Publicada na edição nº 346 da revista Época (3/1/2005), a reportagem “E no princípio era o que mesmo?”, da jornalista Eliane Brum, gerou polêmica na ocasião e descontentamento por parte das
fontes consultadas. Como recentemente alguém tocou no assunto, no Twitter,
resolvi republicar e recordar aqui as reações enviadas à revista da Ed. Globo e publicadas na íntegra no site da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), na seção “Controvérsia”. A primeira “carta” é a minha:
Quando
fui contatado pela jornalista Eliane Brum e forneci algumas informações a
respeito do criacionismo e de meus livros, conhecendo um pouco de seu trabalho
e postura jornalística, sinceramente pensei que desta vez alguém publicaria uma
matéria isenta de preconceitos e que realmente contribuiria para esclarecer os
principais pontos de vista dos modelos evolucionista e criacionista. Mas
confesso que, com a publicação de sua reportagem na revista Época de 3 de janeiro de 2005, minhas
esperanças mais uma vez foram frustradas. Digo mais uma vez porque ela não foi
a primeira a expressar tão grande partidarismo e mesmo preconceito ao abordar a
controvérsia entre a criação e a evolução.
Logo
de início o texto menciona o biólogo Richard Dawkins – inimigo declarado dos
criacionistas –, e a afirmação de que crer no relato bíblico de Gênesis é “fruto
da ignorância”. Assim, sem rodeios, já se percebe a tônica da matéria.
O
texto prossegue trazendo outras inverdades e generalizações. Eliane afirma que “o
resultado mais nefasto desse embate entre criação e evolução não é o surgimento
de uma nova geração de criacionistas, mas as levas de estudantes que saem da
escola sem entender a teoria de Darwin”. Embora eu tenha fornecido a ela o
telefone e contatos no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp),
cujo curso de Biologia vai além dos requisitos exigidos pelo MEC, ao ensinar
tanto o criacionismo quanto o evolucionismo (mesmo os alunos evolucionistas não
reclamam), ela ignorou (deliberadamente?) essa informação.
Aliás,
há outras generalizações que, creio, deram ao leitor uma impressão equivocada
sobre o assunto. Embora a matéria mencione as subdivisões dentro do
criacionismo, Eliane sustenta que “os criacionistas afirmam que o homem, o
mosquito da malária e o protozoário causador da doença responsável por 2,7
milhões de mortes anuais no mundo são criaturas do plano da criação de Deus”. A
jornalista também induz o leitor a pensar que os criacionistas creem que todas
as características geológicas que vemos hoje são resultado do dilúvio bíblico,
e não dos processos geológicos descritos pelos cientistas (como o movimento das
placas tectônicas). E dispara: “Para a ala mais fundamentalista dos
criacionistas, o maremoto que matou milhares na Ásia... não seria causado por
movimentos das placas terrestres (pois não acreditam que elas aconteçam), mas
um flagelo enviado por Deus.” Eu dei a ela o telefone do doutor em Geologia
pela USP, Nahor Neves de Souza Jr., autor de um livro que descreve, no contexto
criacionista, os fenômenos geológicos globais. Mas ela o consultou? Consultou
algum geólogo criacionista ao menos? Não faltou aí o contraponto? Onde estão os
“dois lados” da questão?
Quando
fala do evolucionismo, Eliane dá a entender que seus defensores concordam em
tudo e que há consenso nos arraiais evolucionistas. Será assim mesmo? No dia 13
de dezembro de 1998, o caderno “Mais!” da Folha
de S. Paulo trouxe na capa o título “Extremos da Evolução”. Nos artigos,
foram abordadas as divergências entre expoentes evolucionistas como Richard
Dawkins e Stephen Jay Gould. Apesar das discordâncias, o comentário de John
Maynard Smith, um dos papas da biologia moderna, é conclusivo: “Por causa da
excelência de seus ensaios, [Gould] tornou-se conhecido entre não-biólogos como
o mais destacado teórico da evolução. Em contraste, os biólogos evolucionistas
com quem discuti seu trabalho tendem a vê-lo como um homem cujas ideias são tão
confusas que quase não vale a pena ocupar-se delas, mas alguém que não se deve
criticar em público por ao menos estar do nosso lado contra os criacionistas” (New York Review of Books, novembro de
1995). Bastante esclarecedoras essas palavras.
