Talvez
a parte mais estressante dos chamados filmes-catástrofe (terremotos, tubarões,
maremotos, piranhas, polvos, aliens e asteroides) não seja a tragédia em
si, mas o clichê que a precede: pessoas anônimas, sem grande credibilidade,
buscam advertir as autoridades quanto à tragédia iminente, mas, por uma série
interminável e previsível de motivos, ninguém lhes dá a mínima. Até que a
desgraça desaba sobre os soberbos e, principalmente, sobre os inocentes. Parece-me
que o apelo catártico desse tipo de filme não é o voyeurismo macabro que se costuma manifestar diante do sofrimento
alheio - voyeurismo facilmente
identificável na bem-sucedida indústria de tabloides e pasquins de “notícias
populares”, que escorrem sangue. Talvez o mote do filme-catástrofe seja o
desagravo de quem se preocupa com o semelhante e busca sua segurança - por que
não dizer “salvação”? - empregando tempo e recursos, suportando o escárnio e o
deboche, com evidente prejuízo para si.
Lembro-me
desse tema sempre que ouço certos políticos e personalidades públicas tachando
de “Cassandras” aqueles que recomendam prudência e ponderação em contraste com
suas previsões progressistas (“liberem o aborto, as drogas, os casamentos
mistos e múltiplos e adentraremos triunfantes na Era de Aquário!”).
Mas
voltemos: a ignorância cultural e a falta de senso crítico da imprensa é o
que mais salta aos olhos diante dessa rotulação grosseira. Ninguém percebe ou
aponta que o termo “Cassandra” não designa um pessimista que sempre faz
previsões furadas. Uma visita à mitologia grega, ainda que através da
mendicante e tendenciosa Wikipédia, pode trazer luz à questão (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cassandra):
Cassandra
foi uma princesa troiana habilitada desde a infância a ouvir as vozes dos
deuses após uma serpente lamber seus ouvidos enquanto ela dormia no Templo de
Apolo. Posteriormente, agora uma moça extremamente bela, passou a servir
fielmente a Apolo, que se apaixonou por ela e ensinou-lhe os segredos da
profecia. Uma vez profetiza, Cassandra negou-se a deitar-se com ele, sendo por
isso amaldiçoada: ninguém acreditaria em suas profecias. Dito e feito: prevendo
que o Cavalo de Madeira deixado nos portões de Troia causaria a destruição da
cidade, alertou seus pais, o rei Príamo e a rainha Hécuba. Não lhe deram ouvidos
e Troia acabou sendo invadida e arrasada.
Assim,
o rótulo Cassandra não se aplica a catastrofistas alucinados que sempre quebram
a cara, mas à pessoa que, antevendo a danação se aproximar, adverte, em vão, as
futuras vítimas do desastre.
Na
minha infância, eu costumava assistir a um desenho muito divertido, “Carangos e
Motocas”, em que um fusquinha simpaticíssimo era atazanado por uma gangue de
motocicletas. Entre essas, havia uma motoquinha barulhenta chamada Confuso.
Confuso sempre aconselhava o líder da quadrilha a desistir de seus “planos
infalíveis”. E sempre levava um chega-pra-lá do grandalhão. Resultado: o plano
gorava, as motocas se davam mal e ainda tinham que aguentar a cantilena de
Confuso: “Eu te disse, eu te disse, eu te disse! Mas eu te disse!” Era o final
recorrente dos episódios.
Em
tempos de hedonismo alucinado, da busca pelo êxtase espiritual em detrimento da
verdadeira experiência com Deus através oração particular e do estudo aplicado
das doutrinas da Bíblia Sagrada - sem falar na troca de Yavé por Mamom por
exigência de “pastores” da Teologia da Rapacidade, resta mais que evidente que
qualquer Cassandra moderna ou seu epígono infantil não conseguirá atrair muitos
para a Arca de Noé, símbolo da graça de Cristo. O que não justifica
negligenciarmos nossas responsabilidades.
(Marco Dourado, analista de sistemas formado pela UnB, com especialização em Administração em Banco de Dados)