No 1º Encontro
Nacional de Conselhos de Medicina 2013, realizado no mês de março, o
Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifestou favorável ao aborto até a
12ª semana de gestação. O CFM sugeriu que se deve afastar a ilicitude da
interrupção da gestação em uma das seguintes situações: (a) quando “houver
risco à vida ou à saúde da gestante”; (b) se a “gravidez resultar de violação
da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução
assistida”; (c) se for “comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de
graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em
ambos os casos atestado por dois médicos”; e (d) se “por vontade da gestante
até a 12ª semana de gestação”. O conselho aprova a interrupção voluntária da
gravidez até a 12ª semana de gestação e uma das justificativas apresentadas em
nota na página do CFM para o limite dessa data é a de que o sistema nervoso já
estaria formado a partir de então, tomando por base, naturalmente, a
embriologia humana.
O
aborto provocado sempre foi tema de muita discussão, porém, tem perdido muito
de sua polêmica nos últimos anos em vários países nos quais sua legalização já
comemora bons 40 anos. No Brasil, a aceitação do aborto tem sido mais difícil
devido, segundo especialistas, à natureza cultural e religiosa do país, onde
encontrava dura resistência. Seguindo a tendência mundial, a despeito de
inúmeras manifestações religiosas e não religiosas contrárias à sua
legalização, o aborto está às portas de ser aprovado como ato não criminoso,
guardadas as devidas situações acima expostas, muito embora, há apenas alguns
anos, ainda fosse considerado um grave crime pela maioria absoluta da
sociedade, inclusive pela classe médica. O CFM, em nota específica em sua
página oficial, informa que continuará a julgar os médicos que praticam o ato, ao
menos enquanto não é finalizada a revisão do CPB por juristas, a qual tramita
no Congresso Nacional.
A
justificativa para a fixação de uma data para a polêmica prática do aborto chamou
minha atenção. Confesso que não entendi muito bem a ligação entre essa data (12ª
semana) e o ato de interrupção da gravidez em si. Pergunto-me: O que importa
saber se o tecido nervoso do feto já está formado ou não, se seu destino, de
todo o corpo, será a morte? Por causa de uma suposta e questionável consciência
a partir desse período? Por causa de eventual dor que nem sabemos, ao certo, se
o feto manifesta nessa fase? O que importa saber disso se não consideramos a
vontade desse ser vivo?
Questiono-me:
Se fosse possível perguntar ao feto, seu desejo seria viver ou morrer? Não
consigo imaginar uma resposta negativa. Todos queremos viver. Ninguém quer
morrer! Nosso corpo não quer morrer. Cada célula do nosso organismo está
preparada para lutar contra a morte. Somos feitos de trilhões de células
guerreiras programadas para não morrer.
Às vezes, umas morrem para que todo o órgão, sistema ou organismo não pereça. A
luta contra a morte ocorre independentemente da
consciência. Comprovamos muito isso à beira do leito de uma enfermaria ou UTI.
Quem trabalha em hospital sabe que quando há alguma coisa de errado com o
organismo, ele responde de maneira, muitas vezes, intensa na tentativa de
minimizar o problema ou eliminar o agente agressor/causador do sofrimento que
ameace a vida, mesmo com o paciente inconsciente ou sedado.
Taquipnéia,
febre, taquicardia, vasodilatação e vasoconstricção, decorrentes de alterações
metabólicas, humorais, neurológicas e hormonais, são só alguns exemplos que
ocorrem num contexto de preservação da vida e em resposta às alterações
orgânicas que, nessas situações, estão presentes até o último momento antes da
morte.
A
sobrevida aumentou nos últimos 40 anos graças ao avanço tecnológico e às
medidas diagnósticas e terapêuticas cada vez mais eficazes. Todos os dias a
medicina estuda meios de aumentá-la ainda mais, o que está diretamente
relacionado com a redução da morbimortalidade. Milhares de dólares são gastos
todo ano no Brasil com promoção e recuperação da saúde. O foco é sempre o
aumento do tempo de vida, e vida com qualidade.
Todos
somos a favor da vida e avessos à morte. Nossa sociedade aceita as clássicas
fases do nascer, crescer e reproduzir, mas evita mencionar o morrer. Sempre
ouvi falar em congelamento de corpos vivos. De fato, várias pessoas congelaram o
corpo na tentativa de descongelá-lo num futuro longínquo em que a técnica de
descongelamento seria possível. Tudo porque desejam viver mais para ver o
amanhã.