Quando
se refere ao movimento do Design
Inteligente, Eliane diz que ele se baseia em “argumentos sofisticados e supostamente
baseados na ciência”, mas não dá espaço suficiente para a defesa desses
argumentos. Fica tudo mais ou menos na opinião. Depois ela ainda arremata,
dizendo que “os cientistas não concordam com essa visão”. Bem vago isso, não? E
Michael Behe – citado por ela – e outros, o que são? Não são cientistas?
Aliás,
questionamentos levantados por Behe, em seu livro A Caixa Preta de Darwin, ainda não foram adequadamente respondidos.
Ele escreveu: “Nenhum dos trabalhos publicados no Journal of Molecular Evolution durante todo o curso de sua vida
editorial propôs um modelo detalhado através do qual um sistema bioquímico
complexo poderia ter sido produzido à maneira darwiniana, passo a passo,
gradualmente”, e “nunca houve conferência, livro ou artigo sobre detalhes da
evolução de sistemas bioquímicos complexos” (A Caixa Preta de Darwin, p. 179, 183). Behe informa ainda que “numerosos
estudantes aprendem em seus livros a ver o mundo através de uma lente
evolucionista. Eles, contudo, não aprendem como a evolução darwiniana poderia
ter produzido qualquer um dos sistemas bioquímicos notavelmente complicados que
tais textos descrevem” (p. 187).
Quando
menciona frases do Dr. Ruy Vieira, presidente da Sociedade Criacionista
Brasileira, Eliane deixa novamente transparecer preconceito. Ao informar que
ele foi diretor-científico da Fapesp e fundador da Academia de Ciências de São
Paulo, além de representante do MEC na Agência Espacial Brasileira, ela diz que
isso é “curioso”, reafirmando a ideia de que quase não há pesquisadores sérios
no meio criacionista (embora ela tenha dito que leu meu livro Por Que Creio,
no qual apresento entrevistas com uma dúzia deles).
Mas
acho que o cúmulo da sua argumentação preconceituosa ocorreu ao comparar a
proposta de se ensinar criacionismo e evolucionismo nas escolas com o
revisionismo a respeito do Holocausto judeu. “Esse argumento capcioso”, afirma
Eliane, “é o mesmo utilizado pelos revisionistas do Holocausto judeu, que,
apesar das fotografias, dos relatos dos sobreviventes, dos documentos, das
evidências materiais, da confissão dos algozes e do reconhecimento do Estado
alemão, continuam afirmando que o Holocausto foi uma ‘armação’”. Os
criacionistas sérios respeitam e se pautam pelo método científico. Se a teoria
da evolução tivesse evidências factuais como o episódio do Holocausto,
obviamente que não haveria cientistas que advogariam o modelo criacionista. Não
precisa ser criacionista para perceber que a comparação foi meio forte e
descabida. Lamento também o fato de a matéria não ter publicado sequer uma
entrevista com um criacionista sério, tendo dado espaço, por outro lado, a duas
entrevistas com evolucionistas declarados: o astrofísico Marcelo Gleiser e o
sociólogo Maurício Martins.
Acho
que o jornalismo científico foge às suas propostas (elogiáveis) de
esclarecimento quando divulga artigos carregados de preconceito e premissas
questionáveis, formando opiniões unilaterais. De minha parte, continuarei
aguardando o dia em que uma revista da importância da Época possa abrir espaço para a publicação de reportagens,
entrevistas e artigos criacionistas sérios [desde 2005, continuo esperando...],
escritos por bons autores e pesquisadores criacionistas, e não apenas a
interpretação do que seja criacionismo, do ponto de vista evolucionista. Talvez,
se houvesse um debate mais aberto e respeitoso, ainda que não se chegasse a um
consenso, haveria maior clareza com relação ao que ambos os lados pensam e
pregam.
