mito de uma sociedade transparente, reconciliada consigo mesma,
porque esse tipo de fantasia conduz ao totalitarismo.” Uma coisa é o
Estado ser transparente, outra é exigir transparência da sociedade como um
todo, intrometendo-se na vida particular das pessoas. Quando o Estado pensa em
regular a vida dos indivíduos, e ninguém protesta, corre-se o risco de
gradativamente o perfil democrático ir desaparecendo e, com ele, todos os direitos
conquistados ao longo de décadas, no caso do Brasil, e dos últimos 236 anos no
contexto internacional.
Ao condicionar esse discurso
presidencial e aceitá-lo como uma proposta viável, a imprensa comete suicídio
em pequenas doses. Ao criticar as instituições públicas sem qualquer motivo, a
imprensa solapa a democracia e a própria liberdade e sua missão enquanto
instituição da sociedade. Não que a imprensa tenha de ser omissa em relação a
suas obrigações como guardiã das liberdades e fiscal dos poderes públicos
constituídos. Mas a constante destruição da imagem pública faz com que as
pessoas comecem a questionar a escolha pelo regime democrático, pois se a
democracia é um caldo de corruptos, aproveitadores, incompetentes,
interesseiros, corre-se também o risco de a sociedade optar por outras vias,
aumentando a hostilidade entre todos. A hostilidade que rechaça qualquer coisa
que não seja partidária da democracia passa a repelir, conforme Mouffe,
identidades “de natureza étnica, nacionalista ou religiosa”. Eu acrescento,
ainda, identidades éticas e morais. Em suma: a democracia está sofrendo
revisões de pseudointelectuais e muitos, de modo aloprado e inconsciente,
aceitam fazer parte dessa perspectiva de mudanças político-ideológicas achando
que contribuem decisivamente para um planeta melhor sob o ponto de vista
humanista. Eis outro risco, o de muitos embarcarem nesse jogo político e
apoiarem qualquer palavra de ordem que agrade os sentidos, porque satisfaz o
ego, os prazeres e o bolso.
Quem somente pode exigir
transparência na esfera pública? A Receita Federal, por uma questão lógica. A
sociedade deve e tem o direito de continuar exigindo transparência dos poderes
públicos. Todavia, a sociedade privada deve ser respeitada. O entendimento de
transparência deve ser adaptado a cada experiência e situação particular. Nesse
caso, a transparência não pode se transformar numa condição universal, pois se
tornaria em significante vazio, com sentido único e destituído de todas as
variantes possíveis. A transparência é uma característica de cada indivíduo e
não pode se tornar uma ferramenta do Estado, senão teremos a emergência de
um Grande Irmão de George Orwell como fundamento de um Estado
policial.
(Ruben
Holdorf é jornalista e professor universitário)
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