Já
ouvimos falar dos caçadores da fonte da juventude. Muita gente faz cirurgia
plástica porque não aceita o envelhecimento e a proximidade da morte. O que
dizer da clonagem? Muitos sonham com a possibilidade de extensão da
vida. Há esperança da “cura” para a morte. A manipulação genética tem
como principal justificativa a geração de genes “sem defeitos ou marcas
geneticamente defeituosas”, objetivando-se a formação de seres sem doenças
determinadas cromossomicamente. Por quê? Porque doença é sinônimo de morte.
Se,
inicialmente, éramos a favor do aborto no caso de inviabilidade do feto e, como
exemplo, citávamos a anencefalia e as deformidades macrossômicas que
inviabilizavam a vida após o nascimento, qual a nossa justificativa agora? A
vontade da gestante? Que ingerência tem ela sobre um ser vivo saudável, mesmo
outorgando-se com poderes sobre seu próprio filho que lhe justifique o direito
de extirpá-lo de suas entranhas e lançá-lo à morte? E qual a diferença moral
entre o infanticídio pós-natal e o pré-natal? Dias? Semanas? Meses? Em minha
opinião, nenhuma! Estes atos inescrupulosos são repugnantes e passíveis da
mesma punição.
Recentemente,
evidenciamos um infanticídio comum na Europa em que uma mãe francesa matou e
congelou três crianças, seus filhos. A notícia chocou o mundo. Sem discutirmos
o motivo que a levou a praticar tal crime, mas considerando a permissividade e
o relativismo que assolam atualmente nossa sociedade, quem sabe essa mulher não
se arrependa de ter assassinado seus filhos após o nascimento dos
três e não antes do mesmo, quando as crianças ainda estavam no intraútero?
Afinal, considerando a descriminalização do aborto, estaria, hoje, livre da
prisão! Tirar uma vida, nos dias de hoje, tornou-se algo relativo à medida que
consideramos os interesses da sociedade. Contudo, é muito bom saber que há
princípios morais que revelam o caráter do Criador e que norteiam nossas atitudes
diante de situações lastimáveis como essas.
Os
colegas médicos, se não lembram, deveriam se lembrar do juramento que fizemos
ao nos formarmos. Recitamos, em uníssono, o pensamento genuíno do pai da
medicina, Hipócrates, que, se vivesse nos dias de hoje e com base em sua
declaração e na dos seus discípulos, certamente manifestaria sua opinião
contrária a essa que está se reproduzindo pelo mundo.
Poderíamos
imaginar que ele mataria em lugar de “fazer vida”, como declarou 400 anos antes
de Cristo? A descriminalização do aborto foi, é e sempre será contrária
aos princípios da medicina (sem citar os princípios de Deus), enquanto
considerarmos Hipócrates como o pai da arte de “curar”.
Num
trecho do juramento de Hipócrates, podemos ver seu pensamento evidente em favor
da vida: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e
entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por
comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo, não
darei a nenhuma mulher uma substância abortiva...”
Estamos
esquecendo nossos princípios! Estamos pisando nas leis morais! Estamos seguindo
as mudanças internacionais e anulando nossa própria identidade. O mundo muda,
mas o princípio moral deve permanecer, para sempre, numa sociedade saudável,
caso contrário, destrói-se a sociedade, que, aliás, começa pela família, a qual
tem sofrido terríveis investidas por parte de inimigos camuflados sob a pele de
cordeiro. Sem princípio moral, não há família. Sem família, não há sociedade
saudável. Sem sociedade, não há esperança. Sem esperança, não há salvação. Sem
salvação, não há vida.
Medicina
é vida, não morte, mas, quando praticamos a morte, matamos a medicina.
Meu
apelo é: Pare o aborto! Não pare a gestação! Sou a favor da
família e da vida. Digo não ao
aborto provocado. Digo sim à
medicina. Digo sim à vida.
(Mário Lobato, médico nefrologista;
Belém, PA, 30 de março de 2013)
Leia também: "Posição da Igreja Adventista quanto ao aborto", "Educação, não aborto, reduz mortalidade materna", "Aborto não é 'papo de fundamentalistas'" e "Aumenta tendência liberalizante do aborto no mundo"
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