Se
a ciência e a imprensa se detivessem aos fatos, deixando o juízo de valores (ou
as conclusões quanto às origens) aos leitores, estariam cumprindo de forma mais
efetiva seu papel.
Michelson Borges
Leia
a seguir a reação de outros leitores da matéria da Época:
“Prezada
jornalista Eliana, lamento muito ter gasto tanto tempo precioso para monologar
consigo. Realmente, opus et oleum perdidi.
Fico na dúvida se toda a responsabilidade pela peça de ficção jornalística foi
somente sua, ou se houve interferência do establishment,
como sóe acontecer praticamente sempre! Parafraseando trecho do texto, ‘o mais
curioso é que ela é jornalista’! De qualquer forma, tenho certeza de que
pessoas inteligentes (como você me pareceu, por telefone) e isentas de posições
preconcebidas (o que finalmente, ao ler sua reportagem, percebi não ser o seu
caso), poderão ser incentivadas a cavar mais fundo para buscar compreender
melhor o que realmente existe no âmbito da controvérsia Criação/Evolução. Concordo
com o Prof. Enézio Almeida Filho: os leitores da Época ficaram sem saber da crise epistêmica que vem sofrendo o
paradigma vigente. Da próxima vez, farei como o Prof. Christiano da Silva Neto,
da ABPC – tudo por escrito! Verba volant,
scripta manent!” (Ruy Carlos de
Camargo Vieira, presidente da Sociedade Criacionista Brasileira)
“Sr.
Diretor de Redação: A Teoria do Design
Inteligente é uma teoria científica. Fomos descaracterizados na reportagem ‘E
no princípio era o que mesmo?’ como criacionistas. Apesar de ter enviado
bibliografia comentada à repórter Eliane Brum sobre as improbidades científicas
das atuais teorias da origem e evolução da vida, os cientistas evolucionistas
sequer foram questionados. Não houve objetividade científica, imparcialidade
nem ousadia na sua reportagem, mas um belo exemplo de um mau jornalismo de
divulgação científica: um panfleto atrelado aos ditames ideológicos da
Nomenklatura científica. Os leitores de Época
ficaram sem saber sobre a crise epistêmica que vem sofrendo o paradigma
vigente. Atenciosamente registro aqui o meu protesto.” (Enézio E. de Almeida Filho, coordenador do Núcleo Brasileiro de Design
Inteligente)
“Prezados
senhores, li com atenção o tema especial ‘E no princípio era... o que mesmo?’. Certamente
é motivo de grande atenção o fato do enorme fracasso do ensino obrigatório,
exclusivo do evolucionismo durante o último século no Brasil, apoiado pelas
cátedras e coadjuvado pela mídia, ter produzido apenas 11% de evolucionistas
ateus! A causa principal desse fracasso é que as evidências estão destruindo a
frágil ideia da evolução. Vejamos algumas: (1) nada em biologia faz sentido à
luz do acaso cego. O acaso nega o conceito científico de causa e efeito,
introduz conceitos mitológicos e mágicos inaceitáveis sob o ponto de vista
científico, mas defendidos por ‘cientistas’ evolucionistas. [...] É uma maneira
enganosa de não explicar nada. (2) A abiogênese é uma crendice popular aceita e
defendida pela evolução! Desde 1864, Louis Pasteur, cientista criacionista
convicto, destruiu essa crendice que continua até hoje nos livros de biologia.
Eis um excelente exemplo para tirar das trevas nossa ciência, pois, como
Pasteur, estaríamos produzindo vacinas e fazendo a verdadeira ciência
progredir. (3) Os ‘incontáveis’ elos de Darwin não foram encontrados. Não
encontramos mais do que 30 supostos elos intermediários. Deveriam ser bilhões.
A árvore da vida evolutiva está comprometida. (4) Os fósseis contestam a
evolução. Os fósseis, segundo a evolução, seriam poucos e escassos. Só o fato
de encontrarmos milhões, toneladas de fósseis animais e bilhões de toneladas de
carvão fóssil vegetal, além das toneladas de fósseis nas gélidas turfeiras e o
petróleo fóssil, desmentem a evolução. Os fósseis surgem por soterramento
rápido, afogamento na lama. Catástrofe. Nada de uniformismo lento! (5) A
ancestralidade comum está em cheque. A embriologia evolucionista é uma fraude.
Ensino enganoso e fraudulento já contestado desde 1868, mas teimosamente
defendido por cientistas descuidados. A similaridade da morfologia dos ossos ou
órgãos homólogos aponta para um arquiteto, engenheiro e Criador inteligente. Os
órgãos vestigiais humanos inventados pelo evolucionismo (que chegou a ter mais
de 150 órgãos vestigiais listados) são produto da ignorância. (6) A seleção
natural fracassou. Os exemplos citados são muito frágeis. As 13 ‘espécies’ dos tentilhões de
Darwin se cruzam entre si e dão descendentes férteis. Confundiram variedades
com espécies. A mariposa Biston betularia
está sendo contestada, e a resistência de bactérias [a antibióticos] e outros
seres vivos são exemplos frágeis. (7) O coordenador do Projeto Genoma Humano é
criacionista [em parte, talvez]. O Dr. Francis Collins afirma com todas as
letras que o genoma humano sempre foi conhecido por Deus, pois Ele é o Criador
e codificador dessa enciclopédia informativa, o nosso DNA. No princípio, Deus.
Nada dos ‘zilhões’ de anos que o propagandista evolucionista Richard Dawkins
precisa para aplicar ao seu relojoeiro cego que nunca fez coisa nenhuma. No
princípio, a cegueira evolutiva...? Sugerimos uma entrevista com o Dr. Francis
Collins. Lembramos ainda que Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Johannes
Kepler, Francis Bacon, Isaac Newton, Carlos Linneu, Gregório Mendel, Louis
Pasteur – todos eles foram criacionistas. Os modernos criacionistas estão nos
ombros de gigantes da ciência. Merecem o mesmo nível de atenção, respeito e
exposição na mídia e na cátedra. O resultado da pesquisa do IBOPE mostra o
óbvio: 89% dos leitores da revista Época,
os pais dos alunos e os estudantes não aguentam mais esse ensino evolucionista
unilateral! Acordem! Está na hora de despertar, comparar e discutir o
criacionismo com o evolucionismo, na base das evidências científicas dentro das
salas de aulas, desde o ensino fundamental até a pós-graduação. Daqui a pouco o
evolucionismo, o maior mito científico, pode estar banido, como querem 75% dos
brasileiros.” (Roberto César de Azevedo,
bacharel e licenciado em Biologia pela Universidade de São Paulo)
“O
artigo ‘E no princípio era o que mesmo?’ apresentou-se muito ideológico e pouco
analítico. Como exemplo, gostaria de observar que a frase ‘os cientistas não
concordam com essa visão e alegam que o salto na realidade é bastante simples’,
que aparece na página 77, não esclarece como os cientistas explicam o simples
salto das substâncias ‘inorgânicas’ para uma célula viva completa, com todo seu
maquinário autônomo e com todo o seu conteúdo de informação necessário para seu
funcionamento e reprodução. Não imagino como artigos desse tipo podem ajudar as
pessoas a pensar sobre o mundo e se tornar capazes de formar sua visão de mundo
como idealiza Marcelo Gleiser em sua entrevista.” (Urias Echterhoff Takatohi, doutor em Física e professor no Unasp,
campus São Paulo)